Caso você tenha ignorado o título, vamos ressaltar aqui novamente que essa crítica contém revelações importantes sobre a trama de Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, os famosos SPOILERS. Então, se você ainda não tiver assistido e não quiser saber das principais revelações da trama, não leia este texto. Caso queira ler a crítica sem spoilers, basta clicar aqui.
Desde que foi anunciado que Kang, o Conquistador (Jonathan Majors), principal vilão desta nova Fase da Marvel, seria introduzida para o público em geral no terceiro filme do Homem-Formiga, houve uma dúvida generalizada por parte dos fãs acerca dessa decisão. Recentemente, o CEO da Marvel Studios, Kevin Feige, disse que escolheu abrir a Fase Cinco com Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania para começar o novo projeto com rostos mais conhecidos do público. Apesar de mercadologicamente ser uma decisão que faz bastante sentido, narrativamente é uma escolha complicada, porque o Homem-Formiga teve sua construída na leveza e no bom humor, flertando muito pouco com a seriedade. Então, ao colocar a ameaça principal para ser Kang, o Conquistador, uma das versões mais perigosas do vilão, deveria acontecer uma mudança brusca no tom do filme. No entanto, o roteiro e a direção não souberam dosar bem essa alteração, fazendo com que o longa tenha momentos muito similares aos dois capítulos anteriores da franquia e outras partes mais sérias que não foram tratadas com o devido peso. Ou seja, é um filme sem coesão.
Outro problema grave desse filme é a escolha de vilão secundário. Não me entenda mal, a adaptação do M.O.D.O.K. ficou muito boa, mesmo com a alteração na origem do personagem. Nos quadrinhos, ele foi feito para ser um vilão bobo de aparência tosca mesmo, e nisso o filme acerta. A direção deve ter achado uma boa ideia concluir o arco de Darren Cross (Corey Stoll) – que para muitos já estava concluído há sete anos – o transformando em um vilão clássico dos quadrinhos que provavelmente não teria espaço em nenhum outro filme do MCU.
E de fato seria uma ótima ideia, mas não como coadjuvante do Kang. Isso porque a presença de M.O.D.O.K. em cena tira o peso das crueldade do vilão principal, que é o Kang. É como se a Marvel tivesse medo de deixar as maldades do seu grande malfeitor terem impacto, então colocam essa cabeça flutuante de CGI logo em seguida para tentar arrancar um riso do público. E realmente é impossível não gargalhar toda vez que essa tosqueira em forma de vilão brota na tela. Seu visual esquisitão destoa do resto. Seria uma excelente escolha para ser o vilão principal de um filme do Homem-Formiga que mantivesse a essência dos dois primeiros da saga, mas para ser o coadjuvante de um longa que busca a seriedade… Não deu certo.
Ainda no tema de vilões secundários, a participação de Bill Murray que prometia ser bem interessante se mostrou apenas uma forma de dizer que mais um ator de peso estava em uma produção do MCU, porque a verdade é que se a sequência do Lorde Krylar não estivesse no filme, não faria a menor diferença. E cá entre nós, o Bill não fez o mínimo de esforço no papel. Provavelmente o Peyton Reed devia ser muito fã dele e implorou pra Marvel deixar trabalhar com ele uma vez na vida, porque só assim para explicar essa quase participação especial do ator no filme.
É interessante ver como a Marvel popularizou essa ideia dos três vilões num filme, algo que era extremamente problemático há 20 anos, reduzindo a participação de um ou dois deles, colocando eles nos filmes apenas para ocupar uns 12 minutos de filme com uma sequência de ação genérica ou uma piadoca antes deles serem descartados.
Outro problema desse filme é algo já recorrente na franquia do herói: eles simplesmente não sabem o que fazer com a Vespa. Mesmo que a Evangeline Lilly não seja exatamente um poço de carisma, a escalação da atriz passou pela aprovação do diretor, Peyton Reed, que comanda a saga desde 2015. Parece que todo filme em que ela aparece, fica a promessa de que ela terá mais desenvolvimento na próxima aventura. Aí, quando chega, a direção segue deixando a Vespa de lado, e a personagem fica nesse marasmo de ser a personagem favorita de ninguém. E quem conhece a Vespa dos quadrinhos sabe como é triste desperdiçar uma personagem assim.
