Há uma paixão quase inexplicável que o público sente quando se depara com um gênero específico da indústria cinematográfica – os filmes-catástrofe. Comumente girando em torno de desastres naturais que colocam a pequenez do homem em confronto com a poder e a majestuosidade da natureza, ou então que põe em xeque a ganância das pessoas, são intermináveis os títulos que nos chamam por sua narrativa, por mais datados que sejam. Temos eventos de extinção a nível planetário, como ‘2012’ e ‘Armagedom’, ou então icônicos dramas baseados em fatos reais, como o aclamado ‘O Impossível’. De qualquer forma, a empatia (ou a falta dela) quando a humanidade lida com algo inesperado ou incontrolável é um tipo de história que tem uma capacidade de envolvimento indescritível.
No final das contas, boa parte deles falha em entregar algo além do óbvio ou do esperado, valendo mais pelos efeitos especiais e pelas cenas de aniquilamento mundial do que pelas mensagens que pretende nos entregar. Mas esse não é o caso de ‘Destruição Final: O Último Refúgio’: o longa-metragem consegue amalgamar as questões universais do constante medo do que se esconde na escuridão do espaço (neste caso, um asteroide chamado Clarke que muda sua rota de colisão e ameaça acabar com tudo o que conhecemos) com um drama familiar tour-de-force guiado pela química exemplar de Gerard Butler – o que é estranho, visto que ano passado ele se rendeu às fórmulas do esquecível ‘Tempestade: Planeta em Fúria’ – e de Morena Baccarin.
O filme havia sido adiado diversas vezes desde seu anúncio, devido à crescente pandemia do COVID-19 que desconstruiu o cronograma de estreias dos grandes estúdios diversas vezes – e, apesar dessas constantes mudanças, não envelheceu como imaginávamos. Pelo contrário, essa obra de desastre veio em um ótimo momento para esquecermos dos problemas que enfrentamos na atualidade, servindo como um delicioso e nada culposo escape que nos prende do começo ao fim. A trama principal gira em torno de uma problemática família que luta pela sobrevivência quando o cometa mencionado acima ameaça chegar à Terra. Dirigido por Ric Roman Waugh, que já trabalhara com Butler em ‘Invasão ao Serviço Secreto’, o resultado é surpreendente e positivo e até mesmo arranca algumas lágrimas conforme se aproxima do evocativo e esperançoso finale.
Enquanto Butler costuma ser o principal astro de obras deste gênero, aqui ele divide os holofotes com seus colegas de cena. O ator encarna John Garrity, um renomado arquiteto que é contatado pelo serviço de defesa dos Estados Unidos para se encaminhar a um bunker na Groenlândia e se salvar do extermínio certeiro. Apesar de estar tendo problemas com seu casamento, ele é solicitado pelas forças nacionais ao lado da esposa, Allison (Baccarin) e do filho, Nathan (Roger Dale Floyd) – sendo obrigado a deixar para trás a vida que outrora conhecida. É claro que as coisas não saem como o planejado e, ao chegarem à base militar, são impedidos de entrar nos aviões pela condição crônica do filho.
O parágrafo acima resume bem a história e o que podemos esperar dos acontecimentos seguintes – que são previsíveis, de fato. A família se separa, enfrenta seus próprios demônios, se reúnem e conseguem chegar nos momentos finais ao abrigo secreto para, talvez, se salvarem da colisão do meteoro. Entretanto, é o brilhante roteiro assinado por Chris Sparling que transforma essa aventura em uma análise sucinta de como as pessoas se tornam monstros em situações de desespero, acatando medidas desesperadas e inconsequentes para se manterem vivos o máximo de tempo possível. Não é à toa que tenhamos incursões que tangenciam a antropologia e a sociologia, como o enfrentamento de John contra algozes xenofóbicos que acham que ele não merecia ter sido chamado, ou então pela realização trágica e epopeica de Allison quando seu filho é raptado.
Tudo isso culmina para uma tocante produção que arranca de seu elenco e de sua equipe criativa o melhor que consegue – ainda mais pelo fato de Sparling ter ficado responsável pelo claustrofóbico thriller ‘Enterrado Vivo’, estrelado por Ryan Reynolds. O roteirista prova, assim como já fizera anteriormente, que tem uma capacidade honrável de usar clichês a seu favor, sem pretender almejar por algo que nunca consegue. É óbvio que a obra em si não tem qualquer intenção de ser revolucionária, e sim de fornecer um divertimento, por mais desafortunado que seja, de pessoas correndo contra o tempo para salvarem aqueles que amam. Afinal, é essa afeição pelo outro que nos dá uma centelha de esperança em um mundo que é movido pelo individualismo desenfreado e pela cobiça.
Waugh faz um bom trabalho no tocante à estética fílmica, por vezes trazendo inclinações ao mockumentary, por vezes deixando que os atores falem mais alto em construções metódicas de campo-contracampo. O panfletarismo cenográfico das incríveis paisagens idílicas é também utilizado com um propósito bem definido: entrar em conflito com o caos causado pelos destroços do meteoro e das pessoas que não sabem o que fazer e como se proteger. Por um momento, não sabemos exatamente se alguém sobreviveu – mas as duas últimas cenas da produção, apesar da obviedade, almejam a um reerguimento de uma raça que, de novo, se viu com seus dias contados.
‘Destruição Final: O Último Refúgio’ é uma ótima pedida para se ver nestes finais de semana em confinamento. Sua jornada vale a pena pelos laços do elenco protagonista, pela interminável tensão e pelas divertidas sequências de ação.