Crítica livre de spoilers.
Denis Villeneuve é um acontecimento.
Desde sua estreia oficial no circuito dos longas-metragens em 1998, com o drama ‘32 de agosto na Terra’, o diretor franco-canadense mostrou que veio para abalar as estruturas do cenário da sétima arte da maneira mais catártica possível. Não é surpresa que, ao longo de sua filmografia, ele tenha dado vida a produções como ‘Incêndios’, ‘A Chegada’ e ‘Blade Runner 2049’, misturando inúmeros gêneros criativos em pequenos cosmos exuberantes e recheados de profundas mensagens que se conectam de maneiras diversas com o público. Em 2021, Villeneuve se lançou a um dos projetos mais ambiciosos de sua carreira – a adaptação de ‘Duna’, clássico romance sci-fi de Frank Herbert. O resultado não poderia ter sido outro: além do amplo aclame crítico, o título foi citado como um dos melhores do ano, conquistando os espectadores e levando para casa seis estatuetas do Oscar.
Agora, o cineasta nos convida a voltar a esse expansivo universo futurista com a estreia do antecipadíssimo ‘Duna: Parte 2’, continuando a jornada de Paul Atreides (Timothée Chalamet) em suas investidas contra os Harkonnen e os Corrino – que foram responsáveis por destruir a linhagem de sua família e usurpar o poder real. E, superando quaisquer expectativas que poderíamos ter, o longa-metragem é simplesmente um clássico instantâneo da ficção científica, além de se consagrar como o melhor épico cinematográfico desde ‘O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei’, dirigido por Peter Jackson em 2003. Cada elemento visual e narrativo conflui para uma vibrante celebração da arte fílmica, seja na fotografia, na paleta de cores, na montagem, no som e, é claro, nas atuações.
Após os eventos do capítulo anterior, Paul continua a se aliar com os Fremen, rebeldes do árido planeta Arrakis, para derrotar a Casa Harkonnen – minando a produção de especiarias e impedindo que seu lar se transforme em uma colheita de predadores famintos pelo poder e pelo controle absoluto. Enquanto precisa conquistar a confiança dos outros Fremen, ele une forças com Chani (Zendaya) e é auxiliado pela cega devoção de Stilgar (Javier Bardem), líder de uma tribo de Fremen localizada em Sietch Tabr, e pela onipresença amedrontadora de sua mãe e Bene Gesserit (Rebecca Ferguson). Juntos, eles esquadrinham um plano para garantir que o retorno triunfal de Paul, dado como morto pelos supostos vitoriosos da última batalha, seja anunciado em louvor e colocando-o como o Lisan al-Gaib, o messias que levará o povo em direção ao Paraíso Verde.
Conhecendo o trabalho de Villeneuve, é óbvio que as grandiosas sequências não seriam apenas fruto de um pedantismo ególatra: não estamos lidando apenas com um filme-espetáculo sem substância, e sim com uma análise entre opressores e oprimidos, natureza e homem, fé e razão que se desenrola em inúmeras subtramas muito bem tratadas e que enchem as telonas com beleza imprescindível. Enquanto o arco de Paul é aquele que acompanhamos, ainda mais quando colocado frente a frente com a ascensão de seu novo nêmesis, Feyd-Rautha Harkonnen (Austin Butler), o psicótico sobrinho do Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgard), todos os personagens têm seu momento de glória e participação efetiva no enredo.
Os arranjos imagéticos merecem ser mencionados, postando-se como pequenas joias artísticas talhadas em ouro. É notável como o cineasta, aliando-se às habilidosas mãos de Graig Fraser, preza pela fotografia e pelos enquadramentos como organismos vivos e que fazem parte inextricável da narrativa, impedindo que a imagem e a história sejam desassociadas. Há uma predileção infindável pelo contraste entre o incômodo e desolador deserto de Arrakis para a claustrofobia encarcerada de Giedi Primo, cujas paletas de cores são parte de espectros opostos que convergem para diferentes arquiteturas de melancolia e desespero. Percebe-se que, assim como o romance de Herbert, a adaptação exalta, ironicamente, a pequenez do homem frente à imensidão do universo – e de que modo a corrosão da alma é reflexo direto da ganância desmedida.
Outro aspecto a ser mencionado é o trabalho de som. Hans Zimmer fica a encargo da trilha sonora mais uma vez, mantendo-se fiel às explorações retumbantes e dissonantes da obra anterior, mas agora apostando mais em sintetizadores explosivos e uma magnitude orquestral de tirar o fôlego; para além disso, é preciso mencionar a correlação entre a música e a montagem, assinada por Joe Walker, que promove uma dança muito bem coreografada entre o silêncio e a urgência, gritando em plenos pulmões mesmo quando a única coisa que podemos ouvir é o tilintar das espadas e a respiração ofegante e exausta dos personagens.
Ambicioso, estupendo e majestoso são apenas alguns dos adjetivos que conseguem resumir, grosso modo, ‘Duna: Parte 2’. O novo longa de Villeneuve é um deleite para os olhos, uma aula de como fazer cinema e, de forma imediata, posta-se como um dos melhores títulos não apenas da década, mas do século – e, caso tudo ocorra como o planejado, é bem claro como o surpreendente gancho nos prepara para o terceiro capítulo da saga.