domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Cuphead – A Série’ é um deleite para os olhos, mas não sustenta a narrativa que propõe

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O jogo Cuphead: Don’t Deal with the Devil’ se tornou um dos mais populares da década passada e, em apenas três anos, alcançou a impressionante marca de seis milhões de cópias vendidas, além de atrair elogios constantes da crítica especializada por sua jogabilidade, seu teor nostálgico e sua narrativa envolvente. É claro que, em pouco tempo, realizadores da indústria do entretenimento se debruçariam sobre o game para adaptá-lo para alguma instância do audiovisual – e coube à Netflix confirmar uma série animada que alimentaria nossas expectativas em 2022.

O sinal verde para a releitura havia sido dado 2019 e, finalmente, a produção chegou ao catálogo da gigante do streaming, com uma brevíssima temporada de doze episódios, cada qual com meros 15 minutos de duração – algo interessante, considerando a predileção da plataforma por capítulos longos e que levassem o próprio tempo para desenrolem. Entretanto, mesmo com um competente time por trás das câmeras, o resultado deixou a desejar em um dos quesitos principais, a história, investindo esforços inenarráveis em uma imagética impecável e saudosista. Vale aponta que, mesmo com esses deslizes, a iteração serve como um singelo presente para os fãs da obra original (ou uma decepção completa, se a espera antecipava algo maior ou mais sólido).



A trama principal acompanha Cuphead (Tru Valentino), uma jovem xícara impetuosa sedente por aventuras e com comportamento impetuoso, e seu irmão, Mugman (Frank Todaro), cauteloso e sem muito apetite para enfrentar o que os espera lá fora. No episódio piloto, a dupla cruza caminho com um circo itinerante que, na verdade, é apenas uma das artimanhas do Diabo (Luke Millington-Drake) para coletar as almas daqueles que se perdem na ambição e caem nas falsas promessas do submundo. Não demora muito até que Cuphead se veja numa cíclica espiral de, acidentalmente, dever a própria alma ao medonho antagonista e fazer tudo para não ter que cumprir com o acordado. Porém, enquanto imaginaríamos que o enredo se voltaria para esse jogo de gato-e-rato, o criador Dave Wasson e sua equipe de roteiristas muda a direção para uma incursão antológica que se perde em tantos subtextos.

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O grande problema de Cuphead – A Série’ é justamente este: não saber em que caminho seguir. Temos a constância de um número considerável de personagens que se afastam de seus principais objetivos e os reatam em meio a frenéticos acontecimentos; temos um design espetacular, cortesia da Lighthouse Studios, conhecida por suas famosas animações em 2D; e temos um elenco de dublagem que não perde a mão da caricatura dos protagonistas e coadjuvantes para nos arremessar de volta ao passado; no final das contas, isso de nada vale quando a narrativa se respalda em fórmulas antiquadas que não fazem jus às personas que aprendemos a amar.

Os capítulos em que Cuphead e Mugman lidam com o Diabo são os melhores – em todos os quesitos, diga-se de passagem: a relação entre o bem e o mal é mais delineada e não se limita à obviedade do gênero. Em “Roll the Dice”, por exemplo, temos a presença do Rei Dado (Wayne Brady), um dos asseclas do Diabo que tem um programa de rádio em que os vencedores conquistam um “prêmio”, ou seja, uma passagem só de ida para o Inferno, e ele se torna parte essencial no plano de levar a alma de Cuphead para onde ela pertence; em “Sweater Off Dead”, eles invocam um sábio que os aconselha a usar o amor fraternal e um suéter invisível para impedir que o Diabo roube a alma, culminando em uma divertida conclusão que abre espaço para várias tramas não exploradas (e que esperamos chegar na próxima temporada. São esses pequenos detalhes que deixam o ritmo mais marcado, apesar de serem ofuscados por inúmeros deslizes.

O aspecto de maior sucesso é a estética: além de se manter fiel ao jogo, os espectadores são presenteados com a confortável e narcótica sensação de um passado ainda inicial para as animações, recuperando as incursões da Walt Disney Studios, por exemplo, nos anos 1940 e 1950, que utilizava placas de vidro sobrepostas para criar profundidade de cenário e células pintadas para os personagens – como forma de fazê-los parte da obra, e não elementos exteriores. A própria trilha sonora se vale da técnica do mickey-mousing, em que os movimentos são traduzidos em uma redundância musical clássica e que havia caído em desuso nas décadas passadas por essa mesma razão; as expressões de Cuphead, Mugman e o Diabo são infundidas com exageros que mastigam qualquer trabalho que teríamos em decifrá-las.

