sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Canina – Amy Adams Corre com os Lobos em TERROR Psicológico Cômico [Festival do Rio 2024]

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Muitas gerações de mulheres cresceram condicionadas ao ambiente doméstico e a tudo que ele representa. Mulher não bebe, não fuma, não sai sozinha, não vai a festas, não senta de pernas abertas, não usa calças, não vota, etc. Essas construções foram acondicionando a mulher moderna cada vez mais dentro do ambiente do lar, onde sua única função era ser esposa – em vez de ser mulher – e, na maioria dos casos, ser mãe. Exercer essas duas funções que orbitam a vida do marido foi a única opção para muitas ao longo dos séculos – em muitos casos, ainda o é até os dias de hoje. Mas em 1992 uma psicanalista, Clarissa Pinkola Estés fez um estudo sobre esse tema, em que aponta os mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Partindo dessa filosofia, teve exibições no Festival do Rio 2024 o longa de terror psicológicoCanina’.

Mulher sorridente em supermercado.



Uma mãe (Amy Adams, de ‘A Chegada’) está fazendo compras no mercado com seu bebê e, enquanto seleciona os alimentos, se deixa invadir por pensamentos intrusivos, que a levam a questionar seu papel como mãe e a estagnação em que se encontra em sua vida. Seu marido (Scoot McNairy, de ‘Monstros’) viaja com frequência, ficando dias fora trabalhando, e, quando está em casa, comporta-se como um visitante, sem saber onde estão as coisas nem como agir. Enquanto aos poucos vai perdendo o juízo, essa mulher começa a ter insônias e, ao longo da madrugada, passa a ouvir ao chamado dos cães do lado de fora. Paulatinamente, essa mulher vai abandonando os comportamentos sociais e civis e passa a conviver com os cães, comportando-se cada vez mais selvagemente, tanto de dia quanto de noite.

Baseado no livro de sucesso ‘Nightbitch’ (que é o título original do filme), de Rachel Yoder (que também participa do roteiro), a produção traz os personagens e a construção do romance da escritora, ok, mas não menciona em nenhum momento a fonte dos estudos de Estés, que é quem coloca em palavras o pensamento sobre a mulher selvagem e cujo livro em que consta esses estudos se chama, literalmente, ‘Mulheres que correm com os lobos’. Então, é no mínimo deselegante não mencionar a autora, cuja pesquisa consta em todos os questionamentos da protagonista.

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Ressalvas a parte, Amy Adams mais uma vez demonstra que sua essência está bem longe da Giselle de ‘Encantada’, buscando trabalhos cada vez mais desafiadores. Em ‘Canina’ a atriz basicamente carrega todo o arco dramático do filme sozinha, seja com diálogos em off consigo mesma, seja interagindo com outros personagens que não fazem ideia dos conflitos dentro dela. As cenas em que a personagem vai se entendendo como cachorra, observando o crescer dos pelos e dos dentes e saboreando carne crua com gosto reiteram porque Amy é uma atriz de cinquenta anos que já foi indicada ao Oscar três vezes.

Mulher olhando espelho com expressão surpresa.

Uma vez que o filme de Marielle Heller (de ‘Um Lindo Dia na Vizinhança’) é sobre o despertar da mulher selvagem, o contexto da maternidade é apenas um atrativo para o público, pois não é o foco do filme. O despertar na mulher selvagem nesse contexto é impulsionado pela solidão parental, em que embora ame seu filho, a mãe é anulada como mulher para ser tão somente mãe – e mais ainda, a mãe feliz.

Para tornar todo esse debate ainda mais atraente, a roupagem do terror ajuda a levar essa protagonista ao mais cru do comportamento animal, com boas cenas que são dosadas com inserções de humor repentinos, quase histéricos, diante do absurdo das situações em que a personagem se observa.

