Filme assistido durante o Festival de Sundance 2022
Despindo-se de todo aparato de efeitos visuais de um bom e caro blockbuster, Dual é o tipo de ficção científica mais raiz, que faz do seu pouco orçamento uma de suas características mais valiosas. Aqui, o sistema de clonagens humanas já é um serviço aberto e (quase) acessível ao público e quando a apática e depressiva Sarah descobre que está com os seus dias contados – em virtude de uma doença terminal -, ela decide preparar uma cópia para minimizar a dor de sua perda para sua família e namorado. Mas ao ser milagrosamente curada, ela terá que enfrentar sua outra versão em um combate mortal, em que apenas um dos sobreviventes – clone ou humano – receberá o direito de viver.
Com uma abordagem diferente e muito mais psicológica de todas as questões que envolvem a clonagem, Dual é um thriller que solidifica a máxima dos clássicos sci-fi que frequentemente chegam ao Festival de Sundance. Nos lembrando que é possível criar grandes histórias originais com recursos restritos, o cineasta Riley Stearns deixa de lado a suntuosidade e a ostentação que normalmente imperam no gênero, para abrir espaço para uma ficção científica mais autêntica, que reside na poderosa construção de seus personagens e em seu conceito futurista.
Totalmente gravado na Finlândia, o thriller faz um paralelo entre a gélida atmosfera do país e o comportamento dos protagonistas, que são sempre conduzidos por uma frieza e impessoalidade que beiram o desconforto para a audiência. Calculistas e frios, eles carregam o ceticismo e a apatia em suas linguagens corporais e fazem de seus diálogos e discursos experiências inquietantes. Há sempre uma espécie de “torta de climão” a cada cena, nos instigando a querer entender mais esse futuro onde o sentimentalismo e a inteligência emocional foram reduzidos a trocas humanas quase robóticas de tão frias e distantes.
E é nesse contexto que Karen Gillan e Aaron Paul (Breaking Bad) entregam performances excelentes, com a estrela de Guardiões da Galáxia assumindo uma persona extremamente diferente daquilo que já vimos no passado. Com voz pesada e densa, sem qualquer emoção em seus diálogos e discursos, ela dá vida à Sarah, que ao se ver forçada a lutar por sua sobrevivência, começa a redescobrir o valor da vida. Entregando uma performance dupla, como uma “original” e uma “double” (como o próprio filme denomina), ela domina a tela do começo a fim e nos leva a uma espiral que aborda assuntos dos mais diversos como depressão e até mesmo todos os imbróglios morais que envolvem a clonagem.
Trazendo suaves vislumbres da mesma premissa de A Ilha – em que clones se rebelam contra um sistema “opressor” dominado por humanos, Dual é mais profundo, ultra realista e cíclico em sua trama. Desmembrando o conceito bidimensional de que apenas viver é o bastante, o diretor vai além em seu debate e nos mostra que muito mais do que estar vivo, é preciso saber viver. Dual faz um debate interessante sobre isso e até mesmo subverte nossa compreensão da protagonista, à medida em que presenteia a audiência com um thriller espetacular, original e muito bem dirigido. Uma sátira social existencialista, o thriller cômico de Stearns é do tipo que confronta a audiência em suas próprias crises existenciais.