Cuphead – A Série’ não é uma perda de tempo – muito pelo contrário, é uma aprazível história para quem está procurando algo por apenas diversão. Os erros existem, mas não impedem que os fãs se encantem em ver o game ganhando vida. Todavia, e devo frisar isso, se você está esperando uma produção fora do óbvio, sugiro que procure outra coisa para assistir.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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O jogo Cuphead: Don’t Deal with the Devil’ se tornou um dos mais populares da década passada e, em apenas três anos, alcançou a impressionante marca de seis milhões de cópias vendidas, além de atrair elogios constantes da crítica especializada por sua jogabilidade, seu teor nostálgico e sua narrativa envolvente. É claro que, em pouco tempo, realizadores da indústria do entretenimento se debruçariam sobre o game para adaptá-lo para alguma instância do audiovisual – e coube à Netflix confirmar uma série animada que alimentaria nossas expectativas em 2022.

O sinal verde para a releitura havia sido dado 2019 e, finalmente, a produção chegou ao catálogo da gigante do streaming, com uma brevíssima temporada de doze episódios, cada qual com meros 15 minutos de duração – algo interessante, considerando a predileção da plataforma por capítulos longos e que levassem o próprio tempo para desenrolem. Entretanto, mesmo com um competente time por trás das câmeras, o resultado deixou a desejar em um dos quesitos principais, a história, investindo esforços inenarráveis em uma imagética impecável e saudosista. Vale aponta que, mesmo com esses deslizes, a iteração serve como um singelo presente para os fãs da obra original (ou uma decepção completa, se a espera antecipava algo maior ou mais sólido).

A trama principal acompanha Cuphead (Tru Valentino), uma jovem xícara impetuosa sedente por aventuras e com comportamento impetuoso, e seu irmão, Mugman (Frank Todaro), cauteloso e sem muito apetite para enfrentar o que os espera lá fora. No episódio piloto, a dupla cruza caminho com um circo itinerante que, na verdade, é apenas uma das artimanhas do Diabo (Luke Millington-Drake) para coletar as almas daqueles que se perdem na ambição e caem nas falsas promessas do submundo. Não demora muito até que Cuphead se veja numa cíclica espiral de, acidentalmente, dever a própria alma ao medonho antagonista e fazer tudo para não ter que cumprir com o acordado. Porém, enquanto imaginaríamos que o enredo se voltaria para esse jogo de gato-e-rato, o criador Dave Wasson e sua equipe de roteiristas muda a direção para uma incursão antológica que se perde em tantos subtextos.

O grande problema de Cuphead – A Série’ é justamente este: não saber em que caminho seguir. Temos a constância de um número considerável de personagens que se afastam de seus principais objetivos e os reatam em meio a frenéticos acontecimentos; temos um design espetacular, cortesia da Lighthouse Studios, conhecida por suas famosas animações em 2D; e temos um elenco de dublagem que não perde a mão da caricatura dos protagonistas e coadjuvantes para nos arremessar de volta ao passado; no final das contas, isso de nada vale quando a narrativa se respalda em fórmulas antiquadas que não fazem jus às personas que aprendemos a amar.

Os capítulos em que Cuphead e Mugman lidam com o Diabo são os melhores – em todos os quesitos, diga-se de passagem: a relação entre o bem e o mal é mais delineada e não se limita à obviedade do gênero. Em “Roll the Dice”, por exemplo, temos a presença do Rei Dado (Wayne Brady), um dos asseclas do Diabo que tem um programa de rádio em que os vencedores conquistam um “prêmio”, ou seja, uma passagem só de ida para o Inferno, e ele se torna parte essencial no plano de levar a alma de Cuphead para onde ela pertence; em “Sweater Off Dead”, eles invocam um sábio que os aconselha a usar o amor fraternal e um suéter invisível para impedir que o Diabo roube a alma, culminando em uma divertida conclusão que abre espaço para várias tramas não exploradas (e que esperamos chegar na próxima temporada. São esses pequenos detalhes que deixam o ritmo mais marcado, apesar de serem ofuscados por inúmeros deslizes.

O aspecto de maior sucesso é a estética: além de se manter fiel ao jogo, os espectadores são presenteados com a confortável e narcótica sensação de um passado ainda inicial para as animações, recuperando as incursões da Walt Disney Studios, por exemplo, nos anos 1940 e 1950, que utilizava placas de vidro sobrepostas para criar profundidade de cenário e células pintadas para os personagens – como forma de fazê-los parte da obra, e não elementos exteriores. A própria trilha sonora se vale da técnica do mickey-mousing, em que os movimentos são traduzidos em uma redundância musical clássica e que havia caído em desuso nas décadas passadas por essa mesma razão; as expressões de Cuphead, Mugman e o Diabo são infundidas com exageros que mastigam qualquer trabalho que teríamos em decifrá-las.

Cuphead – A Série’ não é uma perda de tempo – muito pelo contrário, é uma aprazível história para quem está procurando algo por apenas diversão. Os erros existem, mas não impedem que os fãs se encantem em ver o game ganhando vida. Todavia, e devo frisar isso, se você está esperando uma produção fora do óbvio, sugiro que procure outra coisa para assistir.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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