domingo, abril 28, 2024

Crítica | Contratempos – Uma corrida emocionante contra a precarização nas ruas de Paris

Protagonizado pela genial Laure Calamy (Minhas Férias com Patrick), Contratempos é uma leitura contemporânea sobre a precarização do trabalho. 

Amparado na realidade do caos urbano vivido pelos franceses entre dezembro/2019 e janeiro/2020, o diretor e roteirista Eric Gravel nos coloca no turbilhão de emoções de alguns dias na vida de Julie Roy (Laure Calamy). Durante a greve de transporte público na capital francesa, a governanta e mãe solo de dois filhos se vira do avesso para cumprir suas tarefas diárias. 

Sem entrar nos detalhes da paralisação de transportes, Contratempos (no original, À plein temps) se concentra na luta de Julie por comparecer ao seu trabalho em um hotel de luxo e cuidar dos filhos. Se com o transporte do subúrbio para o centro de Paris já era difícil, com a eclosão da greve as coisas tornam-se quase insuportáveis. 

Então o que Julie faz? Usa as pernas. Corre de um lado para outro. Seu trabalho é o sustento da família, mas não sua verdadeira área de atuação. Entre passar aspirador nos carpetes e limpar fezes das paredes, ela tenta encontrar uma vaga numa empresa de qualidade de alimentos. Sua real área de estudos. 

Vale ressaltar que em 2020 houve uma outra greve na França: a das camareiras. Com horários inflexíveis, salários pouco compensatórios e exigência de rapidez máxima, a profissão tornou-se símbolo de uma luta de classe. A semana que acompanhamos Julie é o começo dos protestos contra a reforma da previdência e a precarização do trabalho proposta pelo então presidente francês. 

Se por um lado, a greve perturba a vida dos trabalhadores, por outro, ela está sendo colocada em prática para ajudá-los no futuro. Somos, no entanto, seres imediatistas e queremos resolver nossos perrengues de hoje sem pensar no amanhã. A brilhante atriz Laure Calamy — conhecida pela divertida Noémie da série Dix Pour Cent (2015-2020) da Netflix — tem um domínio de tela e uma força de sobrevivência intensa ao representar todas as pessoas que vivem neste limiar.  

Cada olhar da protagonista transmite dezenas de sentimentos. Como mãe, ela não tem tempo para estafa, sua rotina matinal é um misto de tentativa de diálogo e comando. Carinhosa e batalhadora, ela dosa a educação dos filhos com algumas restrições e realizações de suas vontades. Ela compra, por exemplo, uma cama elástica e leva os filhos ao parque de diversões, mesmo com o orçamento apertado. 

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E o pai das crianças? Apesar dos insistentes pedidos de Julie, ele nem liga no aniversário do filho. Com a greve, ela não chega a tempo em casa para buscar as crianças na vizinha e, assim, perde também uma de suas redes de auxílio. Em busca de um emprego com relação aos seus estudos, Julie se dobra em quatro para correr de salto alto nas ruas de paralelepípedo de Paris e chegar a tempo em uma das suas entrevistas. 

Esta é a semana chave da vida de Julie, tudo que pode acontecer acontece e o mundo ao redor não para para ajudá-la. A gente percorre com ela cada escolha, carona e obstáculo durante essa semana de transtorno nos perguntando: se fosse comigo, eu faria a mesma coisa?

Contratempos é um filme catártico e libertador. Ele expõe os superpoderes de pessoas normais — como eu e você — em busca de seus objetivos. O roteiro é enxuto por apresentar um momento chave de tensão das grandes cidades e, assim, nos provoca uma explosão de emoções neste pequeno espaço de observação. O final é redentor, pois nos transmite a sensação de que lutar por nossos ideais vale a pena. 

 

Contratempos foi lançado no Festival Varilux de Cinema Francês 2022. Distribuído pela Bonfilm, o longa chega aos cinemas nacionais dia 10 de novembro de 2022. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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