quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Christoph Waltz brilha na angustiante e frustrante série de suspense ‘O Consultor’

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Talvez um dos maiores medos do ser humano seja a incerteza. O abstrato conceito pode se aplicar a diversos momentos da nossa vida, seja no âmbito pessoal, seja no trabalhista, seja no romântico. E esse é o mote principal da nova série de suspense do Prime Video, ‘O Consultor’: a incerteza do que realmente se esconde por trás de uma máscara “receptiva” e que coloca em xeque o futuro de pessoas que não têm para onde correr.

A trama é ambientada em uma companhia multinacional que produz jogos para dispositivos eletrônicos e traz como enfoque a trágica morte de seu CEO, Sang (Brian Yoon), que coloca um ponto de interrogação no futuro da empresa e de seus funcionários. E, enquanto discorrem sobre os inesperados acontecimentos, os jovens Elaine (Brittany O’Grady) e Craig (Nat Wolff) se veem sem chão e sem prospecto para conseguirem outro trabalho – principalmente depois de terem devotado a carreira e a vida a Sang. Mas as coisas tomam um rumo surpreendente quando o misterioso Regus Patoff (Christoph Waltz) aparece no meio da noite para cuidar dos assuntos pendentes e, de fato, tomar controle do corpo laboral e das propriedades intelectuais da companhia. O que Elaine e Craig não imaginavam é que a próspera instituição se transformaria em um pesadelo regado a crimes éticos, disputas de ego e uma falta de planejamento que poderia culminar em uma drástica ruína.



A série, composta por oito breves episódios, é baseada no romance homônimo de Bentley Little, lançado em 2016 – e, como adaptação, honra o material original e nos instigar desde a primeira cena. A ideia por trás da obra, supervisionada por Tony Basgallop (‘Servant’), é apostar fichas em um suspense de mistério que deixa as respostas no ar e se recusa a cair na condescendência para explicar o que realmente está acontecendo ao público. E, considerando o potente episódio piloto, era apenas natural que ficássemos ansiosos para descobrir os segredos que o Sr. Patoff esconde – e por que sua presença é tão agourenta e ameaçadora. Todavia, à medida que a narrativa chega ao fim, poucas perguntas são respondidas (abrindo margens para uma possível segunda temporada) e somos fadados a nos contentar com explicações rápidas e incompletas.

Os dois jovens protagonistas chamam a atenção dos espectadores por todos os motivos certos – e por sólidas atuações que trazem um misto de emoções ao cenário burocrático pintado por Basgallop e seu time criativo. O’Grady entrega uma bela performance como Elaine, que funcionava como braço-direito de Sang e, agora, não tem certeza do que acontecerá com sua carreira recém-iniciada; Wolff, que no ano passado participou do western ‘Murder at Yellowstone City’, faz um retorno glorioso às telinhas como o conturbado Craig, que sofre com a falta de reconhecimento e com o desequilibrado relacionamento com a noiva, Patti (Aimee Carrero).

Mas é Waltz quem usurpa os holofotes ao interpretar Regus. O ator, que já ganhou duas estatuetas do Oscar por ‘Bastardos Inglórios’ e ‘Django Livre’, encarna o consultor titular com proeza destemida e enfurecida, garantindo que a proposital unilateralidade das feições e dos gestos de seu personagem entre em dissonância explosiva com sua personalidade passiva-agressiva. Sua mera presença causa desconforto, não pelas coisas que fala, mas pelo sarcástico sorriso amarelo que lança a qualquer um que cruze seu caminho. E isso não é tudo: Regus tem um poder descomunal em convencer as pessoas a seu redor a fazerem o que ele bem entende, seja engajar em uma disputa pelo escritório que ficou vago na companhia, seja acompanhá-lo em um sequestro (sim, é isso mesmo que você leu). Conforme a narrativa se desenrola, não podemos deixar de nos perguntar quem é Patoff e o que ele realmente deseja?

Como já mencionado, o elenco é o grande ponto alto da produção – porém, esse não é o único aspecto que merece atenção. Temos, por exemplo, a simples e prática fotografia do esforço em conjunto de Elie Smolkin, Eduardo Enrique Mayén e Jess Hall, que apostam na sobriedade claustrofóbica das cores frias e neons e em enquadramentos e angulações que podem até não fugir do óbvio, mas dialogam com precisão com o organismo vivo que a empresa se torna. Ademais, a música insurge em seu espectro funcional, mergulhada na conjunção entre o minimalismo tétrico e o suspense operístico.

Não obstante, os deslizes existem e se fundem em uma bola de neve inescapável que deixa um gostinho de frustração ao passo que nos aproximamos do capítulo de encerramento. Afinal, a angustiante atmosfera arquitetada nos primeiros episódios clama por explicações palpáveis que, por mais que não sejam carregadas com a “reviravolta do século”, ao menos satisfaçam o anseio do público. Infelizmente, não é isso o que acontece: o roteiro, a encargo também de Basgallop, falha em concretizar quaisquer teorias que tínhamos ao começar a série, abrindo espaço para tantas explicações, que é uma tarefa quase impossível não se cansar.

