Crítica | Charli XCX arquiteta uma poderosa e inebriante jornada em hyperpop com ‘BRAT’

Charli XCX começou sua carreira em 2013, com a repopularização da música eletrônica no cenário mainstream, e aliou-se a diversos nomes para construir uma carreira pautada pelo experimentalismo e por conceitualização distorcida e descontruída da música pop. Não é surpresa que, até os dias de hoje, a cantora, compositora e produtora seja um dos expoentes do subgênero conhecido como PC music, apostando fichas em uma proposital industrialização de incursões sonoras para levar os ouvintes a se questionarem acerca do conceito de arte dentro do cenário fonográfico.

Nos últimos anos, Charli pareceu dar uma guinada em sua discografia com um encontro inesperado entre modernidade e classicismo, principalmente em 2022 com o lançamento do ótimo ‘CRASH’ – em que as divertidas progressões sonoras deram espaço para uma revitalização dos anos 1990 e 2000 com a presença do electro-pop, do house e do disco (cada qual infundido em uma roupagem mais contemporânea e recheada de referências imediatamente reconhecíveis, refletindo sua clara percepção do que estava à sua volta). Agora, voltando com força descomunal, a artista resolveu construir um testamento a si mesma e àqueles que a acompanharam em sua contínua jornada, como A.G. Cook e SOPHIE, para mergulhar de cabeça em um hedonista compilado de originais cuja irreverência já emerge através do título, ‘BRAT’.

Contando com nada menos que quinze faixas originais, Charli vinha nos preparando para uma jornada exagerada e vibrante com a divulgação de vários singles, incluindo a irretocável investida “Von Dutch” – uma mistura pungente e dançante de electroclash e dance-pop, cuja lírica é uma exploração de um autoempoderamento necessário e que é tradução quase direta da intitulação do álbum, com uma repetição antêmica da frase “eu sou sua número 1” (“I’m your number one”), quase funcionando como um epítome que resume as principais mensagens. “360”, track também lançada como single promocional, parte de uma premissa mais simplificada, por assim dizer, fincada no synth-pop e no industrial-pop e marcada por uma utilização constante de sintetizadores (como se promovesse um ciclo inquebrável de sensações, começando, terminando e recomeçando em uma respiração simbiótica e diabólica).

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É notável como, partindo da premissa de que Charli tem uma afeição descomunal pelo experimentalismo, ela poderia escorregar em repetições cansativas e que poderiam não trazer nada de novo à sua discografia. Todavia, ela sabe como trabalhar cada uma de suas eras a fim de construir um laço que as una em uma identidade vulcânica e disruptiva, sem ceder às falácias de uma pseudo-reinvenção. É claro que temos a presença do hyperpop, do club e do synth regendo a estrutura das faixas, mas a comunhão dos instrumentos é rearranjada a seu bel-prazer, pincelada com excessos viciantes que nos convidam a uma aventura como nenhuma outra – e é essa beleza que nos chama mais a atenção em relação a ‘BRAT’.

Cada iteração é empírica, substancialmente dosada para uma variedade de ouvintes que deseja encontrar algo que dialogue com seus gostos pessoais, ou mesmo aqueles que desejam se afastar do que existe no mainstream. “Club classics”, como o nome já indica, é pautado no club e no melhor do hyperpop, abrindo espaço para uma remodelagem interessante da clássica “Vroom Vroom”, bebendo de irreverências sonoras e mudanças bruscas que nos deixam à beira do assento (no sentido mais positivo do termo); “Sympathy  is a knife” traz breves referências ao techno, mas mascarando as obviedades do estilo com um sintetizador industrial e um hard-pop pautado em transições vocais robóticas e um futurismo palpável que é bem comum ao estilo defendido pela performer; “B2b” nos arremessa de volta à virada do século, em que as batidas são mais demarcadas e mais impactantes, almejando a uma maximização sensorial de tirar o fôlego.

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“Mean girls” é um dos principais ápices do álbum e parte de um princípio da inevitabilidade dos samples e de escolhas instrumentais que são inesperadas e, por essa razão, bem-vindas: em meio ao hyper-EDM que pega páginas emprestadas de “S&M”, da icônica Rihanna, há uma presença inusitada do baixo eletrônico que antecipa o refrão e que nos faz imediatamente apertar o repeat; “Girl, so confusing” apresenta o apaixonante lado mais camp de Charli, em que o synth-pop é acompanhado de um fraseamento diferenciado e silábico; “365”, finalizando o compilado, fecha o ciclo iniciado por “360” e resolve enlaçar um tipo de setlist que nos joga de volta ao começo para absorver e aproveitar mais camadas.

‘BRAT’ não apenas é uma das melhores entradas da discografia de Charli XCX, como, em pouco tempo, se transformará no melhor álbum que já lançou por reiterar sua constante reinvenção em um cenário em que fórmulas são muito fáceis de serem usadas. Mais do que isso, o disco é um arauto declamatório e urgente do mais puro hedonismo, focando em um prazer confessional que é inebriante e potente em cada elemento.

1. 360 – 4,5/5
2. Club Classics – 5/5
3. Sympathy Is a Knife – 5/5
4. I Might Say Something Stupid – 4/5
5. Talk Talk – 4,5/5
6. Von Dutch – 5/5
7. Everything Is Romantic – 4,5/5
8. Rewind – 4,5/5
9. So I – 4,5/5
10. Girl, So Confusing – 4/5
11. Apple – 5/5
12. B2B – 4,5/5
13. Mean Girls – 5/5
14. I Think About It All the Time – 5/5
15. 365 – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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