quarta-feira , 18 dezembro , 2024

Crítica | DOM é uma série eletrizante e essencial das facetas do RJ

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Por trás de toda vida, seja a de um criminoso, seja a de um pacifista, existe uma história singular. A narrativa é o limiar do relacionamento magnético entre esses personagens e o público. Escrito a oito mãos, o roteiro do seriado DOM, constituído de oito episódios na Amazon Prime Video, é um desses projetos lapidados para servir ao delírio imagético popular, denunciar o racismo estrutural e a hipocrisia do sistema policial brasileiro. Acima disso tudo, existe um laço enternecedor da luta de um pai para salvar o filho. 

Baseado nas obras O Beijo da Bruxa, de Luiz Victor Lomba, e DOM, de Tony Bellotto, o projeto é produzido e executado por Breno Silveira (Dois Filhos de Francisco). Por meio de uma fotografia admirável e um roteiro competente, o cineasta traz às telas os detalhes das trajetórias do jovem Pedro Lomba e a do seu pai Victor Lomba (autor do livro adaptado) no Rio de Janeiro, da década de 1970 até o início dos anos 2000.



DOM 2

Com um desempenho energético, o protagonista Gabriel Leone (em breve em Eduardo e Mônica, ao lado de Alice Braga) surge de lentes azuis e cabelos loiros. Assim, ele consegue apresentar o fascínio de Pedro Lomba, conhecido como Pedro Dom, pelas drogas e os ritmos das favelas, ao mesmo tempo em que busca não decepcionar sua família. O primeiro episódio começa de forma frenética a impulsionar o espectador para dentro de uma bomba relógio. Ou seja, o roteiro estabelece o confronto entre o filho, em meio aos traficantes do Morro Dona Marta, e o pai, representante da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ). 

A dinâmica entre pai e filho é o fio condutor de toda engrenagem da série, uma relação complicada e afogada entre angústias e receios. Ao buscar o filho Pedro (Gabriel Leone) na favela, Victor (Flavio Tolezani) se apega ao seu último fio de esperança de salvá-lo do caminho das drogas e do crime. Sem fácil solução para a dependência química, o pai chega a algemar o jovem na cama e claramente negligencia as necessidades da outra filha.

dom 1

Ao longo dos episódios, a série faz um jogo temporal entre as descobertas da juventude de Victor, o pai, e da infância de Pedro, o filho. Cada capítulo é trabalhado minuciosamente para construir uma percepção de Pedro Dom como um dependente químico, mas também um adolescente de personalidade abusiva e autocentrada. Sem linearidade, a direção consegue nos instigar a mergulhar cada vez mais na trama. 

As cenas finais produzem sempre um impacto e um gancho narrativo para dezenas de questões. Como Pedro tornou-se um viciado em cocaína? Como um mergulhador envolve-se com a Interpol e entra na PCERJ? Como um menino de classe média torna-se um famoso bandido? Pedro Dom, apelidado na mídia como “Bandido Gato”, por conta do seu fenótipo loiro de olhos claros, foi um dos criminosos mais procurados do Rio de Janeiro entre o fim dos anos 1990 e início de 2000.

Apenas uma série de oito horas poderia contar essa história em pinceladas tão intrigantes, como as dezenas de internações e prisões do protagonista, desde locais que remetem A Bicho de Sete Cabeça (2000), de Laís Bodanzky, a outros semelhantes ao de O Som do Silêncio (2020), de Darius Marder.

dom s1

Os assaltos às casas de grã-finos do Rio de Janeiro são os momentos mais divertidos e criativos do roteiro. Cada personagem da gangue de Pedro Dom tem a sua função e os seus maneirismos, melhor desenvolvidos que dos adolescentes invasores de mansões de Hollywood, representados em The Bling Ring – A Gangue de Hollywood (2013), de Sofia Coppola

Vale ressaltar a performance hipnotizante de Isabella Santoni como a espevitada patricinha Viviane. Seu despudor e ousadia são fascinantes e as escolhas de composição,  tanto nos maneirismos como nos adereços, criam uma empatia à personagem, que escolhe manifestar de maneiras pouco ortodoxas sua rebeldia contra o sistema. Já a integrante da gangue e amante principal de Pedro Dom, Jasmine (Raquel Avelar), é o equilíbrio entre a emoção e a razão do protagonista, ela passa de objeto de desejo à sua única confidente nos momentos dramáticos. 

Bem balanceado, DOM tem também o objetivo de contar a chegada das drogas nos morros do Rio de Janeiro, a ineficácia e a corrupção da PMERJ, representada por um intenso André Mattos (Tropa de Elite 2). Além disso, a série coloca o dedo na ferida do envolvimento de crianças com entorpecentes e o assassinato de adolescentes negros nas favelas. São várias batalhas travadas no enredo, a principal é a dos protagonistas para encaixar-se em sistemas, seja Victor na polícia, seja Pedro nos ideais da juventude burguesa carioca. 

De baixo dos braços abertos do Cristo Redentor, entre as ondas do calçadão de Copacabana, e, claro, do alto do Morro Dona Marta, a série de Breno Silveira apresenta um desfecho admirável, até para quem já conhece o destino de Pedro Dom estampado nos jornais. A partir de diálogos convincentes e um bom encadeamento entre flashbacks, DOM é uma combinação lapidada de suspense policial, romance e drama familiar. 

