quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | ‘Coletivo Terror’ explora a loucura humana, mas não mergulha de cabeça

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Na última década, o estilo antológico destinado anteriormente à literatura parece ter encontrado espaço de sobra na esfera televisiva – e a preferência de vários realizadores e roteiristas está dando frutos: depois, na esfera mainstream, as duas grandes séries de Ryan Murphy (American Horror Story e American Crime Story), que estão no ar até os dias de hoje e já abarcaram uma legião inenarrável de fãs; temos a produção distópica Black Mirror, que vem sido utilizada como um pessimista reflexo da sociedade contemporânea e sua dependência complexa da tecnologia; e, agora, a Netflix nos presenteou com um interessante – apesar de um pouco áspero – show norueguês intitulado Coletivo Terror(cuja primeira temporada tenta palatalizar o sobrenatural de Murphy em narrativas arrepiantes que podem muito bem acontecer).

Os seis breves episódios da meia hora cada são uma sólida adição ao catálogo da gigante do streaming e, mesmo com os claros erros de roteiro e de direção, nos prendem do começo ao fim em arcos bizarros com reviravoltas inesperadas. Mais do que isso, a representação nua e crua da psique humana é trazida à tona como uma das principais premissas – e, caso renovada, esperamos que essa análise ainda superficial não tenha medo de mergulhar de cabeça. A princípio, a escolha dos showrunners Kjetil Indregard e Atle Knudsen em jogar na zona de conforto é compreensível, preferindo valer-se de certas fórmulas para arrebatar os espectadores e prepará-los para algumas escolhas ousadas nos capítulos finais, explorando gêneros que oscilam desde a comédia dramática até o mistério.



O ciclo é bem estruturado e tem um forte início com “Ultimate Sacrifice”, viajando para o interior da Noruega e respaldando-se na cultura viking que ainda marca presença na atualidade. Aqui, Molly (Ine Marie Wilmann) é uma citadina mulher que está tendo dificuldades em se adaptar na sua nova casa, cuja mudança foi consequente à quase falência da família. E, para ajudar, ela lida com estranhos vizinhos que são extremamente apegados aos seus bichinhos de estimação – até descobrir que eles são acalentados e quase venerados por um motivo arrepiante: sacrifício. Na verdade, a cidade possui uma espécie de pedra mágica onde os habitantes fazem oferendas em troca de dinheiro, o que a transforma numa ambiciosa e inconsequente psicopata.

Ao longo dos episódios, percebemos que os breves enredos seguem a mesma linha de raciocínio chocante e surpreendente, refinando-se conforme nos aproximamos do season finale. Temos a história de um esquizofrênico rapaz que inventa em sua cabeça um arco de sequestro ao lado de dois irmãos que simplesmente não existem, culminando num sacrifício acidental que nos tira o fôlego. Logo depois, somos apresentados ao perfeito mundo de Olivia (Dagne Backer Johnsen), uma aspirante à escritora que começa a ser caçada por suas colegas de quarto até descobrir que está presa dentro de um conto (o que eventualmente não faz muito sentido pela forçada metalinguagem, mas logo explica-se com um cruel recomeço).

Coletivo Terror é uma ode à loucura e definitivamente não é guiada pela lógica; na verdade, o time criativo abraça e integra a si mesmo uma emoção gutural e impiedosa que acomete os mais diversos tipos de pessoas, sejam elas membros de uma companhia científica (como na tensão exacerbada de “Lab Rats”), seja numa festa de empresa que é o espaço perfeito para uma vingança (“The Elephant in the Room”, o melhor episódio da série sem sombra de dúvida). Eventualmente, percebemos que a delineação dos microcosmos almejam à originalidade, mas por vezes voltam-se à familiaridades conhecidas e batidas de produções de alto calibre: em “The Old School”, por exemplo, vemos uma recém-formada pedagoga que aceita trabalhar numa escola reaberta após décadas fechada e cruza caminho com um grupo de meninas assassinada que precisa de ajuda para seguir em frente (uma mistura de O Orfanato com Invocação do Mal que não dá muito certo por sua artificialidade).

Ademais, nota-se um apreço estético pelo drama seriado em sua mais pura forma: os enquadramentos e o jogo de campo-contracampo segue o estilo de tantos outras longas-metragens e séries que despontam na esfera audiovisual; mas não faço esse comentário de modo pejorativo. Pelo contrário, as escolhas artísticas auxiliam no entendimento das iterações e funcionam como um convite aberto para simples contos de terror que cumprem, na maior parte do tempo, o que prometem nos entregar desde o primeiro momento – e é isso que a torna um pouco diferente de obras adjacentes. Em outras palavras, não vemos muitos elementos do expressionismo ou arquiteturas excêntricas ou eventos preternaturais; temos a presença essencial do gore, sim, que faz alusão aos slasher dos anos 1980, e isso é tudo.

