terça-feira , 5 novembro , 2024

Crítica | Divino Amor: Dira Paes em redenção espiritual em drama de cair o queixo

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A burocracia brasileira talvez seja um de seus maiores venenos. Intoxicando o sistema público, ela retarda o crescimento do país, empata vidas e não produz resultados. Como um problema crônico em todos os setores, ela ganha ares mais esperançosos pela perspectiva encantadora de Joana, uma funcionária de um cartório, responsável por deliberar sobre divórcios. Imersa em um contexto social onde a fé substituiu as festas hedonistas como o Carnaval, o Brasil parece caminhar um pouco mais diferente, mas cometendo os mesmos erros de outrora. Em Divino Amor, Gabriel Mascaro cruza o estado laico com uma versão subversiva da religião cristã. Mesclando o Cristianismo genuíno com sua própria releitura dos domínios e da extensão das práticas religiosas, seu novo filme é chocante, desconfortável e tão complexo que te deixará pensando nele por dias.

No distópico Brasil de 2027, Joana ainda lida com as burocracias de um sistema que sequer se deu o trabalho de digitalizar sua papelada. Em uma imensidão de documentos que registram o fim de uniões matrimoniais, entre tantas outras demandas, ela tenta levar uma vida pela fé, como parte de um grupo religioso tão segregativo como algumas religiões que distorcem o verdadeiro Evangelho. Incoerente, o Divino Amor – como são chamadas as reuniões semanais – prega o enlace eterno entre homem e mulher, trazendo também uma certa perversão descabida. Aparentemente sem sentido, essa erotização que enlameia textos bíblicos genuínos choca a audiência, promove questionamentos latentes, mas a deixa sem muitas respostas, como um bom drama questionador tem que fazer. Sem ofender qualquer religião ou até mesmo o Cristianismo, a narrativa é na verdade um gatilho para o desconforto proposital, cheio de ambiguidades. O que vemos na tela deve nos causar espanto e assim o faz.

Com um roteiro que se centraliza na fé de uma mulher que busca respostas sobre si mesma, Divino Amor atrai nossos olhos diretamente para Dira Paes, que se despe – literal e figurativamente – diante da audiência em uma profunda redenção espiritual. Atordoada pelos seus próprios questionamentos, como qualquer ser humano, ela busca respostas na sua fonte espiritual e as aguarda pacientemente. E enquanto espera, transforma seu amor por Deus em uma extensão naqueles que a cercam. De todos os personagens da trama, ela é quem desenvolve a intimidade mais genuína. Todos são factíveis, obviamente, mas Joana…é a dimensão de uma vida dedicada inteiramente aos princípios que acredita e sofre por cada um deles. E nessa constante busca, ela leva seu amor para os que precisam dele, transformando a burocracia na ferramenta ideal para reverter divórcios em casamentos estruturados.

Seu compromisso em impactar um estado laico acaba também resultando em inconstâncias na sua própria vida. Se entregando como uma agente de transformação dos casamentos alheios, ela parece incapaz de promover a mesma paz em sua casa, fazendo da sua fé um gatilho para confusões domésticas. Mas irredutível no melhor dos sentidos, ela segue destemida, buscando as respostas no lugar certo como quem espera pacientemente, em meio a uma religiosidade ortodoxa que foge os princípios reais do Cristianismo e espanta o público com práticas como um drive thru de oração e uma erotização desnecessária da relação entre homem e mulher, corrompendo a essência do que deveria ser puro e sagrado. Nesse país distópico, paradoxos cercam Joana, que segue imutável em sua fé, mantendo uma antagônica inocência em meio ao caos de princípios e valores.

Divino Amor é difícil de explicar e vai exigir de você bem mais que 1h30 de atenção. Muito mais do que uma sessão, o longa brasileiro é de fato uma experiência sinestésica. Percorrendo cada extrato da produção com sensações distintas, ela imerge o espectador em uma realidade constantemente questionadora, nos faz arregalar os olhos, à medida que nos hipnotiza em Dira, sublime, ambígua ,tenra e completa nas telas. Como uma atriz que ultrapassa as fronteiras nacionais, ela solidifica a força e o potencial que tem para cair de cabeça no cinema internacional. E sob a direção de Mascaro, suas sensações, emoções e linguagem corporal ultrapassam os limites da câmera e invadem a audiência, profundamente imutável diante do seu espetáculo.

