Zâmbia. Um país com muita natureza, entre Angola e Moçambique (dois países de língua portuguesa), na parte central da África, onde se fala um pouco de inglês, mas majoritariamente se fala o tonga. É nesse território pouco conhecido para os espectadores ocidentais que o filme ‘Eu Não Sou Uma Bruxa’ se passa, e sua história ajuda a construir um imaginário ainda mais místico e estranho.
Como em quase todos os países africanos, no vilarejo em que se passa o filme as pessoas lucram com os atrativos naturais e culturais que os turistas estrangeiros buscam ao viajar para um local tão “exótico”. E, pela ótica ficcionista do longa, esses turistas não se desapontam ao serem levados a um vilarejo onde dezenas de mulheres velhas ficam sentadas com uma fita amarrada às costas. Elas são chamadas de bruxas, e, segundo explicação do guia de turismo, elas ficam amarradas a enormes carretéis para que não saiam voando (!) por aí, nem para que se afastem para muito longe da área delimitada onde elas devem ficar, pois podem causar mal aos moradores da cidade.
Dito isto, conhecemos Shula (Maggie Mulubwa, assustadora e impassível mesmo com pouquíssimas falas), uma menina de apenas 8 anos cujo único crime é estar sozinha e aparecer de repente no caminho das pessoas. Porque ela não fala nada e apenas encara todo mundo, as pessoas se assustam com sua presença, e logo ela é conduzida à delegacia sob a acusação de bruxaria. Lá, a policial Joséphine, do 11-78, indecisa sobre o que fazer diante da situação, liga para o Oficial Banda (Henry B. J. Phiri, detestável em seu papel manipulador), que decide acreditar na versão de que a menina é de fato uma bruxa e a leva para o tal vilarejo das velhas. É bastante perturbador ver aquelas mulheres – e especialmente a menina – com um pedaço de madeira atado às costas, com uma fita que funciona como uma espécie de coleira, controlando os passos delas que, em contrapartida, são levadas para trabalhar no campo, colhendo e plantando, pelo e para o próprio Estado.
No meio disso tudo, Banda, que é Ministro do Turismo, decide que a menina é lucrativa e começa a levá-la a todos os cantos, cobrando pelos serviços que ela exerce (segundo a tradição local, para decidir uma acusação – por exemplo, de quem roubou um dinheiro – chama-se uma bruxa e ela, só de olhar, sabe dizer quem é o verdadeiro acusado). E aí vemos o outro lado do imaginário da África, que é também o de exploração dos mais fracos e do aproveitamento da crença popular para se auto beneficiar – além de questões políticas muito comuns aos brasileiros, como a corrupção, o suborno e o caixa dois.
A direção de Rungano Nyoni conduz a câmera por fotografias e ângulos belíssimos mesmo dentro de uma trama triste e incômoda, aliviando os momentos de maior tensão focando no rosto de quem observa, não na ação principal, relegando ao espectador a tarefa de imaginar o que está acontecendo.
‘Eu Não Sou Uma Bruxa’ foi o longa que representou o Reino Unido na concorrência por uma vaga ao Oscar 2019, porém, apesar de ilustrar com muita sensibilidade uma história tristíssima que se aproxima da realidade local, falta ao roteiro uma questão universal, algo que interligue o ponto levantado pelo argumento do filme à uma história cuja trama é melhor desenvolvida, menos subjetiva. A poesia, o simbolismo e o lúdico do filme são os pilares de sua construção, porém, às vezes o excesso de subjetividade leva ao distanciamento e à incompreensão.