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Muito antes das inteligências artificiais serem uma pauta amplamente discutida pela humanidade, ela era uma ideia que persistia em muitas histórias de ficção científica. Pensava-se, e muito, em formas de otimizar o trabalho do ser humano, a produção industrial e, em certa medida, em também otimizar os afazeres domésticos. Essa linha de pensamento proporcionou a criação de eletrodomésticos hoje imprescindíveis para a vida moderna, como o micro-ondas e o acendedor automático do fogão, por exemplo. E proporcionou, também, a imaginação daquilo que hoje chamamos de smart houses – as casas inteligentes, que é o foco central da minissérie ‘Cassandra’, produção alemã de ficção científica que tem se mantido no Top 10 da Netflix desde sua estreia.
Após uma terrível tragédia familiar, Samira (Mina Tander) e David (Michael Klammer) decidiram se mudar com seus filhos para uma outra cidade, para uma casa moderninha no interior da floresta. Já nos primeiros dias na nova residência, Fynn (Joshua Kantara) descobre que existe um sistema interligando todos os cômodos do ambiente através de um controle inteligente, incorporado por uma assistente virtual de nome Cassandra (Lavinia Wilson). Cassandra faz de tudo por essa família: limpa, cozinha, organiza as coisas, corta a grama. Tudo ia bem nessa residência dos sonhos, até o momento em que Cassandra começa a tecer comentários muito particulares sobre os moradores, e, aos poucos, passa a querer controlar a todos, como se a família fosse dela.
Ainda que com um argumento bastante previsível (afinal, para onde pode ir uma história em que uma inteligência artificial muito solícita entra na vida de uma família aos pedaços?), a minissérie ‘Cassandra’ constrói uma jornada bastante interessante para o drama que embala ambos os núcleos da produção. Nos primeiros dois episódios, vamos desvendando os personagens da nova família, suas questões particulares, enquanto acompanhamos Cassandra entrando na vida dessas pessoas com a maior cara de pau. Nos episódios seguintes, vamos desvendando como Cassandra foi parar dentro de um computador e porque ela age de maneira tão possessiva com uma família que nem é dela.
Mas são os dois episódios finais que tornam ‘Cassandra’ uma minissérie imperdível. Escrita e dirigida por Benjamin Gutsche, é quando todo o plot está apresentado que a produção oferece o grande desafio ao espectador: quem está certo e quem está errado, quando os motivos de cada personagem são tão compreensíveis?
Para além de uma boa história, ‘Cassandra’ ainda traz uma bela produção de arte que remete aos anos 1960/1970 para ambientar essa casa inteligente que é revestida de objetos e eletrodomésticos de cinquenta anos atrás, contrastando com o figurino de personagens contemporâneos. Ao mesmo tempo, quando voltamos no tempo de Cassandra, figurino, maquiagem, cabelo e arte se empenham em criar a atmosfera certa para que os diálogos dessa época – que são importantíssimos para a compreensão do todo – sejam ainda mais impactantes, pois fica muito evidente como esses diálogos do passado ressoam no futuro tanto de Cassandra, como do mundo.
Inteligente, sofisticada e intrigante, ‘Cassandra’ é dessas produções que vão deixar o espectador bugado diante das possibilidades do real. Tal qual os episódios de ‘Black Mirror’, ‘Cassandra’ ainda se reserva um grande trunfo para o espectador brasileiro: a IA canta, com frequência e em alemão, uma famosa canção brasileira – ‘Canta, canta minha gente’, de Martinho da Vila – o que faz com que tanto a música quanto a série não saia das nossas cabeças por um bom tempo.
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