E a situação fica ainda mais incômoda quando até mesmo os pais da Hope, Hank Pym (Michael Douglas) e Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer), que são heróis na aposentadoria, cansados da vida de heróis, são mais interessantes e têm mais tempo de tela que uma super-heroína no auge e com suas tecnologias em dia. Só deixa mais nítido que a direção não tem a menor ideia de como usá-la.
Falando em Hank Pym, ele ganha bastante destaque neste capítulo, o que é ótimo, já que ele é um excelente personagem. E seu trabalho com as formigas permite que os insetos ganhem muito mais relevância do que no filme anterior. Ao mesmo tempo, as formigas socialistas acabam virando um artifício de escrito que só ressalta a fragilidade de roteiro. Na sede de fazer um Ultimato em miniatura, eles transformaram as formigas em soluções rápidas para conflitos.
O problema disso é que tira o peso das situações. Afinal, se der problema, é só esperar que as formigas resolvem. Na verdade, esse filme no geral convive com uma grande problemática de falta de consequência por conta dos próprios poderes do protagonista. No primeiro filme, é dito que o herói se encolhe, mas mantém a mesma resistência e densidade de seu tamanho normal. Então, ao encolher a nível subatômico, ele praticamente fica invencível às ameaças diminutas. Tanto que ele só se fere de verdade com o Kang, que não é dali. Tudo bem, isso até passa, o incômodo mesmo é ter as formigas como solução para todos os problemas. É como se o Gandalf chamasse as águias para resolver a trama de O Senhor dos Anéis em 15 minutos. Seria possível e mais fácil? Sim, mas então pra quê fazer um filme disso?
Outro problema narrativo é a divisão dos personagens em núcleos familiares. Isso geralmente funciona em filmes com grandes equipes, mas até nisso aqui o longa dá uma bola fora. A interação entre Scott, Hope e Cassie foi bem interessante na cena do carro. Enquanto isso, não pudemos ver Hank e Jan agindo como um casal. Ao dividir os núcleos entre a família Lang e a família ‘Pym Van Dyne’, o filme relegou um espaço de desenvolvimento para Hope em sua ‘nova’ família e a deixou como um estorvo para sua antiga família, já que ela mal interage de forma interessante com os próprios pais.
Mas nem só de erros vive esse filme. Como disse na crítica sem spoilers, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania não é um filme ruim, só é genérico ao extremo e desperdiça um potencial gigantesco de ser excelente. Os maiores destaques dessa aventura são o próprio Scott Lang, que vive afogado no carisma super-humano de Paul Rudd. Sério, é assustador como esse cara é talentoso e sabe usar isso a seu favor. Basta ele aparecer em tela para você comprar a ideia dele para o Scott e provavelmente dar uma risada sincera.
Em contraponto a ele, Jonathan Majors dá show como essa variante de Kang, o Conquistador. E pelas cenas pós-créditos, já foi confirmado que ele interpretará a maioria das outras versões do vilão. Também é impressionante como em aparições de segundos no Conselho dos Kangs já podemos ver trabalhos diferentes do ator para “o mesmo” personagem. Ele sabe ser inocente, sabe se impor em cena e sabe como passar a sensação de ameaça de um homem disposto a qualquer coisa por seus objetivos. É um vilão muitíssimo promissor, mesmo que tenha sido momentaneamente descartado.
Por fim, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania peca por querer ser mais do que ele é. Numa analogia completamente aleatória, esse filme é como um hambúrguer artesanal cheio de adicionais exóticos colocados por um cozinheiro inexperiente só para aumentar o preço e chamar atenção. Por mais que ele soque o máximo de ingredientes disponíveis, ainda é um hambúrguer. E, às vezes, um chef mais experiente conseguiria executar um hambúrguer muito mais gostoso e eficiente se fizesse uma receita básica de pão, carne bem temperadinha, queijo e molho. É um longa que peca pelo excesso, mas que não chega a ser uma catástrofe. Só decepciona porque tinha potencial para ser melhor.
Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania está em cartaz nos cinemas do Brasil.