‘O Consultor’ sofre com uma antecipação derradeira que não faz jus ao que foi vendido. Entretanto, ainda que o desapontamento seja o único sentimento justificável com o término da narrativa, somos convencidos de que algo bom está por vir em virtude das irretocáveis atuações e de uma ambientação que parece dizer mais do que consegue (ou do que pode).

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A trama é ambientada em uma companhia multinacional que produz jogos para dispositivos eletrônicos e traz como enfoque a trágica morte de seu CEO, Sang (Brian Yoon), que coloca um ponto de interrogação no futuro da empresa e de seus funcionários. E, enquanto discorrem sobre os inesperados acontecimentos, os jovens Elaine (Brittany O’Grady) e Craig (Nat Wolff) se veem sem chão e sem prospecto para conseguirem outro trabalho – principalmente depois de terem devotado a carreira e a vida a Sang. Mas as coisas tomam um rumo surpreendente quando o misterioso Regus Patoff (Christoph Waltz) aparece no meio da noite para cuidar dos assuntos pendentes e, de fato, tomar controle do corpo laboral e das propriedades intelectuais da companhia. O que Elaine e Craig não imaginavam é que a próspera instituição se transformaria em um pesadelo regado a crimes éticos, disputas de ego e uma falta de planejamento que poderia culminar em uma drástica ruína.

A série, composta por oito breves episódios, é baseada no romance homônimo de Bentley Little, lançado em 2016 – e, como adaptação, honra o material original e nos instigar desde a primeira cena. A ideia por trás da obra, supervisionada por Tony Basgallop (‘Servant’), é apostar fichas em um suspense de mistério que deixa as respostas no ar e se recusa a cair na condescendência para explicar o que realmente está acontecendo ao público. E, considerando o potente episódio piloto, era apenas natural que ficássemos ansiosos para descobrir os segredos que o Sr. Patoff esconde – e por que sua presença é tão agourenta e ameaçadora. Todavia, à medida que a narrativa chega ao fim, poucas perguntas são respondidas (abrindo margens para uma possível segunda temporada) e somos fadados a nos contentar com explicações rápidas e incompletas.

Os dois jovens protagonistas chamam a atenção dos espectadores por todos os motivos certos – e por sólidas atuações que trazem um misto de emoções ao cenário burocrático pintado por Basgallop e seu time criativo. O’Grady entrega uma bela performance como Elaine, que funcionava como braço-direito de Sang e, agora, não tem certeza do que acontecerá com sua carreira recém-iniciada; Wolff, que no ano passado participou do western ‘Murder at Yellowstone City’, faz um retorno glorioso às telinhas como o conturbado Craig, que sofre com a falta de reconhecimento e com o desequilibrado relacionamento com a noiva, Patti (Aimee Carrero).

Mas é Waltz quem usurpa os holofotes ao interpretar Regus. O ator, que já ganhou duas estatuetas do Oscar por ‘Bastardos Inglórios’ e ‘Django Livre’, encarna o consultor titular com proeza destemida e enfurecida, garantindo que a proposital unilateralidade das feições e dos gestos de seu personagem entre em dissonância explosiva com sua personalidade passiva-agressiva. Sua mera presença causa desconforto, não pelas coisas que fala, mas pelo sarcástico sorriso amarelo que lança a qualquer um que cruze seu caminho. E isso não é tudo: Regus tem um poder descomunal em convencer as pessoas a seu redor a fazerem o que ele bem entende, seja engajar em uma disputa pelo escritório que ficou vago na companhia, seja acompanhá-lo em um sequestro (sim, é isso mesmo que você leu). Conforme a narrativa se desenrola, não podemos deixar de nos perguntar quem é Patoff e o que ele realmente deseja?

Como já mencionado, o elenco é o grande ponto alto da produção – porém, esse não é o único aspecto que merece atenção. Temos, por exemplo, a simples e prática fotografia do esforço em conjunto de Elie Smolkin, Eduardo Enrique Mayén e Jess Hall, que apostam na sobriedade claustrofóbica das cores frias e neons e em enquadramentos e angulações que podem até não fugir do óbvio, mas dialogam com precisão com o organismo vivo que a empresa se torna. Ademais, a música insurge em seu espectro funcional, mergulhada na conjunção entre o minimalismo tétrico e o suspense operístico.

Não obstante, os deslizes existem e se fundem em uma bola de neve inescapável que deixa um gostinho de frustração ao passo que nos aproximamos do capítulo de encerramento. Afinal, a angustiante atmosfera arquitetada nos primeiros episódios clama por explicações palpáveis que, por mais que não sejam carregadas com a “reviravolta do século”, ao menos satisfaçam o anseio do público. Infelizmente, não é isso o que acontece: o roteiro, a encargo também de Basgallop, falha em concretizar quaisquer teorias que tínhamos ao começar a série, abrindo espaço para tantas explicações, que é uma tarefa quase impossível não se cansar.

‘O Consultor’ sofre com uma antecipação derradeira que não faz jus ao que foi vendido. Entretanto, ainda que o desapontamento seja o único sentimento justificável com o término da narrativa, somos convencidos de que algo bom está por vir em virtude das irretocáveis atuações e de uma ambientação que parece dizer mais do que consegue (ou do que pode).

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