Britney Spears é e sempre será a nossa eterna princesa do pop. Dona de hits atemporais e de álbuns que entraram para a história da música, a cantora e compositora construiu sua marca em meio a diversas adversidades e nunca teve medo de arriscar. Apesar de nem sempre assinar a composição de suas músicas, nenhuma delas seria a mesma sem a visão artística de Spears – motivo pelo qual revisitar suas produções é sempre uma viagem divertida e bastante dançante, ainda que às vezes não cumpram com as expectativas prometidas. E, numa consideração bastante árdua e que, oito anos depois, não conseguiu atingir um status cult, lidamos com a exagerada aventura intitulada ‘Britney Jean’.
Aos fãs de Britney, o disco pode ser caracterizado como uma investida subestimada e que não foi compreendida pela crítica especializada – mas como analisá-lo quando as coisas não mudaram muito? A oitava incursão de Spears reúne dezenas de produtores que parecem não entrar em consenso um com o outro – e as gravações, estendendo-se por múltiplos estúdios, são fragmentadas demais para serem compreendidas sob um mesmo espectro. Sendo honesto, esta foi a primeira vez que ouvi o álbum por completo e, com exceção de certas faixas, não tinha ideia do que me aguardava quando coloquei os fones de ouvido. Em resumo, algumas músicas são boas, mas mesmo elas demonstram uma autorrestrição da performer que já vínhamos acompanhando desde ‘Femme Fatale’ (e que não condiz com o poder que ela nos mostrara no passado).
A grande ironia que reside por trás da obra é que esta é a primeira em que Spears resolve tomar total controle dos versos, abraçando cada track e aproveitando seus recém-completados trinta anos para fazer uma declaração bem-vinda de empoderamento. Entretanto, boas intenções não são o suficiente para impedir que o resultado seja um tanto quanto datado, com progressões similares entre si e uma falta de tato no tocante à ousadia – e aqui me refiro especialmente à segunda metade do compilado, que se apaga em uma amálgama preguiçosa de auto-tunes e narrativas exploradas ad nauseam (e de forma coesa, diga-se de passagem). É claro que nem todas as canções são jogadas no lixo – e agradecemos de coração pelo fato de elas tornarem o álbum “ouvível”.
‘Britney Jean’ se inicia da maneira mais Britney que podemos imaginar – “Alien”. Ainda que a escrita das músicas não seja algo a que precisamos prestar atenção, a faixa em questão foge do convencional dentro da própria estrutura em que se respalda e é uma coesa que recupera o trabalho dance-pop de DJs como Avicii, Calvin Harris e David Guetta (e nos carrega para um refrão que rema contra a maré). “Mas as estrelas no céu parecem meu lar, leve-me para casa” é um dos brilhantes e pessoais versos, cortesia de William Orbit (uma das filiações de Madonna), transformando a iteração em algo que tem muito mais a dizer do que preza a ambiência distorcida. O mesmo acontece com a antêmica infusão sintética de “Work Bitch”, guiado pelo enredo de liberdade feminina.
Além das duas faixas supracitadas, temos talvez outras duas que ficam acima da mediocridade. “Perfume”, composta por Sia, abre portas para o synth-pop e surpreendentemente se transmuta numa power-ballad que se afasta do EDM e permite que Britney entregue vocais maduros e sem a necessidade da máscara eletrônica – algo que, devo dizer, é um dos pontos de convergência de deslizes amadores. Os sintetizadores, nesta faixa, se aglutinam a uma rendição de melancolia romântica que nos arremessa de volta para “Don’t Let Me Be the Last to Know”, por exemplo – pincelados com violoncelos, a demarcação do piano e uma retumbante repetição sonora que reflete a paranoia discriminada pela artista; e “Til It’s Gone”, uma conceitual arquitetura que bebe do avant-EDM do início da década e que continua a traçar caminhos desbravados por ‘MDNA’ e ‘ARTPOP’. Isso significa que seja boa? Deixo a pergunta para que vocês respondam.
Tudo explode em demasia cansativa – em outras palavras, a falta de uma edição mais sólida deixa que gêneros diferentes lutem entre si para ver qual carrega a maior potência. “Now That I Found You”, apesar de uma nostalgia imbatível de alguns anos, a suavidade das primeiras estrofes e a própria identidade imprimida por Spears não combina em nenhum momento (aliás, poderíamos nos deliciar apenas com o refrão instrumental, nos esquecendo de qualquer outro elemento que aparece na faixa); “It Should Be Easy”, “Tik Tik Boom” e “Body Ache” formam o trio das criações que, caso tivessem abraçado o camp como prometeram, seriam ótimas – mas nenhuma delas sabe em que direção seguir. “Don’t Cry” e “Brightest Morning Star” também seriam melhor aproveitadas se apostassem fichas na vulnerabilidade da cantora. E, por fim, temos a inexplicável existência do dueto “Chillin’ With You”.
‘Britney Jean’ não faz jus à aplaudível carreira de Britney Spears – e, por essa razão, é o pior álbum de sua discografia. Não podemos tirar mérito das tentativas em entregar algo diferente, mas a pressa e a falta de cautela para tratar as músicas foram os grandes inimigos do que poderia ser uma obra-prima da princesa do pop (infelizmente).
Nota por faixa:
1. Alien – 4,5/5
2. Work Bitch – 5/5
3. Perfume – 3,5/5
4. It Should Be Easy (feat. will.i.am) – 1/5
5. Tik Tik Boom (feat. T.I.) – 1/5
6. Body Ache – 1/5
7. Til It’s Gone – 3/5
8. Passenger – 1,5/5
9. Chillin’ with You (feat. Jamie Lynn) – 0,5/5
10. Don’t Cry – 1/5
11. Brightest Morning Star – 2/5
12. Hold On Tight – 4/5
13. Now That I Found You – 3/5
14. Perfume (The Dreaming Mix) – 2,5/5