Retratar a adolescência sempre foi uma tarefa desafiadora para o cinema. Uma época tão repleta de sentimentalismo, revoltas, angustias e descobertas que, se tratada superficialmente, se afunda em clichês. Este não é o caso de ‘Ciganos da Ciambra’. Aqui, a realidade é tão forte e precisa, que o mergulho é muito mais profundo.
Na trama, dirigida com maestria por Jonas Carpignano e assinada pela produtora RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira, o jovem Pio tem 14 anos e vive em Ciambra, uma pequena comunidade romana na Itália. Após a prisão de seu irmão mais velho, ele assume o posto de provedor da família, o que o leva à cometer pequenos furtos e lidar com escolhas intensas demais para compreender.
É nesse pequeno mundo estabelecido, que o jovem Pio Amato sustenta sozinho o peso de carregar uma trama dramática de quase duas horas de duração e sair ileso no final. Apesar de parecer tarefa complexa demais para um jovem ator de 14 anos, Amato faz e faz com dedicação, emoção e confiança, como não se tem visto nos cinemas recentemente. Seu olhar profundo, sua postura e seu realismo faz brilhar os olhos e nos mantém envolvidos nos dilemas do pequeno cigano.
E se as atuações são de ouro, realistas ao extremo e honestas acima de tudo, o que dizer então da direção de Carpignano, que conduz a trama de uma forma única, carregada de planos-sequência e muitos cortes, uma técnica que encontrou para manter o realismo que a história necessitava, assim como a escolha de manter uma iluminação natural na grande maioria das cenas. Mas não se engane, há uma belíssima direção de fotografia escondida em cada plano.
Já a adolescência, é retratada com a dose necessária de rebeldia, principalmente considerando a realidade que os personagens se encontram e as dificuldades que enfrentam. Pio fuma descontroladamente, bebe e dirige, assim como seus primos e irmãos, mas existe nele certa clareza em suas ações, nada parece ser feito por apenas rebeldia. Ele quer conquistar seu lugar dentro de sua família e provar para si mesmo que já não é mais uma criança. Essa é a alma do filme: A jornada de um menino de Ciambra para se tornar um homem dentro de uma família tradicionalista, justa e sofredora.
Entre toda a jornada de Pio, o roteiro (também escrito por Carpignano) encontra espaço para tratar o preconceito gerado pelo tradicionalismo, fazendo com que o jovem se envolva com os “ridicularizados” africanos até perceber que não há o que temer ali e desenvolve uma forte amizade, quase paternal, com o Ayiva (Koudous Seihon), o que nos presenteia com umas das cenas mais emotivas do filme, durante aquele carinhoso passeio de moto.
A trilha sonora moderna marca presença sempre em momentos pontuais, ressaltando e guiando nossas emoções sem forçar a barra, como muitos filmes do gênero acabam recorrendo.
Em meio ao caos de cortes rápidos, a trama se desenrola de forma lenta, sem apressar as situações e fazendo o menino enfrentar todos os desafios necessários em sua jornada do herói rumo à vida adulta. No fim das contas, ‘Ciganos da Ciambra’ é uma poesia em forma de filme. Diferente, brutal e inesquecível, daqueles filmes que você carrega para sempre. Uma grande homenagem moderna ao neorrealismo italiano.
Obs: Vale ressaltar que o aclamado Martin Scorsese assina como produtor executivo.