O mundo moderno, agitado, cheio de compromissos, de boletos, de efervescências criou um ritmo, principalmente nos centros urbanos, em que as pessoas não têm mais tempo, ou interesse, para simplesmente parar e ouvir. Tempo é dinheiro, já dizia a máxima. E se tempo é dinheiro, parar e ouvir não só seria um desperdício do tempo, mas uma falta de lucro – e, numa realidade em que muitos trabalhadores são terceirizados ou se transformaram em PJ e têm que trabalhar o dobro de horas para conseguir seu sustento, tempo é simplesmente um luxo que muitas pessoas não têm. Nesse contexto, qual o espaço que os mais idosos encontram, já que ninguém mais tem tempo, a não ser eles? Esta é uma das reflexões trazidas com humor refinado no filme francês ‘Conduzindo Madeleine’, que estreia a partir dessa semana no circuito exibidor brasileiro.
Charles (Danny Boon) é motorista de táxi. Até por conta do seu trabalho, ele anda muito estressado, dirigindo doze horas por dia, tendo que aturar clientes mal-educados, motoristas com direção agressiva e lidar com os problemas financeiros de sua família. Era para ser mais um dia comum de Charles dirigindo pelas ruas de Paris quando ele recebe um chamado da central de táxi, de uma senhora que pedira um motorista e que estava disposta a pagar pela corrida a partir do momento do aceite. Mesmo sendo do outro lado da cidade, Charles percebe que seria uma boa corrida, por isso aceita levar Madeleine (Line Renaud) de sua casa até uma casa de repouso, do outro lado de Paris. O que Charles não esperava é que a corrida se tornasse tão prazerosa, e, mais que uma mera passageira, Madeleine se tornasse sua amiga ao final do dia.
Tendo trabalhado juntos em 2008 no longa ‘A Riviera Não é Aqui’, dá para ver a intimidade – ou melhor, a cumplicidade – que Line Renaud e Danny Boon transparecem em cena. Essa experiência juntos prévia em set ajudou a fazer com que a relação entre os protagonistas fosse mais crível, de duas pessoas que realmente, ao final, se conheciam, elemento fundamental para um filme que basicamente baseia seu forte na contação de histórias da personagem-título em oposição à escuta do protagonista. Tal química, mais do que a diferença de idade, faz com que tudo se torne mais real na ficção, e é um grande acerto da produção.
Com uma hora e quarenta de duração, o roteiro de Cyril Gely e Christian Carion parte de um mote comum (um motorista conduzindo uma mulher cheia de mistérios, como já visto, por exemplo, em ‘Conduzindo Miss Daisy’) e traz eventos de certa forma até previsíveis. Mesmo assim, o que importa é como a história se desenvolve, como os personagens vão construindo a relação entre eles, e esta é o grande acerto não só do roteiro, mas uma vitória do diretor Christian Carion, que escolheu o par certo de atores para dar vida a um enredo tão cativante acerca de como precisamos ouvir, prestar atenção nas histórias dos mais velhos, afinal, eles viveram um tempo diferente do atual, e suas experiências e vivências são inestimáveis.
Exibido primeiramente no Brasil no Festival Varilux, ‘Conduzindo Madeleine’ é um filme afetuoso e com humor que parte do gesto de ouvir boas histórias e a transforma numa experiência audiovisual, sobre a importância de fazer o bem não importa a quem. Adorável!