Quando anunciaram a série da Eco, não houve exatamente uma comoção em relação a ela. Na verdade, muitos fãs não acreditaram no que estava acontecendo, já que a Marvel parecia dar sinais de estar sentindo o impacto do desgaste do subgênero dos super-heróis e ainda assim estava anunciando projeto atrás de projeto, jogando os holofotes sobre uma personagem coadjuvante que nem conquistou tanta atenção assim.
Era aquele questionamento: “se o público está cansado da superexposição dos personagens Marvel, será mesmo que é hora de lançar uma série dedicada a uma anti-heroína da série do Gavião Arqueiro?”. Essa pergunta era – e ainda é – extremamente válida, ainda mais considerando que a própria série do arqueiro passou longe de ser um sucesso também. O problema é que esse questionamento deveria ser feito pelos executivos da Disney, não pelos fãs. Pois bem, muita água rolou desde então, alguns projetos foram adiados, o cronograma do Universo Cinematográfico Marvel foi refeito, mas a série da Eco continuou nos planos. Em meio a rumores de que Kevin Feige não teria gostado do que viu, resultando numa redução considerável do número de episódios durante as refilmagens, Eco enfim estreou e está disponível no Disney+.
Ao longo de cinco episódios, totalizando cerca de 3h30 de duração, a série fez uma trajetória tortuosa antes da estreia. Quando foi anunciada, não houve qualquer tipo de expectativa positiva acerca da produção. No entanto, o lançamento do trailer e o material promocional, ressaltando a violência extrema e a grande quantidade de sangue para o primeiro projeto feito para o público maior de 18 anos do MCU, acenderam uma chama de esperança nos fãs, além da confirmação da presença do Rei do Crime (Vincent D’Onofrio) e do Demolidor (Charlie Cox).
E não tem nada mais cruel do que acender essa esperança em cima da hora e não corresponder às expectativas criadas. Infelizmente, é o que acontece aqui. Não que a série seja ruim, mas também não é boa. Talvez se você não tiver visto nenhum trailer ou material promocional antes de conferir os episódios, consiga ter uma experiência melhor. Afinal, tudo é lucro para quem já não espera nada.
O problema é que uma série da Marvel não pode se contentar em agradar apenas quem não tem expectativas. Por decisões superiores, o ano de 2024 só terá um filme do MCU nos cinemas, que é Deadpool 3. Isso dará tempo para fazer refilmagens e acertar outros longas, além de criar um certo intervalo para que o público “sinta falta” dos heróis da casa.
Ou seja, em um ano carente desses personagens, era de se esperar que as séries de streaming trouxessem uma qualidade inquestionável, até mesmo para fazer com que os fãs colocassem fé nessa nova fase pretendida pela Marvel, que quer mostrar ao público e aos críticos que essa história de ‘fadiga dos heróis’ não passa de uma balela. Só que séries como Eco acabam justificando quem tanto critica as produções com super-heróis, porque havia, sim, um grande potencial por lá, mas foi desperdiçado em um seriado genérico que prometeu mais do que foi capaz de criar.
A questão da violência e do sangue, tão propagados pelo material promocional, realmente não justificou esse alarme criado para “a primeira série +18 do MCU”. As coreografias de luta são muito boas, mas não há nada de diferente. É tudo muito comum, com algumas breves exceções, geralmente envolvendo o Rei do Crime. Entretanto, a maior decepção foi acerca do selo Marvel Spotlight. Prometido para ser um diferencial dentre o MCU, contando histórias com maior liberdade, a primeira impressão passada é de que ele é apenas um remake da extinta parceria entre Marvel e Netflix, na década passada, que resultou nas séries que culminaram no infame Os Defensores. O que parecia ser uma inovação já se apresentou como mais do mesmo.
No que diz respeito à série em si, é meio frustrante ver como esse projeto poderia render um bom filme de 2h, mesmo que lançado diretamente no streaming. Apesar de ter potencial, a direção parece não saber como trabalhar as ideias de forma interessante para preencher esses cinco episódios. Isso afeta diretamente o ritmo da série, que fica enfadonho e inconstante. A situação desaponta ainda mais depois de ver o último episódio. Ele é realmente muito bom e aborda de forma cativante as origens indígenas da Eco e sua relação conturbada com o Rei do Crime.
Se toda a série tivesse o ritmo e a objetividade desse episódio final, estaria rasgando elogios a ela neste exato momento. Isso porque a cultura indígena norte-americana é riquíssima e tem elementos visuais que poderiam render uma produção inigualável para o Universo Cinematográfico Marvel. Só que ficou tudo no “mais do mesmo”. Tanto que os momentos mais interessantes da série são realmente quando eles fogem do óbvio. O terceiro episódio começa a contar parte do passado da família Lopez como um filme de bangue-bangue. O primeiro capítulo já começa exaltando a tradição indígena de passar histórias e lendas por meio do diálogo, além de trazer outros heróis. São esses poucos momentos que agradam e irritam na mesma proporção, porque mostram que a série poderia ser muito mais.
Quem se salva no quesito decepção é Vincent D’Onofrio. Como dito no texto de primeiras impressões, o ator é uma dos maiores acertos de todo o MCU. Seu Rei do Crime é ameaçador mesmo sem fazer nada. E aqui, em alguns raros momentos, ele se mostra um personagem complexo e ambíguo. A forma como ele é capaz de manipular as pessoas ao seu redor é impressionante e magistralmente conduzida pela atuação fora de série de Vincent, que segue agregando ao vilão. E a cena pós-créditos do capítulo final mostra que a Marvel tem grandes planos para ele no futuro do MCU ao adaptar um dos arcos mais promissores de um malfeitor neste universo compartilhado.
Já Maya Lopez, nossa protagonista, não consegue cativar tanto assim. E não é nem culpa da atriz Alaqua Cox, que tenta trazer algum tipo de profundidade para a personagem. O problema está no roteiro, incapaz de resolver os conflitos internos da personagem ao longo de quatro episódios, transformando-a num poço de confusão que magicamente se acerta com tudo e todos no quinto e último capítulo. Não dá para saber os reais sentimentos dela por ninguém, porque a série trata seus familiares como meros coadjuvantes, relegando a maioria deles o papel de alívio cômico, enquanto tenta fazer um suspense sobre Maya ser ou não descendente dos místicos indígenas interdimensionais, sendo que fica nítido desde a primeira aparição deles que serão os antepassados da protagonista.
No fim das contas, Eco é uma série que sai de nada e vai para lugar nenhum, como teoricamente seria a proposta do Marvel Spotlight, mas não consegue valorizar sua própria jornada. É um seriado que esbarra na própria falta de ambição, criando episódios não necessariamente ruins, só que não bons o bastante para entreter ou marcar o público, sendo o momento mais empolgante justamente a cena pós-créditos que fala mais sobre o vilão do que a protagonista.
Agora, fica a expectativa para que Eco não faça a Marvel acreditar que o público não tem interesse por histórias indígenas, porque se tem uma coisa que a segunda temporada de What If…? mostrou com sua Kahhori é que os povos nativo-americanos têm muita história a contar nesse universo ainda.
Eco está disponível no Disney+ e no Star+.