Consequência. Essa é a palavra que pode definir o que norteia a terceira temporada de Cobra Kai, lançada no primeiro dia do ano, na Netflix. Toda a loucura do final da temporada anterior tem um grande peso direto em tudo o que envolve os novos episódios.
Aliás, a série aprofunda ainda mais a sua lore e dá uma maior base de construção de personagens, explorando mais o passado e o que os levou a terem a personalidade e o modo de agir, chegando até mesmo a justificar alguns nomes importantes, como o do famoso DOjo que dá nome à série.
O grande ponto dos primeiros episódios é a consequência gerada pela briga generalizada na escola que resultou no coma de Miguel, aqui impossibilitado de movimentar os pés devido ao grave ferimento na coluna. Enquanto a punição física foi o maior castigo para ele, aos demais estudantes restou uma grandiosa reunião dos pais para tratar de todo o caos ocorrido. A partir de então, se meter em brigas se tornaria, em tese, algo muito difícil de acontecer, devido à maior vigilância no local de estudo e a possibilidade dos alunos serem suspensos ou expulsos. Em meio a esse contexto acadêmico, a série mostra que o universo da série não se limita a apenas este ambiente e sim por toda a região.
As lutas no shopping foram vistas por muitos e este confronto foi citado por moradores locais presentes ali para desqualificar a prática do Karatê. Os duelos foram em lugares abertos e isso gerou consequências no modo que a população de um modo geral enxerga a Arte Marcial em questão. Ou seja, todos os acontecimentos não são absorvidos apenas pelos núcleos dos respectivos dojos e a escola e sim por toda a região do Vale. Isso é crucial para o debate do andamento ou não de torneios de Karatê mais à frente.
Ainda sobre as consequências da briga do fim da segunda temporada, a série aborda, embora de modo muito rápido e sem explorar por muito tempo, a diferença entre ser um homem lutador e uma mulher lutadora. Enquanto um lado é muito bem visto e admirado, do outro há um certo medo e temor, sendo assim totalmente diferente de perspectiva. Foi assim que Sam se sentiu no início, ainda que logo depois tudo isso tenha sido ignorada, sem mais espaço para desenvolver o tema. Dentro desta questão, o que norteou Sam foi o peso de se sentir culpada por toda a rivalidade entre Miguel e Robby e como os dois tiveram punições terríveis. Um sem mobilidade nas pernas e o outro preso. Fora isso, a sua rivalidade com a Tory e seus ferimentos, tanto físicos quanto mentais, causando uma certa hesitação na personagem em diversos momentos, o que só foi ser concluído na reta final da temporada.
O arco de Sam merece destaque, mas quem teve a maior virada na verdade foi Hawk. Ou será que podemos chamá-lo de Eli, como no início? Em momentos pontuais e sutis, a série mostrou o conflito interno do personagem e a semente do que viria a ser uma mudança de comportamento, motivada por diversos fatores. Por vezes, este conflito foi apresentado de modo externo através de diálogos com personagens próximos, como Tory e Kreese. A virada do Falcão não foi gratuita. Ao longo dos episódios, ele já dava sinais de que algo estava errado.
Um grande ponto positivo de Cobra Kai é que a série tem noção do senso de ridículo se pararmos para analisar seriamente toda a história de rivalidade entre Daniel, Jhonny e seus respectivos alunos. Assim como ocorrera nas temporadas anteriores, em alguns episódios, todo o plot da série foi dito e abordado por uma personagem que não pertence ao conflito principal, dando assim toda uma noção do quão bizarra é quando visto por fora, de quem não está envolvido. Se antes esse papel cabia a Amanda, a mulher de Daniel, agora esta missão foi dada a Ali.
