Todos os elementos de uma deliciosa comédia romântica estão ali. E com o preciso timing cômico de Jonah Hill e Eddie Murphy, Certas Pessoas é capaz de criar um contraste em sua comédia que torna o novo longa de Kenya Barris uma aposta certeira para os fãs do gênero. Mas mesmo com esses dois comediantes de estilos tão distintos – diante de um background sociocultural que abre margem para uma abordagem tão original -, a produção da Netflix falha por não ter um feeling cirúrgico de quando e como entrar em suas disparidades raciais. E ao contrário do que a série Black-ish fez com tanto primor, o filme se perde em seus próprios debates, muitas vezes deixando o entretenimento de lado para se afundar em um tema tão poderoso de forma enfadonha, prosaica e até um tanto rasa.
E Certas Pessoas tem um potencial cômico enorme. Com boa parte de suas piadas funcionando de forma contínua, indo além de meras sacadas engraçadinhas, o longa roteirizado por Hill mira no clássico A Família da Noiva, de Kevin Rodney Sullivan, mas acerta em uma cartela batida de tropos estereotípicos banhados em uma mar de pedantismo. Aqui, cada cena é marcada por uma palestra cansada sobre preconceitos e visões distorcidas e pouco estudadas tanto sobre o povo judeu, bem como sobre o povo negro. Promovendo discussões aleatórias e desnecessárias a cada momento, o roteiro se torna completamente chapado, sem camadas, sem outras dimensões. Tratando questões tão sérias de forma tão banal e leviana, sempre debaixo de um filtro de problematização que visa enxergar pêlo em ovo, a comédia desmerece conversas tão importantes ao torná-las excessivas, vazias e insuportáveis.
Dentro de toda essa confusão onde entretenimento e agendas políticas se confundem, o que torna Certas Pessoas divertido para além de seus enormes problemas é o carisma de seus protagonistas, que fazem com que a trama funcione – mesmo com todos os seus diálogos tão forçados. A versatilidade cômica de Hill e Murphy e seus estilos distintos de comédia ajudam a nos conduzir por essas águas turbulentas, onde uma palavra ou um pensamento mal verbalizado se transformam em crises sociais que seguem por 20 minutos a fio. Ao lado deles, o restante do elenco formado por Julia Louis-Dreyfus, Lauren London, Nia Long e David Duchovny ajudam a tornar a experiência mais como uma verdadeira comédia, o que deveria ter sido o objetivo de Barris do começo ao fim.
Evidenciando o quão sensível (e às vezes insuportável) a sociedade está se tornando, o original Netflix prova como hoje está cada vez mais difícil se relacionar em comunidade, em um contexto onde todos estão tão ansiosos para se sentirem ofendidos a maior parte do tempo, em uma guerra de minorias. Perdendo a oportunidade de realmente ponderar as diferenças culturais existentes na bela diversidade racial que existe no mundo, Certas Pessoas desperdiça a maior parte de seu tempo apontando dedos, sempre criando uma atmosfera agressiva, pouco construtiva e que ao final de quase duas horas de filme não nos entrega nenhuma reflexão nova e necessária.
E embora o longa queira apaziguar os ânimos e ampliar o debate sobre uniões inter-raciais (o que é extremamente positivo), a comédia romântica de Kenya Barris infelizmente perde a oportunidade de aprender mais com A Família da Noiva. Com uma montagem dinâmica e colorida, que exalta a beleza de Los Angeles, a produção acerta em seu visual e tem um ritmo excelente, mas se prejudica gratuitamente por não saber dosar suas temáticas. Melhorando sua trama e corrigindo sua rota apenas nos 15 minutos finais, Barris e Hill nos fazem questionar que tipo de filme Certas Pessoas seria, se desde o princípio tivesse optado por seguir a mesma delicada e madura abordagem narrativa que marca o seu final fofo. Infelizmente, isso jamais saberemos. Mas se você estiver disposto a encarar quase duas horas de palestrinha em meio às excelentes performances de Eddie Murphy e Jonah Hill, talvez você se divirta um pouco.