sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Culpa e Desejo – Catherine Breillat provoca DESCONFORTO com tema TABU e POLÊMICO

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Uma mulher em torno dos 50 anos se envolve sexualmente com o enteado de 17 anos. Qual é a questão implícita nesta afirmativa? Algumas palavras podem tentar definir uma reação imediata: crime, abuso e aversão. Vanguardista de uma cinematografia da exploração das relações de sexo e prazer feminino, Catherine Breillat propõe uma visão para além do julgamento do desejo e incita o pùblico a observar a própria sexualidade. 

Entre os concorrentes à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2023, Culpa e Desejo (L’Été Dernier) não é uma obra fácil de deglutir e muito menos empática ao jogar pimenta sobre questões sociais vetadas à discussão. O título brasileiro já pressupõe ao espectador sentimentos a serem descobertos durante a trama, contudo um deles não está claro em nenhum momento do enredo. 



Ao invés de uma tradução expansiva e literal do título para No Verão Passado, como em Portugal e nos Estados Unidos (Last Summer), a distribuidora brasileira Synapse injetou a culpa à personagem de Léa Drucker. Caso parecido ocorreu com a tradução do título Take This Waltz (2011), de Sarah Polley, para Entre o Amor e a Paixão, distribuído pela California Filmes. 

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A obra de Polley é menos polêmica que o filme em questão, mas ela também trata do desejo feminino e, ao que parece, precisa ser sentenciado logo no título sem deixar o público explorar a complexidade do personagem. Por exemplo, em Portugal, o filme chama-se Notas de Amor, uma relação mais próxima com o batismo dado por conta da música Take This Waltz, de Leonard Cohen, uma metáfora sobre a brevidade dos encontros amorosos. 

Parece frívolo consagrar várias linhas sobre o título em vez de concentrar-se no filme, mas conhecemos o poder do discurso e os filmes “controversos” de Catherine Breillat são categorizados como tais exatamente por fugir do discurso padrão, desde a sua estreia com Uma Adolescente de Verdade (1976)  censurado durante 25 anos  , passando pelo ousadíssimo Anatomia do Inferno (2004) e o aclamado Para Minha Irmã (2001). Por isso, a discussão da pré-categorização do filme é válida.  

A cena inicial de Culpa e Desejo já comunica o desconforto presente durante todo o longa, lidamos com sofrimento e julgamento envolto em uma fina camada de dúvida e complacência. Uma jovem adolescente está sendo interrogada sobre um ato sexual ocorrido, conforme avança às perguntas de Anne (Léa Drucker) fica cada vez mais evidente o incômodo da menina e a configuração de um ato não consentido. 

Adaptação do filme noruguês Queen of Hearts (2019), de May el-Toukhy, Culpa e Desejo carrega o ensejo de que o ser humano é insaciável. Anne é uma advogada, com duas filhas e um marido amoroso, porém quanto Théo (Samuel Kircher), de 17 anos, filho do primeiro casamento de Pierre (Olivier Rabourdin) vai passar o verão na casa da família, ela redescobre uma faísca. Ao invés de controlar as chamas, Anne deixa seus anseios se transformarem em labaredas. 

Com um enredo ao mesmo tempo envolvente e repulsivo, a posição de espectador é de voyeur à espreita de uma dissolução (ou resolução) para mal-estar familiar criado. Para lidar com o adolescente rebelde e desafiador, Anne tenta jogar como aliada da teimosia juvenil, o relacionamento entre eles, entretanto, passa de um impremeditável deslize para uma contínua apreciação sexual camuflada. 

Debaixo do mesmo teto de suas pequenas filhas e ao lado da cama conjugal, Anne nos faz sentir enjoados de sua desfaçatez perante ao marido e sua falta de firmeza diante do jovem. Seria o enteado apenas uma vítima? Em seu processo de amadurecimento, o adolescente apaixona-se loucamente pela madrasta e o primeiro amor é fulminante e, por vezes, desregrado. Ambos os atores estão formidáveis e verdadeiros a ponto de incomodar.

Embora o caminho mais fácil seja criminalizá-la, os sentimentos propostos pela cineasta e de se colocar na pele da personagem. No trabalho, Anne defende jovens menores de idade de pais e adultos abusadores, mas quando trata-se do seu próprio suplício carnal parece fraquejar em aplicar as leis decoradas. Com o mal-estar instaurado, o enredo torna-se sufocante e desafiador às nossas indagações. 

Nesta adaptação, Catherine Breillat nos provoca acreditar que a justiça e o correto só podem existir no meio de uma total isenção do eu, mas essa desobrigação de si mesmo é algo impossível no campo lascivo do desejo. Sobressai-se a lei da selva, isto é, onde os mais fortes predominam. Na teia familiar, o qual Pierre é o chefe, nos últimos segundos do filme, ele dita as regras da casa e, infelizmente, as condições aceitas para toda a família. 

