quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | ‘Entrevista com o Demônio’ é envolvente e bem articulado, mas tem um final frustrante

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Percebe-se que, nos últimos anos, o terror está passando por uma ressurgência de um de seus subgêneros mais adorados – o horror demoníaco. Recentemente, tivemos títulos como ‘A Morte do Demônio’, ‘A Freira’, ‘Imaculada’ e ‘A Primeira Profecia’ trazendo de volta o sobrenatural e o inexplicável para as telonas, apostando fichas em narrativas com altíssimo potencial que, falhando ou não, revelaram o apreço dos espectadores por esse tipo de enredo. E é a partir daí que os diretores Colin Cairnes e Cameron Cairnes deram vida ao ambicioso Entrevista com o Demônio, estrelado por ninguém menos que David Dastmalchian em um de seus melhores papéis.

A princípio, é preciso afirmar que o projeto é um dos mais metadiegéticos da década e aposta fichas em uma convergência entre programa de entrevistas e found-footage que explica a curta duração da obra. A trama acompanha um apresentador de talk show chamado Jack Delroy (Dastmalchian), que uniu seu desejo pela fama e pelo sucesso crítico e comercial ao estrelar o programa Night Owls with Jack Delroy. Caindo imediatamente no gosto dos espectadores e da crítica e, em pouco tempo, tornando-se um dos nomes mais conhecidos da televisão da década de 1970, Jack percebe que ainda tem trabalho ao fazer para superar seu colega de profissão, Johnny Carson, e sagrar-se como o rei do horário nobre. E, a partir daí, a história nos transporta para uma espécie de documentário falso que é reavido e que explora um dos episódios mais controversos do entretenimento norte-americano – cujo título é emprestado do próprio longa-metragem.



Entrevista com o Demônio

Tendo a duração e o formato de um programa de variedades, o capítulo em questão foi ao ar no Halloween de 1977, em um especial que traria performances arrepiantes do oculto e a presença de uma parapsicóloga, a Dra. June Ross-Mitchell (Laura Gordon), e de seu objeto de estudo, a jovem Lilly (Ingrid Torelli) – que foi a única sobrevivente do massacre promovido pelo líder satânico Szandor D’Abo, líder da Igreja de Abraxas. E, obviamente, os irmãos Cairnes deixariam o melhor para o final, promovendo algumas sutis referências que nos preparam para a reviravolta e para como o episódio causaria controversa considerável por parte de todos que lhe assistiram.

É necessário mencionar o cuidado estético dos cineastas, em comunhão com uma irretocável fotografia assinada por Matthew Temple. Como bem sabemos, o found footage é um recurso utilizado há bastante tempo na sétima arte, ganhando popularização com o icônico ‘A Bruxa de Blair’ e sofrendo constantes remodelações com o passar do tempo (incluindo as ótimas investidas de ‘Amizade Desfeita’, ‘Buscando…’ e ‘Cuidado com Quem Chama’. Aqui, esse estilo é acompanhado de uma identidade nostálgica, seja na perfeita escolha dos figurinos (com os ternos tweed e as saias abaixo do joelho) e dos cenários práticos, por assim dizer, além do background social de desamparo e desesperança que se alastrava pelos Estados Unidos com a onda conservadora contra elementos midiáticos que poderiam ameaçar a integridade individual. As engrenagens unem-se umas às outras e oscilam entre o microcosmos do programa em si e as “inéditas” gravações de bastidores que fornecem mais profundidade e dinamismo às relações delineadas.

Entrevista com o Demônio

Nesse tocante, Dastmalchian é nosso foco de principal atenção ao interpretar Jack: entregando-se de corpo e alma ao papel, ele, aos poucos, vai revelando os traumas que carrega desde a inexplicável morte da esposa, a atriz Madeleine Piper (Georgina Haig), e sua afiliação a uma misteriosa seita só para homens que se esconde nas florestas. O público, dessa forma, é engolfado em um meticuloso estudo de personagem, descobrindo as insanas camadas que permeiam a psique do protagonista. Gordon também faz um ótimo trabalho como a Dra. June, mas é Torelli quem rouba a atenção ao pegar páginas emprestadas, por exemplo, da performance de Linda Blair em ‘O Exorcista’, ao ser usada como um “rato de laboratório” para puro entretenimento escapista (que, obviamente, sai do controle de todos).

Ian Bliss é outro nome que imediatamente toma conta do palco do programa desde o momento em que aparece. Na trama, ele dá vida a Carmichael Haig, um famoso mágico que entrou para o movimento do ceticismo ao desmascarar charlatões que apenas queriam se aproveitar da boa índole das pessoas – baseando-se em James Randi e tornando-se um odioso “antagonista” cujo destino é selado desde o começo. E, enquanto os personagens têm arcos bem construídos, com direito a uma incursão mais cômica através de Rhys Auteri como o braço-direito de Jack, Gus, os obstáculos ganham força nos dez minutos finais da obra.

Entrevista com o Demônio

De fato, não podemos apagar a beleza e a ambição de Entrevista com o Demônio que se estende pela primeira hora de filme – mas toda a atmosfera de tensão trabalhada com cautela e minúcia logo se rende aos convencionalismos de gênero e a fórmulas cansativas, principalmente na reviravolta final e na concretização do que o projeto vinha nos preparando desde o princípio. Em outras palavras, a obra promove um movimento inconsciente de queda em vez de prezar pela ascensão, tropeçando em uma conclusão anticlimática que nos deixa com um gostinho agridoce de frustração e de incompletude.