Coletivo Terror tem um início satisfatório o bastante para nos manter vidrados do começo ao fim e para nos fazer esquecer de seus deslizes; mais do que isso, a primeira temporada prepara um terreno mais que fértil para o futuro, cujas lapidação e cautela podem transformar essa mais nova antologia em uma das grandes séries da década.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Os seis breves episódios da meia hora cada são uma sólida adição ao catálogo da gigante do streaming e, mesmo com os claros erros de roteiro e de direção, nos prendem do começo ao fim em arcos bizarros com reviravoltas inesperadas. Mais do que isso, a representação nua e crua da psique humana é trazida à tona como uma das principais premissas – e, caso renovada, esperamos que essa análise ainda superficial não tenha medo de mergulhar de cabeça. A princípio, a escolha dos showrunners Kjetil Indregard e Atle Knudsen em jogar na zona de conforto é compreensível, preferindo valer-se de certas fórmulas para arrebatar os espectadores e prepará-los para algumas escolhas ousadas nos capítulos finais, explorando gêneros que oscilam desde a comédia dramática até o mistério.

O ciclo é bem estruturado e tem um forte início com “Ultimate Sacrifice”, viajando para o interior da Noruega e respaldando-se na cultura viking que ainda marca presença na atualidade. Aqui, Molly (Ine Marie Wilmann) é uma citadina mulher que está tendo dificuldades em se adaptar na sua nova casa, cuja mudança foi consequente à quase falência da família. E, para ajudar, ela lida com estranhos vizinhos que são extremamente apegados aos seus bichinhos de estimação – até descobrir que eles são acalentados e quase venerados por um motivo arrepiante: sacrifício. Na verdade, a cidade possui uma espécie de pedra mágica onde os habitantes fazem oferendas em troca de dinheiro, o que a transforma numa ambiciosa e inconsequente psicopata.

Ao longo dos episódios, percebemos que os breves enredos seguem a mesma linha de raciocínio chocante e surpreendente, refinando-se conforme nos aproximamos do season finale. Temos a história de um esquizofrênico rapaz que inventa em sua cabeça um arco de sequestro ao lado de dois irmãos que simplesmente não existem, culminando num sacrifício acidental que nos tira o fôlego. Logo depois, somos apresentados ao perfeito mundo de Olivia (Dagne Backer Johnsen), uma aspirante à escritora que começa a ser caçada por suas colegas de quarto até descobrir que está presa dentro de um conto (o que eventualmente não faz muito sentido pela forçada metalinguagem, mas logo explica-se com um cruel recomeço).

Coletivo Terror é uma ode à loucura e definitivamente não é guiada pela lógica; na verdade, o time criativo abraça e integra a si mesmo uma emoção gutural e impiedosa que acomete os mais diversos tipos de pessoas, sejam elas membros de uma companhia científica (como na tensão exacerbada de “Lab Rats”), seja numa festa de empresa que é o espaço perfeito para uma vingança (“The Elephant in the Room”, o melhor episódio da série sem sombra de dúvida). Eventualmente, percebemos que a delineação dos microcosmos almejam à originalidade, mas por vezes voltam-se à familiaridades conhecidas e batidas de produções de alto calibre: em “The Old School”, por exemplo, vemos uma recém-formada pedagoga que aceita trabalhar numa escola reaberta após décadas fechada e cruza caminho com um grupo de meninas assassinada que precisa de ajuda para seguir em frente (uma mistura de O Orfanato com Invocação do Mal que não dá muito certo por sua artificialidade).

Ademais, nota-se um apreço estético pelo drama seriado em sua mais pura forma: os enquadramentos e o jogo de campo-contracampo segue o estilo de tantos outras longas-metragens e séries que despontam na esfera audiovisual; mas não faço esse comentário de modo pejorativo. Pelo contrário, as escolhas artísticas auxiliam no entendimento das iterações e funcionam como um convite aberto para simples contos de terror que cumprem, na maior parte do tempo, o que prometem nos entregar desde o primeiro momento – e é isso que a torna um pouco diferente de obras adjacentes. Em outras palavras, não vemos muitos elementos do expressionismo ou arquiteturas excêntricas ou eventos preternaturais; temos a presença essencial do gore, sim, que faz alusão aos slasher dos anos 1980, e isso é tudo.

Coletivo Terror tem um início satisfatório o bastante para nos manter vidrados do começo ao fim e para nos fazer esquecer de seus deslizes; mais do que isso, a primeira temporada prepara um terreno mais que fértil para o futuro, cujas lapidação e cautela podem transformar essa mais nova antologia em uma das grandes séries da década.

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