Mais do que um filme comercial de terror ou de comédia, ‘Canina’ é um filme filosófico, que tenta passar uma mensagem subliminar às suas espectadoras mulheres. Tomara que o público a entenda, mas ainda não temos previsão de estreia no Brasil.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Muitas gerações de mulheres cresceram condicionadas ao ambiente doméstico e a tudo que ele representa. Mulher não bebe, não fuma, não sai sozinha, não vai a festas, não senta de pernas abertas, não usa calças, não vota, etc. Essas construções foram acondicionando a mulher moderna cada vez mais dentro do ambiente do lar, onde sua única função era ser esposa – em vez de ser mulher – e, na maioria dos casos, ser mãe. Exercer essas duas funções que orbitam a vida do marido foi a única opção para muitas ao longo dos séculos – em muitos casos, ainda o é até os dias de hoje. Mas em 1992 uma psicanalista, Clarissa Pinkola Estés fez um estudo sobre esse tema, em que aponta os mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Partindo dessa filosofia, teve exibições no Festival do Rio 2024 o longa de terror psicológicoCanina’.

Mulher sorridente em supermercado.

Uma mãe (Amy Adams, de ‘A Chegada’) está fazendo compras no mercado com seu bebê e, enquanto seleciona os alimentos, se deixa invadir por pensamentos intrusivos, que a levam a questionar seu papel como mãe e a estagnação em que se encontra em sua vida. Seu marido (Scoot McNairy, de ‘Monstros’) viaja com frequência, ficando dias fora trabalhando, e, quando está em casa, comporta-se como um visitante, sem saber onde estão as coisas nem como agir. Enquanto aos poucos vai perdendo o juízo, essa mulher começa a ter insônias e, ao longo da madrugada, passa a ouvir ao chamado dos cães do lado de fora. Paulatinamente, essa mulher vai abandonando os comportamentos sociais e civis e passa a conviver com os cães, comportando-se cada vez mais selvagemente, tanto de dia quanto de noite.

Baseado no livro de sucesso ‘Nightbitch’ (que é o título original do filme), de Rachel Yoder (que também participa do roteiro), a produção traz os personagens e a construção do romance da escritora, ok, mas não menciona em nenhum momento a fonte dos estudos de Estés, que é quem coloca em palavras o pensamento sobre a mulher selvagem e cujo livro em que consta esses estudos se chama, literalmente, ‘Mulheres que correm com os lobos’. Então, é no mínimo deselegante não mencionar a autora, cuja pesquisa consta em todos os questionamentos da protagonista.

Ressalvas a parte, Amy Adams mais uma vez demonstra que sua essência está bem longe da Giselle de ‘Encantada’, buscando trabalhos cada vez mais desafiadores. Em ‘Canina’ a atriz basicamente carrega todo o arco dramático do filme sozinha, seja com diálogos em off consigo mesma, seja interagindo com outros personagens que não fazem ideia dos conflitos dentro dela. As cenas em que a personagem vai se entendendo como cachorra, observando o crescer dos pelos e dos dentes e saboreando carne crua com gosto reiteram porque Amy é uma atriz de cinquenta anos que já foi indicada ao Oscar três vezes.

Mulher olhando espelho com expressão surpresa.

Uma vez que o filme de Marielle Heller (de ‘Um Lindo Dia na Vizinhança’) é sobre o despertar da mulher selvagem, o contexto da maternidade é apenas um atrativo para o público, pois não é o foco do filme. O despertar na mulher selvagem nesse contexto é impulsionado pela solidão parental, em que embora ame seu filho, a mãe é anulada como mulher para ser tão somente mãe – e mais ainda, a mãe feliz.

Para tornar todo esse debate ainda mais atraente, a roupagem do terror ajuda a levar essa protagonista ao mais cru do comportamento animal, com boas cenas que são dosadas com inserções de humor repentinos, quase histéricos, diante do absurdo das situações em que a personagem se observa.

Mais do que um filme comercial de terror ou de comédia, ‘Canina’ é um filme filosófico, que tenta passar uma mensagem subliminar às suas espectadoras mulheres. Tomara que o público a entenda, mas ainda não temos previsão de estreia no Brasil.

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Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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