Lançado mundialmente no Festival de Cannes em maio de 2023, Culpa e Desejo estreia dia 23 de novembro nos cinemas brasileiros e esteve presente no Festival Varilux de Cinema Francês 2023.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Uma mulher em torno dos 50 anos se envolve sexualmente com o enteado de 17 anos. Qual é a questão implícita nesta afirmativa? Algumas palavras podem tentar definir uma reação imediata: crime, abuso e aversão. Vanguardista de uma cinematografia da exploração das relações de sexo e prazer feminino, Catherine Breillat propõe uma visão para além do julgamento do desejo e incita o pùblico a observar a própria sexualidade. 

Entre os concorrentes à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2023, Culpa e Desejo (L’Été Dernier) não é uma obra fácil de deglutir e muito menos empática ao jogar pimenta sobre questões sociais vetadas à discussão. O título brasileiro já pressupõe ao espectador sentimentos a serem descobertos durante a trama, contudo um deles não está claro em nenhum momento do enredo. 

Ao invés de uma tradução expansiva e literal do título para No Verão Passado, como em Portugal e nos Estados Unidos (Last Summer), a distribuidora brasileira Synapse injetou a culpa à personagem de Léa Drucker. Caso parecido ocorreu com a tradução do título Take This Waltz (2011), de Sarah Polley, para Entre o Amor e a Paixão, distribuído pela California Filmes. 

A obra de Polley é menos polêmica que o filme em questão, mas ela também trata do desejo feminino e, ao que parece, precisa ser sentenciado logo no título sem deixar o público explorar a complexidade do personagem. Por exemplo, em Portugal, o filme chama-se Notas de Amor, uma relação mais próxima com o batismo dado por conta da música Take This Waltz, de Leonard Cohen, uma metáfora sobre a brevidade dos encontros amorosos. 

Parece frívolo consagrar várias linhas sobre o título em vez de concentrar-se no filme, mas conhecemos o poder do discurso e os filmes “controversos” de Catherine Breillat são categorizados como tais exatamente por fugir do discurso padrão, desde a sua estreia com Uma Adolescente de Verdade (1976)  censurado durante 25 anos  , passando pelo ousadíssimo Anatomia do Inferno (2004) e o aclamado Para Minha Irmã (2001). Por isso, a discussão da pré-categorização do filme é válida.  

A cena inicial de Culpa e Desejo já comunica o desconforto presente durante todo o longa, lidamos com sofrimento e julgamento envolto em uma fina camada de dúvida e complacência. Uma jovem adolescente está sendo interrogada sobre um ato sexual ocorrido, conforme avança às perguntas de Anne (Léa Drucker) fica cada vez mais evidente o incômodo da menina e a configuração de um ato não consentido. 

Adaptação do filme noruguês Queen of Hearts (2019), de May el-Toukhy, Culpa e Desejo carrega o ensejo de que o ser humano é insaciável. Anne é uma advogada, com duas filhas e um marido amoroso, porém quanto Théo (Samuel Kircher), de 17 anos, filho do primeiro casamento de Pierre (Olivier Rabourdin) vai passar o verão na casa da família, ela redescobre uma faísca. Ao invés de controlar as chamas, Anne deixa seus anseios se transformarem em labaredas. 

Com um enredo ao mesmo tempo envolvente e repulsivo, a posição de espectador é de voyeur à espreita de uma dissolução (ou resolução) para mal-estar familiar criado. Para lidar com o adolescente rebelde e desafiador, Anne tenta jogar como aliada da teimosia juvenil, o relacionamento entre eles, entretanto, passa de um impremeditável deslize para uma contínua apreciação sexual camuflada. 

Debaixo do mesmo teto de suas pequenas filhas e ao lado da cama conjugal, Anne nos faz sentir enjoados de sua desfaçatez perante ao marido e sua falta de firmeza diante do jovem. Seria o enteado apenas uma vítima? Em seu processo de amadurecimento, o adolescente apaixona-se loucamente pela madrasta e o primeiro amor é fulminante e, por vezes, desregrado. Ambos os atores estão formidáveis e verdadeiros a ponto de incomodar.

Embora o caminho mais fácil seja criminalizá-la, os sentimentos propostos pela cineasta e de se colocar na pele da personagem. No trabalho, Anne defende jovens menores de idade de pais e adultos abusadores, mas quando trata-se do seu próprio suplício carnal parece fraquejar em aplicar as leis decoradas. Com o mal-estar instaurado, o enredo torna-se sufocante e desafiador às nossas indagações. 

Nesta adaptação, Catherine Breillat nos provoca acreditar que a justiça e o correto só podem existir no meio de uma total isenção do eu, mas essa desobrigação de si mesmo é algo impossível no campo lascivo do desejo. Sobressai-se a lei da selva, isto é, onde os mais fortes predominam. Na teia familiar, o qual Pierre é o chefe, nos últimos segundos do filme, ele dita as regras da casa e, infelizmente, as condições aceitas para toda a família. 

Lançado mundialmente no Festival de Cannes em maio de 2023, Culpa e Desejo estreia dia 23 de novembro nos cinemas brasileiros e esteve presente no Festival Varilux de Cinema Francês 2023.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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