A indústria do entretenimento não é um lugar tão mágico quanto as pessoas pensam: em um momento, você pode estar no topo das paradas, conquistando milhões de fãs e mergulhando em uma montanha russa rumo ao sucesso; no outro, as estruturas de sua vida podem ser desmanteladas por um simples comentário ou um dia não tão bom quanto gostaria que fosse. Esse escopo inconstante de conciliação entre o pessoal e o profissional foi um dos principais motivos que desencadearam o famoso e até hoje relembrado meltdown da princesa do pop Britney Spears entre os anos de 2006 e 2007, cuja figura passava por inúmeros problemas dentro e fora de casa e acabaram explodindo da forma mais humilhante possível para a cantora.
Spears sempre esteve completamente embebida pela fama, desde o tempo em que participava do extinto programa ‘A Casa do Mickey Mouse’. Ao completar dezesseis anos, lançou-se na carreira solo e ficou marcada pela baby voice e a baby face – a composição estereotipada da rebelde colegial que mais tarde abriu portar para transformá-la num sex symbol. É claro que, em meio a problemáticas da hiperssexualização, a artista tornou-se também uma forma de expressão que ia de encontro a uma bolha comandada por homens – e, ao lado de Madonna, Christina Aguilera e outras cantoras que vinham das últimas décadas de um conturbado século, alcançou um patamar que lhe trouxe uma pressão imensurável e culminou na quase destruição de sua carreira. Não é à toa que ficou quatro anos em hiato entre ‘In the Zone’ e seu próximo álbum.
Ressentida entre fãs assustados e uma imprensa visceral e compulsória que não a deixava em paz, Spears recuperou as rédeas de sua vida e deu ares de renovação com a chegada de ‘Blackout’. É óbvio que, após as controvérsias que envolveram seu casamento e seus filhos, ninguém a estava levando a sério – mas o lançamento do primeiro single, “Gimme More”, provou que todos estavam errados e que Britney ainda conseguia causar um impacto. Sem sombra de dúvida, a composição da música já mostra ares totalmente diferentes de seus trabalhos anteriores, mergulhando em uma mescla contemporânea que abandona os ares noventistas e conversa com um público movido pelo dinamismo. A faixa de abertura é sexy, quase empoderadora, cuja letra traz um eu lírico sedento por mais – seja lá a que isso se refira.
Toda a estrutura do álbum, como já dito, afasta-se dos convencionalismos anteriores – não totalmente, mantendo aproximações com “Toxic” e “Overprotected”, por exemplo. Entretanto, os arranjos estendem suas inclinações para algo muito mais indie, talvez até mesmo ousando buscar alguns estilos musicais mais marginalizados. “Heaven on Earth” e “Freakshow”, fazendo parte do miolo, são referências claras ao Europop e a uma construção sintética que tangencia a eletrônica, mas permanece fiel às raízes do electro-pop. O uso de tons musicais distorcidos contribui para criar uma atmosfera onírica e propositalmente incômoda – um reflexo das próprias emoções da cantora.
Enquanto isso, “Get Naked (I Got a Plan)” e “Toy Soldier” procuram uma abordagem mais bruta, tendo o funkcomo pano de fundo principal. As tracks do disco se aproximam muito mais entre si pela estruturação que pelo conteúdo, apesar de insurgirem enquanto continuação dos temas já tratados pela lead singer. Afinal, sabemos muito bem que Spears nunca teve problemas em falar abertamente sobre sexo, beleza, sensualidade e outros tabus um tanto quanto rechaçados pelos mais conservadores; aqui, entretanto, à medida que algumas faixas trazem narrativas esperadas, outras procuram explorar outros caminhos, criticando sutilmente a manipulação de certas pessoas e como ela está cansada de lidar com “soldadinhos de brinquedo”.
O álbum funciona em sua completude de diversos modos: a visão mercadológica e comercial está ali, dialogando com sua repaginação modernizada e refrescante a um pop prestes a mergulhar na era digital. Ao mesmo tempo, há também um experimentalismo claro, partindo do hibridismo de inúmeros estilos que casam e criam uma harmonia quase perfeita. É claro que os baixos existem, incluindo na participação de Pharrell Williams em “Why Should I Be Sad”, construindo um parênteses fragmentado em comparação ao restante da sólida base. Mas os ápices são mais frequentes, senão pelos vocais em autotune de Britney, por tudo que suas investidas representam – afinal, é sua primeira participação como produtora executiva, conferindo-lhe mais autonomia em fazer o que quiser.
“Piece of Me”, o segundo e mais aclamado single, é a definição perfeita do que o título da obra significa: buscando colocar a vida de volta nos trilhos, Britney percebe que um dos principais motivos de ter cedido a uma insanidade aterrorizante foi a pressão exercida por uma imprensa manipuladora e sensacionalista. E que melhor forma de responder a esses ataques com um afronte bem claro? A faixa, uma ironia nem um pouco sutil que serve de resposta àqueles que tentaram diminui-la, e não só tem uma letra deliciosamente perversa, como também traz elementos do dubstep e das distorções acústicas que a transformam em uma obra-prima. A maturidade dessa canção é refletida até mesmo em “Break the Ice”, cuja abordagem mais delicada cria contrapontos entre um poderoso refrão e bridges muito fluidos.
‘Blackout’ é um state-of-art por natureza e não poderia ter melhor representante que Britney Spears. A ideia de desligar-se para voltar à ativa é um dos motes que move a idealização do álbum e mostra como é sempre possível dar a volta por cima, mesmo que todos estejam contra você e ninguém acredite mais em seu potencial.
Nota por faixa:
1. Gimme More – 5/5
2. Piece of Me – 5/5
3. Radar – 4,5/5
4. Break the Ice – 4,5/5
5. Heaven on Earth – 4,5/5
6. Get Naked (I Got a Plan) – 3,5/5
7. Freakshow – 4,5/5
8. Toy Soldier – 4,5/5
9. Hot as Ice – 3,5/5
10. Ooh Ooh Baby – 4/5
11. Perfect Lover – 4,5/5
12. Why Should I Be Sad – 3/5