sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | ‘(Des)Encanto’ retorna com uma 3ª temporada cheia de reviravoltas e velhos problemas

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‘(Des)Encanto’ voltou nesta última sexta-feira (15) com sua terceira e aguardada temporada – e parece ter retrocedido alguns passos no tocante à expansão de sua irreverente mitologia.

A animação adulta criada por Matt Groening estreou ainda em 2018 e jogou diversas oportunidades fora conforme explorava as incursões de Tiabeanie (Abbi Jacobson), uma princesa alcoólatra, e sua circinal aventura na Terra dos Sonhos ao lado de dois companheiros: um elfo chamado Elfo (Nat Faxon) e um demônio chamado Luci (Eric André). O grande problema do ciclo debutante foi, talvez, o desequilibrado e antológico roteiro que começou a ganhar forma e ritmo apenas nos episódios finais, apostando em certos momentos de comicidade em detrimento de arcos narrativos sólidos o bastante para nos manter presos do começo ao fim – o que é estranho, considerando que Groening havia conquistado um sucesso tremendo com Os Simpsons e ‘Futurama’.



Depois de melhorar consideravelmente para um segundo ano divertido, rebelde e com complexidades temáticas lapidadas, a série começou a dar ares de originalidade à medida que as peças se encaixavam em seus respectivos lugares (como esquecer da jornada de Bean e Luci ao inferno? Ou da psicótica mãe da anti-heroína em sua busca pela imortalidade e pelo poder?). Agora, com a chegada de um novo ano, ‘(Des)Encanto’ abre espaço para novos personagens, novos obstáculos – e velhos problemas. Bean, agora, deve lidar com as consequências de ser acusada de bruxaria e de ser resgatada por ninguém menos que Dagmar (Sharon Horgan), que tenta convencê-la de se aliar a uma insurreição que nunca vê a luz do dia.

Os novos dez episódios tinham muito a nos contar e, enquanto investiram consistentemente no panorama geral, deixaram as subtramas de lado para fornecer uma espécie de rendição à protagonista – a qual, como descobrimos, torna-se rainha da Terra dos Sonhos após uma loucura que acomete o pai, Zog (John DiMaggio). A principal ideia é colocar Bean em sua reescalada social e seu retorno ao lar, como uma desconstruída filha pródiga que quer fazer o seu melhor, mas acaba tropeçando nas próprias ambições e numa mentalidade marcada pelo trauma e por uma sociedade extremamente retrógrada. Por esse motivo, ela invade a coroação do jovem irmão, Derek (Tress MacNeille), e revela os planos malignos da arquidruidesa para terminar a linhagem da família real e controlar o mundo.

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A princípio, a trama é coesa na medida certa para levar o público a querer descobrir o que acontecerá nos próximos capítulos, ainda mais quando Bean e Elfo retornam para a estranha Terra das Máquinas, um reino movido pela tecnologia e pelas inovações sociais que renega a Magia e todas as superstições que se espalham pelo mundo. O episódio, um dos melhores do novo ano, entrega exatamente o que promete à medida que resgata a atmosfera clássica de obras como a franquia ‘BioShock’ e arquiteta um microcosmos que exala misticismo, por mais pé no chão que seja. O problema é quando Bean revela poderes inimagináveis, algo que nunca mais é mencionado e que se rende a outros tantos eventos.

Os temas analisados ganham uma nova dimensão e se afastam das meras explosões de humor e irritabilidades de Bean. Ao passo que amadurece, ela entra em um ciclo de autodescobrimento e de empoderamento que a tira das resignações seculares dos papéis de gênero e de sexualidade; ela revela ser bissexual ao ter um breve caso amoroso com Mora, a sereia (Meredith Hagner), e percebe que o amor é bem mais complicado do que parece; ela retorna para enfrentar a vilania dos homens que cercam o castelo de sua família e, eventualmente, ascende ao trono como a primeira rainha da história – em face a uma ameaça que surge no horizonte; e até mesmo coloca em xeque sua amizade com Luci e Elfo para um bem maior (e quando os perde, ela cai num redemoinho de culpa que a joga nas garras da mãe para um season finale inexplicável).

O arco centrado em Bean é o ponto alto (talvez o único) dos novos capítulos, ainda mais pela astúcia com a qual Groening e seu time criativo brinca com as diversas camadas que se escondem em sua psique – tudo isso transformado em um divertido e inesperado amontoado de diálogos bizarros. O restante dos personagens, outrora donos de suas próprias inflexões, ficam reclusos em explorações coadjuvantes, atados às decisões de Bean e ao que concerne a ela. Luci e Elfo brevemente se desvencilham dessas cansativas fórmulas, mas perdem parte do brilho que os tornavam tão únicos em um mundo de infinitas possibilidades; Zog se vê entre a vida e a morte ao ser enterrado vivo, cedendo a um crescente delírio que o torna inapto a continuar governando a Terra dos Sonhos – mas esse aspecto apenas reflete uma personalidade irritante e exaurida; Oona (MacNeille mais uma vez) volta de suas peripécias marítimas para ajudar o ex-marido e partir sem mais nem menos; até mesmo a arquidruidesa é varrida para debaixo do tapete sem quaisquer explanações palpáveis.

‘(Des)Encanto’ ainda tem chances de se recuperar para a já confirmada quarta temporada, mas é inegável dizer que tentou imprimir uma estética forçada para mascarar seus vários deslizes. Tangenciando fórmulas que não imaginaríamos encontrar em uma produção desse tipo, são poucas as asserções que nos tiram de um afã medíocre e convencional.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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‘(Des)Encanto’ voltou nesta última sexta-feira (15) com sua terceira e aguardada temporada – e parece ter retrocedido alguns passos no tocante à expansão de sua irreverente mitologia.

