Homenagem aos derrotados
A maioria dos filmes dentro do gênero Guerra trabalham de forma na qual ao mesmo tempo em que apresentam os horrores de grandes conflitos da história criticando-os, exaltam as melhores qualidades dos homens e nações que nelas serviram. Dunkirk, novo trabalho do prestigiado cineasta britânico Christopher Nolan, faz exatamente isso, e parece existir para tal propósito. A diferença é que Nolan homenageia uma nação “derrotada”. A sua nação.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a França era tomada pela Alemanha, e os aliados do país europeu expulsos do front de batalha, até a entrada dos EUA no conflito. O novo filme de Nolan centra exclusivamente neste pedacinho do terrível momento da humanidade, usando como cenário a praia do litoral de Dunquerque, norte da França, quando forças britânicas e francesas ficaram encurraladas e precisaram ser evacuadas pelo mar.
Imagine Zack Snyder ou Michael Bay de grife e temos Christopher Nolan. A definição não é depreciativa, sendo os primeiros mestres no cinema técnico de centenas de milhões de dólares de orçamento. Nolan também o é, mas acima de tudo, preza ser um contador de histórias, dando importância a detalhes que os outros citados passam por cima. No meio de toda a adrenalina de seu cinema autoral, Nolan respira, dá espaço para seus atores, cria um clima e desenvolve uma única cena com mais apreço do que maioria dos cineastas de aluguel.
Podemos notar isto logo na cena que abre Dunkirk, quando soldados ingleses andam pela rua deserta da cidade, enquanto folhetos esvoaçantes criam a antítese de confetes celebrativos da vitória. O escopo da cena e seu enquadramento servem de prenúncio afirmando que este é um filme com F maiúsculo, que precisa ser assistido no cinema. Daí compreendemos um pouco mais o discurso de Nolan contra as plataformas de streaming, e entendemos que o cinema de Nolan é de grande magnitude, nos remetendo ao tempo de nossas primeiras sessões na tela grande.
Na trama, o estreante Fionn Whitehead interpreta Tommy, um dos muitos soldados tentando escapar do cerco imposto pelos alemães. O jovem descoberto por Nolan tem uma boa presença de cena, fisicamente lembrando bastante um dos recorrentes colaboradores do diretor: Christian Bale. Seu personagem serve de face para nos centrar neste conto, formado por três segmentos: ar, terra e mar.
Acompanhando a epopeia dos soldados que não conseguem deixar a costa – e que ainda faz uso do cantor Harry Styles estreando com o pé direito nas telonas – temos segmentos protagonizados por Tom Hardy e pelo vencedor do Oscar Mark Rylance (Ponte de Espiões). Hardy interpreta um dos pilotos dando respaldo aéreo para os aliados – e nos fazendo imaginar o Top Gun de Nolan – e Rylance vive um dos muitos civis britânicos que partem por conta própria pelo mar para o resgate dos conterrâneos, momento que ainda guarda a participação de Cillian Murphy.
É bem verdade que a obra escrita e dirigida por Christopher Nolan não possui uma narrativa tradicional e costumeira para o gênero. Esta não é uma história com começo, meio e fim, na qual passamos duas horas conhecendo os personagens. O diretor escolhe traçar o caminho inverso, nos arremessando de paraquedas dentro do cenário caótico, para que ao lado daqueles rostos quase sem nome, experimentemos alguns dos momentos mais tensos de 2017. E isso o cineasta entrega muito bem. Durante a projeção me peguei pensando sobre a construção de cenas do diretor, como tudo funciona de forma harmoniosa – destaque para trilha de Hans Zimmer.
Dunkirk ganha por ser diferente. Por ser um filme de guerra único. Por ser muito mais uma experiência do que uma história propriamente. Porque Nolan gosta de ousar e experimentar ao criar suas cenas e sua narrativa. Porque Nolan é um diretor à moda antiga, cada vez mais em extinção dentro do cinema mainstream da atualidade. Porque vai direto ao ponto, sendo uma obra concisa, sem perder seu impacto e relevância. Porque é poética sem precisar de palavras e por ter seus muitos significados implícitos a cada frame (resposta para os críticos que o acusam de ser um cineasta extremamente expositivo em seus diálogos). Acima de tudo, porque Dunkirk é cinema pipoca de entretenimento que estamos precisando nestes tempos.