Por falar em missão, aqui podemos acompanhar o passado de Kreese e ter a oportunidade de saber como ele chegou ao ponto de sua personalidade a qual conhecemos. Os flashbacks não exatamente justificam as atitudes do personagem, mas pelo menos dão uma maior construção ao sensei. A filosofia de no mercy – sem compaixão – é exemplificada em uma destas cenas do passado, assim como o nascimento do Cobra Kai e todo o contexto envolvido. Sim, Jhonny Lawrence não é o único. Assim como o pai de Robby, Kreese também passou por situações conflitantes e traumáticas que resultaram em atitudes reprováveis durante a vida adulta. Isso não quer dizer que ele seja bonzinho, mas há um horizonte aqui, ou seja, todo o caminho percorrido até ele chegar ao personagem ao qual o público é apresentado até o filme do Karatê Kid.
Desde o início, Cobra Kai é muito cuidado em deixar claro que não há exatamente o lado bom e o lado mau da história, o certo e o errado. A própria Ali diz em uma de suas passagens: “Há o seu lado (Daniel), o seu lado (Jhonny) e o lado da verdade.” O que é um fato. Todos vivem situações das mais diferentes camadas que o empurram tanto para atitudes boas quanto para más. Os membros do Myagi-Do também têm ideias de certo modo “maléficas”, embora toda a paz, músicas calma, trajes e personalidades tranquilas de seus Caratecas tentem nos dizer o contrário. Isso não quer dizer que sejam más pessoas e sim que, como qualquer uma, podem ter ações boas e ruins. Dentro da própria perspectiva, cada um é o herói de sua jornada e quem está contra você é o vilão.
Por sinal, a construção de ambiente e característica dos Dojos é muito clara e bem feita. Embora a série se passe nos dias de hoje, sua relação com os Anos 80 é evidente por motivos óbvios. Com isso, a trilha sonora está muito relacionada a esta década, trazendo um grande senso de nostalgia aos mais velhos. Além das questões sonoras, os cenários, principalmente quando Daniel visita o Japão, traz um grande ar nostálgico dos clássicos filmes protagonizados por Daniel-San. Ao mesmo tempo, Cobra Kai se atualiza e mostra que não é possível manter essa visão romântica até hoje, fazendo com que muitos destes locais dêem lugar a, por exemplo, shopping, o que faz todo sentido.
Já para citar algo que não faz sentido, o que possivelmente seja um dos poucos pontos negativos da terceira temporada, seja a recuperação de Miguel. Já era de se esperar que ele voltasse a se movimentar em alguns episódios, afinal o personagem é um dos principais fios condutores da série, porém a execução não foi muito bem feita a partir de certo momento. Em um episódio, Miguel apresentava extrema dificuldade para dar um chute para logo no episódio seguinte aparecer lutando e fazendo os movimentos mais malabarísticos possíveis. Existia um certo ritmo em relação ao desenvolvimento do ferimento, mas foi deixado de lado na reta final.
Como dito acima, Miguel é um dos principais fios condutores da série e o seu relacionamento com Jhonny é essencial para o sucesso da série e o carinho do público pela história. Todos os momentos da dupla são muito divertidos de se acompanhar, mesmo nas cenas mais sérias, como o “você caiu como um campeão”, já apresentado no trailer divulgado pela Netflix em dezembro de 2020. Aqui também é onde entram a maioria dos momentos cômicos da temporada, principalmente pela inabilidade online de Jhonny e o necessário suporte de seu aluno. As cenas das fotos para o Facebook são muito boas, divertem e não são gratuitas. Sutilmente, ali é plantada a semente da mudança de rumos que Jhonny dá em relação a ser um Sensei, posição que abandonou após Kreese tomar o Dojo e por tudo o que aconteceu entre os alunos.
Na reta final da temporada, o rumo dado já é algo esperado por muitos, mas que ainda
assim empolga – e muito – pelo modo que é construído. A música, a virada de plot de um
personagem e o contraste entre uma festa tediosa e calma dos pais ocorrendo
simultaneamente a toda uma loucura de uma briga criam uma clima empolgante,
principalmente pela resolução e a cena final. O que fica é uma grande expectativa para a
próxima temporada. Cobra Kai segue em um nível excelente, sem se levar totalmente a
sério e com uma construção melhor do que a produção original que deu início a tudo, os
filmes de Karatê Kid. Resta aguardar. Até aqui, um sucesso e um fenômeno totalmente
justificável.