Os Estados Unidos possuem alguns dos casos mais atrozes de assassinatos em séries. Com listas intermináveis, muitos destes serial killers chegaram até a ser analisados no excelente programa Índice de Maldade, do canal Investigação Discovery. Sempre alvos da opinião pública e do interesse geral, eles fazem parte de capítulos dolorosos da história norte-americana. Um deles talvez seja o mais intrigante de todos. Ted Bundy, de feições finas, corpo enxuto e cabelos castanhos ondulados, não seria o típico assassino caricato. Carismático e belo, ele atraiu 30 vítimas para o canto da morte, abusando e desfigurando mulheres inocentes que mal algum viam no rapaz. Sua história ganhou repercussão nacional e chega ao Festival de Sundance 2019 em Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile.
Dirigido por Joe Berlinger, a produção direciona seu foco para o psicopata, apresentando-o inicialmente como uma figura paterna dócil e adorável, ilustrando seus passos e comportamento de maneira extremamente sutil. Até demais. Pela interpretação de Zac Efron, somos apresentados a um personagem quase enigmático. Suas práticas criminosas são pinceladas no roteiro de Michael Werwie, que esquece de todas as vítimas, fazendo delas apenas uma nota de rodapé ao final do longa. O filme não é de todo ruim, mas perde a oportunidade de honrar as mais de 30 mulheres estupradas por Bundy, reduzindo-as a efêmeros registros que passam despercebidamente diante das telas.
É até compreensível que Berlinger opte por dissecar a mente criminosa de Bundy, tornando-o o centro da narrativa. Índice de Maldade fez isso muito bem com tantos serial killers e serviria de referência com facilidade. Também à frente da série documental da Netflix, Conversas Com um Assassino: As gravações de Ted Bundy, o cineasta dedicou uma parte considerável de seus esforços para esmiuçar esse enigmático criminoso, o que poderia servir como base para construção da psicopatia do personagem. No entanto, ao partir para sua versão fictícia, Extremely Wicked beira o desserviço, caracterizando porcamente a figura chave do filme, regendo o longa apenas em torno do sádico carisma de Bundy.
Para dificultar ainda mais, Zac Efron é uma frustração diante das telas, um “quase lá”. Estigmatizado como sendo o garoto bonito que atrai as atenções nas telas, ele não passa desse estereótipo, não se desafiando de maneira alguma na construção conceitual e estrutural do personagem. Infelizmente, fica claro que sua escolha para o papel segue a mesma nomenclatura das anteriores: escolhido pela beleza e pela popularidade de seu nome entre as mulheres. Pelas características do ator, Ted Bundy é “apenas” um jovem cativante que maquia sua psicopatia. Preguiçosa, sua atuação é extremamente blasé e ignora o argumento fundamental que fez de Bundy o tema do filme, que nada mais é o fato de ele ter se tornando um dos serial killers mais emblemáticos da história moderna.
Com uma narrativa intrinsecamente regida por Ted Bundy e seu comportamento, Extremely Wicked poderia até subir no conceito, se Efron tivesse sido capaz de suportar a produção em seus ombros. Como um filme totalmente focado na humanidade (ou falta dela) dos personagens, a expectativa seria de que seus atores correspondessem à pressão de estrelar um longa sem alegorias e aspectos carnavalescos. Mas novamente, o drama biográfico falha nesse sentido, passando nas telonas como apenas uma rápida memória de uma história que é tão incapaz de conquistar a audiência quanto é de mudar a percepção de gerações que cresceram ovacionando um cruel assassino.
Tentando trazer um sopro de vida final nos instantes que nos encaminham para o encerramento do filme, Efron finalmente mostra a que veio, em um monólogo que encerra sua jornada. No entanto, após 1h30 de projeção, quem se importa? Vítimas foram desonradas, o passado não fora remediado e Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile entra para a lista de possíveis obituários do cinema. Uma pena, Berlinger quase chegou lá.