A trajetória de Brooklyn Nine-Nine talvez seja uma das mais intrigantes no ramo das séries de TV. Nascida na emissora norte-americana NBC, a produção se viu mudando de casa para a Fox, sendo abruptamente encerrada após a quinta temporada e 24 horas depois sendo resgatada por seu canal de origem.
Como uma versão às avessas da parábola do Filho Pródigo, a comédia dramática de humor negro conseguiu mais que uma sobrevida em sua tumultuada trajetória. Ela se viu valorizada pela emissora que a dispensara no passado, em meio ao fervoroso apelo dos fãs nas redes sociais, que não apenas garantiram sua sexta temporada, mas calcaram a subsequente, provando que a internet mais do que nunca tem poder de decisão. E ratificando que suas histórias estão mais revigorantes e frescas do que nunca, Dan Goor e Michael Schur honram o resgate e reiteram porque B99 é uma das melhores coisas da TV contemporânea.
Retomando a partir do casamento de Amy (Melissa Fumero) e Jake (Andy Samberg), a sexta temporada traz todo o seu humor irreverente como se o fio da navalha sequer tivesse passado perto de Brooklyn Nine-Nine. Confiante da narrativa conflitante construída ao longo de seus últimos cinco anos, a produção retorna ávida, com sede por piadas e disposta a tocar em assuntos mais delicados, até então deixados de lado. Adentrando a Me Too Zone, a produção dedica um episódio inteiro para abordar a temática, criando um equilíbrio perfeito entre o cômico e o drama.
Tocando em uma ferida aberta com delicadeza, ‘He Said, She Said’ (Ele Disse, Ela Disse) fala sobre assédio sexual no ambiente corporativo, mostrando os dois lados dessa trágica moeda. E à medida que pondera nos risos doces e suaves – naturais de B99, a série se posiciona com firmeza sobre o peso de denunciar o abuso, diante de um conflito onde o iminente fim da carreira parece a consequência mais rápida para a mulher, vítima do agressor. Com realismo, a produção leva homens e mulheres a pensar, retirando o humor da sala em certos momentos, a fim de incluir todos nessa inesgotável e infindável discussão sobre o tratamento sócio cultural recebido pelo sexo feminino.
Trazendo de volta também aquelas piadas internas que mais amamos, Brooklyn Nine-Nine é a prova de que uma mesma piada pode ser repetida sucessivamente, quando a roupagem certa é utilizada. Trazendo a audiência sempre para dentro da narrativa, certos maneirismos dos personagens se consolidam como uma “saudade gostosa” daquilo que – graças a Deus – não se foi. O famoso Roubo de Halloween retorna, como em todas as demais temporadas, mais divertido do que nunca, levando a audiência para o centro da brincadeira, como espectadores de um jogo alucinante.
E mesmo anunciando a saída da personagem Gina Linetti, vivida pela brilhante Chelsea Peretti (esposa de Jordan Peele – Corra!), os showrunners a trazem de volta, para o deleite dos fãs, em um dos melhores capítulos de toda a temporada. Sarcástica, educadamente arrogante (pode isso Arnaldo?) e totalmente auto confiante, ela é um deleite. Brinca com os protagonistas em cena e por se achar boa demais para tudo e todos, acaba genuinamente sendo uma das melhores coisas do universo das sitcoms. E B99 é por inteira nesse ritmo. Fazendo alegorias hilárias de circunstâncias sérias – como traumas de infância, abandono, TOCs, conflitos no meio policial e problemas de personalidade -, a produção traz uma inerente reflexão real, que vem quase disfarçada em um humor negro forte e que poucos ousam abordar (saudades Unbreakable Kimmy Schmidt).
Com referências à cultura POP que são um presente de Natal antecipado para os fãs mais atentos que curtem uma boa gargalhada de piadas contextualizadas, Brooklyn Nine-Nine é como um bom vinho, da mais alta qualidade. Revigorante com o passar do anos e de uma safra tão única, que pouco se vê por aí, ela amadurece mais e mais com o tempo, tem seu sabor acentuado e merece ser compartilhada com boas companhias. Até porque, se é pra rir da vida (e dos problemas dela), que tal fazermos isso juntos?