A animação adulta criada por Matt Groening estreou ainda em 2018 e jogou diversas oportunidades fora conforme explorava as incursões de Tiabeanie (Abbi Jacobson), uma princesa alcoólatra, e sua circinal aventura na Terra dos Sonhos ao lado de dois companheiros: um elfo chamado Elfo (Nat Faxon) e um demônio chamado Luci (Eric André). O grande problema do ciclo debutante foi, talvez, o desequilibrado e antológico roteiro que começou a ganhar forma e ritmo apenas nos episódios finais, apostando em certos momentos de comicidade em detrimento de arcos narrativos sólidos o bastante para nos manter presos do começo ao fim – o que é estranho, considerando que Groening havia conquistado um sucesso tremendo com Os Simpsons e ‘Futurama’.

Depois de melhorar consideravelmente para um segundo ano divertido, rebelde e com complexidades temáticas lapidadas, a série começou a dar ares de originalidade à medida que as peças se encaixavam em seus respectivos lugares (como esquecer da jornada de Bean e Luci ao inferno? Ou da psicótica mãe da anti-heroína em sua busca pela imortalidade e pelo poder?). Agora, com a chegada de um novo ano, ‘(Des)Encanto’ abre espaço para novos personagens, novos obstáculos – e velhos problemas. Bean, agora, deve lidar com as consequências de ser acusada de bruxaria e de ser resgatada por ninguém menos que Dagmar (Sharon Horgan), que tenta convencê-la de se aliar a uma insurreição que nunca vê a luz do dia.

Os novos dez episódios tinham muito a nos contar e, enquanto investiram consistentemente no panorama geral, deixaram as subtramas de lado para fornecer uma espécie de rendição à protagonista – a qual, como descobrimos, torna-se rainha da Terra dos Sonhos após uma loucura que acomete o pai, Zog (John DiMaggio). A principal ideia é colocar Bean em sua reescalada social e seu retorno ao lar, como uma desconstruída filha pródiga que quer fazer o seu melhor, mas acaba tropeçando nas próprias ambições e numa mentalidade marcada pelo trauma e por uma sociedade extremamente retrógrada. Por esse motivo, ela invade a coroação do jovem irmão, Derek (Tress MacNeille), e revela os planos malignos da arquidruidesa para terminar a linhagem da família real e controlar o mundo.

A princípio, a trama é coesa na medida certa para levar o público a querer descobrir o que acontecerá nos próximos capítulos, ainda mais quando Bean e Elfo retornam para a estranha Terra das Máquinas, um reino movido pela tecnologia e pelas inovações sociais que renega a Magia e todas as superstições que se espalham pelo mundo. O episódio, um dos melhores do novo ano, entrega exatamente o que promete à medida que resgata a atmosfera clássica de obras como a franquia ‘BioShock’ e arquiteta um microcosmos que exala misticismo, por mais pé no chão que seja. O problema é quando Bean revela poderes inimagináveis, algo que nunca mais é mencionado e que se rende a outros tantos eventos.

Os temas analisados ganham uma nova dimensão e se afastam das meras explosões de humor e irritabilidades de Bean. Ao passo que amadurece, ela entra em um ciclo de autodescobrimento e de empoderamento que a tira das resignações seculares dos papéis de gênero e de sexualidade; ela revela ser bissexual ao ter um breve caso amoroso com Mora, a sereia (Meredith Hagner), e percebe que o amor é bem mais complicado do que parece; ela retorna para enfrentar a vilania dos homens que cercam o castelo de sua família e, eventualmente, ascende ao trono como a primeira rainha da história – em face a uma ameaça que surge no horizonte; e até mesmo coloca em xeque sua amizade com Luci e Elfo para um bem maior (e quando os perde, ela cai num redemoinho de culpa que a joga nas garras da mãe para um season finale inexplicável).

O arco centrado em Bean é o ponto alto (talvez o único) dos novos capítulos, ainda mais pela astúcia com a qual Groening e seu time criativo brinca com as diversas camadas que se escondem em sua psique – tudo isso transformado em um divertido e inesperado amontoado de diálogos bizarros. O restante dos personagens, outrora donos de suas próprias inflexões, ficam reclusos em explorações coadjuvantes, atados às decisões de Bean e ao que concerne a ela. Luci e Elfo brevemente se desvencilham dessas cansativas fórmulas, mas perdem parte do brilho que os tornavam tão únicos em um mundo de infinitas possibilidades; Zog se vê entre a vida e a morte ao ser enterrado vivo, cedendo a um crescente delírio que o torna inapto a continuar governando a Terra dos Sonhos – mas esse aspecto apenas reflete uma personalidade irritante e exaurida; Oona (MacNeille mais uma vez) volta de suas peripécias marítimas para ajudar o ex-marido e partir sem mais nem menos; até mesmo a arquidruidesa é varrida para debaixo do tapete sem quaisquer explanações palpáveis.

‘(Des)Encanto’ ainda tem chances de se recuperar para a já confirmada quarta temporada, mas é inegável dizer que tentou imprimir uma estética forçada para mascarar seus vários deslizes. Tangenciando fórmulas que não imaginaríamos encontrar em uma produção desse tipo, são poucas as asserções que nos tiram de um afã medíocre e convencional.

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