Não entendam errado, o filme não é ruim, por assim dizer, mas deu um passo maior que a perna ao não cumprir com as expectativas fomentadas por uma identidade cobiçosa, que beira a ganância. Sem sombra de dúvida, conseguimos aproveitar os dois primeiros atos da obra, navegando por reflexões sagazes e instigantes – porém, isso não muda o fato de que o final poderia ter sido muito mais bem estruturada.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A princípio, é preciso afirmar que o projeto é um dos mais metadiegéticos da década e aposta fichas em uma convergência entre programa de entrevistas e found-footage que explica a curta duração da obra. A trama acompanha um apresentador de talk show chamado Jack Delroy (Dastmalchian), que uniu seu desejo pela fama e pelo sucesso crítico e comercial ao estrelar o programa Night Owls with Jack Delroy. Caindo imediatamente no gosto dos espectadores e da crítica e, em pouco tempo, tornando-se um dos nomes mais conhecidos da televisão da década de 1970, Jack percebe que ainda tem trabalho ao fazer para superar seu colega de profissão, Johnny Carson, e sagrar-se como o rei do horário nobre. E, a partir daí, a história nos transporta para uma espécie de documentário falso que é reavido e que explora um dos episódios mais controversos do entretenimento norte-americano – cujo título é emprestado do próprio longa-metragem.

Entrevista com o Demônio

Tendo a duração e o formato de um programa de variedades, o capítulo em questão foi ao ar no Halloween de 1977, em um especial que traria performances arrepiantes do oculto e a presença de uma parapsicóloga, a Dra. June Ross-Mitchell (Laura Gordon), e de seu objeto de estudo, a jovem Lilly (Ingrid Torelli) – que foi a única sobrevivente do massacre promovido pelo líder satânico Szandor D’Abo, líder da Igreja de Abraxas. E, obviamente, os irmãos Cairnes deixariam o melhor para o final, promovendo algumas sutis referências que nos preparam para a reviravolta e para como o episódio causaria controversa considerável por parte de todos que lhe assistiram.

É necessário mencionar o cuidado estético dos cineastas, em comunhão com uma irretocável fotografia assinada por Matthew Temple. Como bem sabemos, o found footage é um recurso utilizado há bastante tempo na sétima arte, ganhando popularização com o icônico ‘A Bruxa de Blair’ e sofrendo constantes remodelações com o passar do tempo (incluindo as ótimas investidas de ‘Amizade Desfeita’, ‘Buscando…’ e ‘Cuidado com Quem Chama’. Aqui, esse estilo é acompanhado de uma identidade nostálgica, seja na perfeita escolha dos figurinos (com os ternos tweed e as saias abaixo do joelho) e dos cenários práticos, por assim dizer, além do background social de desamparo e desesperança que se alastrava pelos Estados Unidos com a onda conservadora contra elementos midiáticos que poderiam ameaçar a integridade individual. As engrenagens unem-se umas às outras e oscilam entre o microcosmos do programa em si e as “inéditas” gravações de bastidores que fornecem mais profundidade e dinamismo às relações delineadas.

Entrevista com o Demônio

Nesse tocante, Dastmalchian é nosso foco de principal atenção ao interpretar Jack: entregando-se de corpo e alma ao papel, ele, aos poucos, vai revelando os traumas que carrega desde a inexplicável morte da esposa, a atriz Madeleine Piper (Georgina Haig), e sua afiliação a uma misteriosa seita só para homens que se esconde nas florestas. O público, dessa forma, é engolfado em um meticuloso estudo de personagem, descobrindo as insanas camadas que permeiam a psique do protagonista. Gordon também faz um ótimo trabalho como a Dra. June, mas é Torelli quem rouba a atenção ao pegar páginas emprestadas, por exemplo, da performance de Linda Blair em ‘O Exorcista’, ao ser usada como um “rato de laboratório” para puro entretenimento escapista (que, obviamente, sai do controle de todos).

Ian Bliss é outro nome que imediatamente toma conta do palco do programa desde o momento em que aparece. Na trama, ele dá vida a Carmichael Haig, um famoso mágico que entrou para o movimento do ceticismo ao desmascarar charlatões que apenas queriam se aproveitar da boa índole das pessoas – baseando-se em James Randi e tornando-se um odioso “antagonista” cujo destino é selado desde o começo. E, enquanto os personagens têm arcos bem construídos, com direito a uma incursão mais cômica através de Rhys Auteri como o braço-direito de Jack, Gus, os obstáculos ganham força nos dez minutos finais da obra.

Entrevista com o Demônio

De fato, não podemos apagar a beleza e a ambição de Entrevista com o Demônio que se estende pela primeira hora de filme – mas toda a atmosfera de tensão trabalhada com cautela e minúcia logo se rende aos convencionalismos de gênero e a fórmulas cansativas, principalmente na reviravolta final e na concretização do que o projeto vinha nos preparando desde o princípio. Em outras palavras, a obra promove um movimento inconsciente de queda em vez de prezar pela ascensão, tropeçando em uma conclusão anticlimática que nos deixa com um gostinho agridoce de frustração e de incompletude.

Não entendam errado, o filme não é ruim, por assim dizer, mas deu um passo maior que a perna ao não cumprir com as expectativas fomentadas por uma identidade cobiçosa, que beira a ganância. Sem sombra de dúvida, conseguimos aproveitar os dois primeiros atos da obra, navegando por reflexões sagazes e instigantes – porém, isso não muda o fato de que o final poderia ter sido muito mais bem estruturada.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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