Cuidado: spoilers à frente.
O texto a seguir discorre sobre o primeiro episódio da 2ª temporada.
O cenário do entretenimento tem uma maneira bastante peculiar de se comportar, percebendo as variações de gostos e apreços do público para remodelar o mercado como bem entende. Não é surpresa que, desde meados da década passada, o show business vem passando por um índice elevado de adaptações de games, como foi o caso de ‘Tomb Raider’, ‘The Witcher’, ‘The Last of Us’ e ‘Minecraft’. Enquanto algumas acertaram em cheio e conquistaram a crítica e os espectadores, outras falharam em capturar a essência das obras originais e não justificaram a própria existência. Felizmente, ‘Fallout’ pertence ao primeiro grupo.
O remake seriado do Prime Video estreou em 2023 e, em pouco tempo, sagrou-se uma das melhores releituras de jogos para o audiovisual, construindo uma história sólida e envolvente em cima de um universo pós-apocalíptico e retrofuturista que critica a contínua corrida nuclear que se estende pelo mundo. Contando com nomes como Ella Purnell, Walton Goggins e Aaron Moten, a temporada de estreia tornou-se um sucesso inimaginável, culminando em um grande finale que preparou terreno para um segundo ciclo inspirado no quarto jogo da franquia principal, ‘Fallout: New Vegas’. E, ao estrear na plataforma de streaming neste último dia 16 de dezembro, os showrunners Graham Wagner e Geneva Robertson-Dworet reiteraram o motivo dos fãs adorarem essa produção.
Para aqueles que não se recordam, o ciclo de estreia terminou com um reencontro entre Lucy (Purnell) e Maximus (Moten), que estavam juntos desde que se conheceram nos ermos e desenvolveram uma profunda relação romântica interrompida por um ataque inesperado, com Lee (Sarita Choudhury) e Hank (Kyle MacLachlan). Lee revelou a Lucy que Hank estava envolvido no ardiloso plano da Vault-Tec, a companhia de tecnologia que domina os Estados Unidos com suas invenções, de causar uma guerra nuclear no mundo a fim de que ele seja reconstruído a seu bel-prazer. Hank é interceptado pelo Necrótico (Goggins), que finalmente o encontra para descobrir onde a esposa e a filha estão, mas consegue fugir após balear Maximus – levando Lucy e o Necrótico em uma busca interminável para encontrá-lo.
Agora, adentramos a segunda temporada – que se inicia com uma potente cena liderada por ninguém menos que Justin Theroux. O astro havia sido confirmado há alguns meses no elenco, interpretando o verdadeiro Robert Edwin House, CEO das Indústrias RobCo que utilizou uma espécie de dublê que o representasse na iteração anterior (vivido por Rafi Silver). A sequência em questão nos dá o tom derradeiro e perigoso dos próximos episódios ao apresentar House como um calculista e impiedoso magnata que desenvolveu um chip de controle cerebral e esteve ativamente envolvido com os ataques nucleares que destruíram o planeta.
Logo de cara, o antagonista emerge como fio condutos da jornada que Lucy e o Necrótico irão enfrentar. Afinal, a improvável dupla parte em uma missão para garantir que Hank pague pelo que fez e revele os segredos que sabe sobre a Vault-Tec e os planos para o futuro da Terra – enquanto esquadrinham um território desconhecido conhecido como Nova Vegas (uma versão apocalíptica da outrora vibrante Las Vegas). Conforme entram na perigosa cidade, os dois começam a ter um pouco mais de entendimento do que os espera – incluindo experimentos com o chip já mencionado que estão atados a uma artimanha problemática.
O capítulo de reestreia acerta ao trazer mais destaque aos núcleos de Lucy e o Necrótico, Hank e até mesmo Norm (Moisés Arias), que permanece preso no Cofre 21 ao lado de um robô senciente que tenta convencê-lo a entrar em uma das câmaras criogênicas – e que culmina em uma atitude inesperada que acorda todos os executivos-júnior da Vault-Tec de uma só vez, prenunciando um caos político e bélico que terá peso significativo no desenrolar da narrativa. E, considerando que apresentações são desnecessárias, há espaço de sobra para explorar enredos secundários, principalmente entre os protagonistas, para fornecer mais complexidade e nos deixar ainda mais instigados para um prospecto derradeiro e melancólico.
Algumas escolhas soam descartáveis, em especial quando o foco se destina a núcleos coadjuvantes que não trazem o teor de que precisávamos para o primeiro episódio da nova temporada; todavia, o comprometimento estético e quase conspiratório que permeia tanto o roteiro assinado pela dupla de showrunners quanto a sólida direção de Frederick E. O. Toye é forte o suficiente para garantir um aproveitamento máximo do elenco, com menções óbvias a Purnell, Goggins e MacLachlan, e dar as cartas de um jogo que apenas começou.
‘Fallout’ retorna com antecipação inescapável pelos assinantes do Prime Video e cumpre com o prometido ao manter o altíssimo nível de qualidade do ciclo predecessor, ampliando o universo dos games ao traduzi-los para uma carta de amor não apenas a essa subestimada arte, mas às eternizadas histórias sobre a desmedida ambição humana cujos corolários envolvem nada além de guerra, destruição e barbárie.