 

DOM está disponível em oito episódios a partir de 4 de junho de 2021 na Amazon Prime Video. Primeira série original brasileira da plataforma. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Crítica | DOM é uma série eletrizante e essencial das facetas do RJ

Por trás de toda vida, seja a de um criminoso, seja a de um pacifista, existe uma história singular. A narrativa é o limiar do relacionamento magnético entre esses personagens e o público. Escrito a oito mãos, o roteiro do seriado DOM, constituído de oito episódios na Amazon Prime Video, é um desses projetos lapidados para servir ao delírio imagético popular, denunciar o racismo estrutural e a hipocrisia do sistema policial brasileiro. Acima disso tudo, existe um laço enternecedor da luta de um pai para salvar o filho. 

Baseado nas obras O Beijo da Bruxa, de Luiz Victor Lomba, e DOM, de Tony Bellotto, o projeto é produzido e executado por Breno Silveira (Dois Filhos de Francisco). Por meio de uma fotografia admirável e um roteiro competente, o cineasta traz às telas os detalhes das trajetórias do jovem Pedro Lomba e a do seu pai Victor Lomba (autor do livro adaptado) no Rio de Janeiro, da década de 1970 até o início dos anos 2000.

DOM 2

Com um desempenho energético, o protagonista Gabriel Leone (em breve em Eduardo e Mônica, ao lado de Alice Braga) surge de lentes azuis e cabelos loiros. Assim, ele consegue apresentar o fascínio de Pedro Lomba, conhecido como Pedro Dom, pelas drogas e os ritmos das favelas, ao mesmo tempo em que busca não decepcionar sua família. O primeiro episódio começa de forma frenética a impulsionar o espectador para dentro de uma bomba relógio. Ou seja, o roteiro estabelece o confronto entre o filho, em meio aos traficantes do Morro Dona Marta, e o pai, representante da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ). 

A dinâmica entre pai e filho é o fio condutor de toda engrenagem da série, uma relação complicada e afogada entre angústias e receios. Ao buscar o filho Pedro (Gabriel Leone) na favela, Victor (Flavio Tolezani) se apega ao seu último fio de esperança de salvá-lo do caminho das drogas e do crime. Sem fácil solução para a dependência química, o pai chega a algemar o jovem na cama e claramente negligencia as necessidades da outra filha.

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Ao longo dos episódios, a série faz um jogo temporal entre as descobertas da juventude de Victor, o pai, e da infância de Pedro, o filho. Cada capítulo é trabalhado minuciosamente para construir uma percepção de Pedro Dom como um dependente químico, mas também um adolescente de personalidade abusiva e autocentrada. Sem linearidade, a direção consegue nos instigar a mergulhar cada vez mais na trama. 

As cenas finais produzem sempre um impacto e um gancho narrativo para dezenas de questões. Como Pedro tornou-se um viciado em cocaína? Como um mergulhador envolve-se com a Interpol e entra na PCERJ? Como um menino de classe média torna-se um famoso bandido? Pedro Dom, apelidado na mídia como “Bandido Gato”, por conta do seu fenótipo loiro de olhos claros, foi um dos criminosos mais procurados do Rio de Janeiro entre o fim dos anos 1990 e início de 2000.

Apenas uma série de oito horas poderia contar essa história em pinceladas tão intrigantes, como as dezenas de internações e prisões do protagonista, desde locais que remetem A Bicho de Sete Cabeça (2000), de Laís Bodanzky, a outros semelhantes ao de O Som do Silêncio (2020), de Darius Marder.

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Os assaltos às casas de grã-finos do Rio de Janeiro são os momentos mais divertidos e criativos do roteiro. Cada personagem da gangue de Pedro Dom tem a sua função e os seus maneirismos, melhor desenvolvidos que dos adolescentes invasores de mansões de Hollywood, representados em The Bling Ring – A Gangue de Hollywood (2013), de Sofia Coppola

Vale ressaltar a performance hipnotizante de Isabella Santoni como a espevitada patricinha Viviane. Seu despudor e ousadia são fascinantes e as escolhas de composição,  tanto nos maneirismos como nos adereços, criam uma empatia à personagem, que escolhe manifestar de maneiras pouco ortodoxas sua rebeldia contra o sistema. Já a integrante da gangue e amante principal de Pedro Dom, Jasmine (Raquel Avelar), é o equilíbrio entre a emoção e a razão do protagonista, ela passa de objeto de desejo à sua única confidente nos momentos dramáticos. 

Bem balanceado, DOM tem também o objetivo de contar a chegada das drogas nos morros do Rio de Janeiro, a ineficácia e a corrupção da PMERJ, representada por um intenso André Mattos (Tropa de Elite 2). Além disso, a série coloca o dedo na ferida do envolvimento de crianças com entorpecentes e o assassinato de adolescentes negros nas favelas. São várias batalhas travadas no enredo, a principal é a dos protagonistas para encaixar-se em sistemas, seja Victor na polícia, seja Pedro nos ideais da juventude burguesa carioca. 

De baixo dos braços abertos do Cristo Redentor, entre as ondas do calçadão de Copacabana, e, claro, do alto do Morro Dona Marta, a série de Breno Silveira apresenta um desfecho admirável, até para quem já conhece o destino de Pedro Dom estampado nos jornais. A partir de diálogos convincentes e um bom encadeamento entre flashbacks, DOM é uma combinação lapidada de suspense policial, romance e drama familiar. 

 

DOM está disponível em oito episódios a partir de 4 de junho de 2021 na Amazon Prime Video. Primeira série original brasileira da plataforma. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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