Com um design de produção que mescla o neon com as sombras, Divino Amor é regado por uma trilha sonora escolhida a dedo, traz ares do synthpop dos anos 80 e deixa o público boquiaberto, de coração pesado. Escalonando o cinema brasileiro à dimensões internacionais, Mascaro mais do que nunca se revela preparado para encarar os públicos mais diversos e das mais distintas nacionalidades. Entregando um cinema universal, polido e conceitual, ele é a prova de que o melhor do Brasil é o brasileiro. Uma manifestação artística que grita a plenos pulmões, Divino Amor é uma grandiosa fatia do potencial cinematográfico que temos a oferecer para o resto do mundo.

 

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No distópico Brasil de 2027, Joana ainda lida com as burocracias de um sistema que sequer se deu o trabalho de digitalizar sua papelada. Em uma imensidão de documentos que registram o fim de uniões matrimoniais, entre tantas outras demandas, ela tenta levar uma vida pela fé, como parte de um grupo religioso tão segregativo como algumas religiões que distorcem o verdadeiro Evangelho. Incoerente, o Divino Amor – como são chamadas as reuniões semanais – prega o enlace eterno entre homem e mulher, trazendo também uma certa perversão descabida. Aparentemente sem sentido, essa erotização que enlameia textos bíblicos genuínos choca a audiência, promove questionamentos latentes, mas a deixa sem muitas respostas, como um bom drama questionador tem que fazer. Sem ofender qualquer religião ou até mesmo o Cristianismo, a narrativa é na verdade um gatilho para o desconforto proposital, cheio de ambiguidades. O que vemos na tela deve nos causar espanto e assim o faz.

Com um roteiro que se centraliza na fé de uma mulher que busca respostas sobre si mesma, Divino Amor atrai nossos olhos diretamente para Dira Paes, que se despe – literal e figurativamente – diante da audiência em uma profunda redenção espiritual. Atordoada pelos seus próprios questionamentos, como qualquer ser humano, ela busca respostas na sua fonte espiritual e as aguarda pacientemente. E enquanto espera, transforma seu amor por Deus em uma extensão naqueles que a cercam. De todos os personagens da trama, ela é quem desenvolve a intimidade mais genuína. Todos são factíveis, obviamente, mas Joana…é a dimensão de uma vida dedicada inteiramente aos princípios que acredita e sofre por cada um deles. E nessa constante busca, ela leva seu amor para os que precisam dele, transformando a burocracia na ferramenta ideal para reverter divórcios em casamentos estruturados.

Seu compromisso em impactar um estado laico acaba também resultando em inconstâncias na sua própria vida. Se entregando como uma agente de transformação dos casamentos alheios, ela parece incapaz de promover a mesma paz em sua casa, fazendo da sua fé um gatilho para confusões domésticas. Mas irredutível no melhor dos sentidos, ela segue destemida, buscando as respostas no lugar certo como quem espera pacientemente, em meio a uma religiosidade ortodoxa que foge os princípios reais do Cristianismo e espanta o público com práticas como um drive thru de oração e uma erotização desnecessária da relação entre homem e mulher, corrompendo a essência do que deveria ser puro e sagrado. Nesse país distópico, paradoxos cercam Joana, que segue imutável em sua fé, mantendo uma antagônica inocência em meio ao caos de princípios e valores.

Divino Amor é difícil de explicar e vai exigir de você bem mais que 1h30 de atenção. Muito mais do que uma sessão, o longa brasileiro é de fato uma experiência sinestésica. Percorrendo cada extrato da produção com sensações distintas, ela imerge o espectador em uma realidade constantemente questionadora, nos faz arregalar os olhos, à medida que nos hipnotiza em Dira, sublime, ambígua ,tenra e completa nas telas. Como uma atriz que ultrapassa as fronteiras nacionais, ela solidifica a força e o potencial que tem para cair de cabeça no cinema internacional. E sob a direção de Mascaro, suas sensações, emoções e linguagem corporal ultrapassam os limites da câmera e invadem a audiência, profundamente imutável diante do seu espetáculo.

Com um design de produção que mescla o neon com as sombras, Divino Amor é regado por uma trilha sonora escolhida a dedo, traz ares do synthpop dos anos 80 e deixa o público boquiaberto, de coração pesado. Escalonando o cinema brasileiro à dimensões internacionais, Mascaro mais do que nunca se revela preparado para encarar os públicos mais diversos e das mais distintas nacionalidades. Entregando um cinema universal, polido e conceitual, ele é a prova de que o melhor do Brasil é o brasileiro. Uma manifestação artística que grita a plenos pulmões, Divino Amor é uma grandiosa fatia do potencial cinematográfico que temos a oferecer para o resto do mundo.

 

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