Em 2015, a Pixar entregava um dos melhores filmes de seu catálogo: o fantástico e irretocável ‘Divertida Mente’, uma exploração tocante e apaixonante sobre as emoções humanas que trouxe o melhor do melodrama e da comédia em uma épica aventura dentro da mente de uma jovem garotinha chamada Riley. Facilmente uma das produções mais aclamadas desse império da animação, era difícil pensar que a narrativa ganharia uma sequência; e, quase uma década mais tarde, cá estamos com a vindoura sequência – que tem estreia agendada nos cinemas nacionais para o dia 20 de junho, uma semana depois do lançamento no circuito internacional.
Enquanto o público foi introduzido às emoções primárias de Riley na iteração anterior. Aqui, a protagonista finalmente chegou à adolescência e, como bem sabemos, a um turbilhão de eventos que vem acompanhando a iminência da puberdade e de uma das transições mais marcantes e dolorosas da vida. Preparando-se para um novo capítulo de sua jornada, Riley se vê engolfada em uma oportunidade “única” (tal como ela pensa) de participar de uma espécie de acampamento de hockey e de uma mudança profunda na configuração de seu cotidiano – principalmente com a saída de suas duas melhores amigas da escola e do prospecto do “recomeço”. E, como podíamos imaginar, essas constantes reviravoltas aproveitariam para introduzir quatro emoções: a Ansiedade, a Inveja, a Vergonha e o Tédio (e uma breve participação prematura da Nostalgia).
Ao chegarem ao centro de controles do cérebro de Riley, as emoções primárias (Alegria, Tristeza, Raiva, Nojinho e Medo) começam a lidar com um prospecto amedrontador de que a garota que amam está passando por uma revolução mais impactante do que previam, percebendo que as funcionalidades estão mais complexas e que o modo de lidar com o mundo externo e suas respectivas relações afetivas é mais difícil do que o antecipado. Ao se aproximar do Ensino Médio, Riley começa a navegar por situações sociais que clamam pelo modo de proteção e de ação que não pode ser fornecido pelas ativações já conhecidas. A Ansiedade, por exemplo, dublada com primazia por Tatá Werneck, é um mecanismo de defesa e de autossabotagem que representa nossa condição de cobrança em demasia e uma competitividade compulsória; a Inveja, por sua vez (encarnada por Gaby Milani), é um método de aproximação destrutiva e, ao mesmo tempo, que alimenta nossos impulsos de pertencimento – cada qual inserida em um contexto individual do hockey e do arco de Riley, mas pressionadas em uma reflexão universalista.
Se Pete Docter havia conseguido nos encantar no filme predecessor, Kelsey Mann explora ainda mais a fundo em uma estreia diretorial soberba e inebriante. Aliando-se a Meg LeFauve, que retorna como roteirista, o cineasta constrói imagens palpáveis dos abstracionismos conceituais da propriocepcão, da moralidade e do “senso de si”, apostando fichas na forma em que as convicções são formadas na transição da infância para a adolescência – e como esse segmento psíquico está em constante mutabilidade, impossível de ser engessado em um só espectro. Ademais, é notável como as técnicas de animação se mantêm fiéis ao que já nos foi proposto, mas abrindo espaço para camadas inéditas de mitologia espacial – como o Cofre dos pensamentos reprimidos, o “fim” da mente e o abismo do sarcasmo (uma jogada inteligentíssima que mistura explicações psicólogicas e humor).
Mais do que isso, Mann e LeFauve não subestimam a sagacidade dos espectadores e convidam-nos a participar ativamente da história, invocando experiências compartilhadas para a audiência mais velha e oferecendo um “conforto” à mais jovem, que vai passar pela mesma coisa. O didatismo presente aqui não é condescendente, e sim inflexivo, crítico e instigante – mostrando que sempre há algo de novo a ser aprendido, não importa a idade que tenhamos. E, ao utilizar cores específicas para cada emoção (como feito no longa de 2015), há um lembrete da complexidade mental que ainda incita discussões entre os especialistas e entre nós mesmos. Não é à toa que Riley, outrora enfrentando as nuances de um amadurecimento iniciático, agora enfrenta uma pergunta muito mais difícil de ser respondida: “quem sou eu?”.
A dupla em questão também encontra sucesso significativo ao tocar o coração do público, mas de maneiras inesperadas. Até hoje, a cena entre Bing Bong e Alegria é motivo de compadecimento generalizado pelo trágico twist que nos foi mostrado; aqui, a imprevisibilidade rege o tom e constrói easter-eggs automaticamente reconhecíveis e que começam com um clássico enredo maniqueísta entre o “bem” e o “mal”, porém, que logo transmuta-se em uma intrincada análise que, sem sombra de dúvida, tem potencial de arrancar lágrimas dos mais céticos.
‘Divertida Mente 2’ é uma sequência impecável e espetacular de uma das melhores animações do século – quiçá da história. Encontrar palavras para elogiar o teor artístico, técnico e filosófico do longa-metragem é um trabalho difícil; todavia, é notável como a obra vem em ótima hora para trazer a Pixar de volta aos eixos, colocando-a de volta à boa forma de maneira sensível e apaixonante.