Em ‘O Poderoso Chefão’ conhecemos a família Corleone, e o jeito (torto) de eles resolverem tudo na base da violência alegando a família como motivação. A mesma vibe pode ser enxergada na franquia ‘Velozes e Furiosos’, que começa com uma competição de corrida de rua mas se transforma em algo maior, onde os competidores constroem vínculos afetivos que os torna, como diz Toretto, o protagonista, uma família. A ideia de família vem se ampliando no cinema, trazendo retratos diferentes daqueles convencionalmente compreendidos, e um novo olhar sobre esse conceito é trazido no filme japonês ‘Família’, drama que chega essa semana ao circuito exibidor.
Seiji Kamiya (Kôji Yakusho, do indicado ao Oscar ‘Dias Perfeitos’) é um senhor viúvo que vive na região mais rural de Kyoto, trabalhando calmamente fazendo cerâmicas que, reconhece, não dá dinheiro. Quando seu filho Satoru (Ryô Yoshizawa, de ‘Kamen Rider’) o visita depois de muito tempo vivendo na Argélia, onde trabalha, Seiji fica feliz, principalmente porque o filho anuncia seu noivado com Naida (Malyka Ali). A breve temporada de reconexão pai-filho é interrompida com a repentina aparição no meio da noite de Marcos (Lucas Sagae), jovem imigrante brasileiro que está sendo perseguido por uma gangue ligada à yakuza. Comovido, Seiji decide ajudar o jovem em apuros, e essa pequena gentileza irá unir os destinos de todos esses personagens para sempre.
O roteiro original de Kiyotaka Inagaki debruça um olhar atento para as relações interculturais que ocorrem naquela região do Pacífico: por um lado, mostra um Japão para além da grande metrópole frenética; por outro, mostra a realidade de imigrantes não-asiáticos num país onde pessoas com traços ocidentais são a minoria; por outro, também mostra como as atuais gerações de jovens estão procurando trabalho em países estrangeiros e, por conta disso, também estão se relacionando com pessoas de outras culturas.
Todas essas relações interpessoais são finamente retratadas no filme de Izuru Narushima, que demora o tempo necessário para que os personagens se apresentem no enredo. Aliás, o tempo é um marcador fundamental na história de ‘Família’, não só porque dura duas horas o longa, mas principalmente pelo contraste dos tempos entre a vida do protagonista Seiji e o núcleo de brasileiros, marcado pelo corre-corre. Aqui no Brasil, aliás, ver ‘Família’ é uma experiência interessante, pois o filme começa com diálogos em português legendados, o que pode parecer estranho, mas democratiza melhor a compreensão do filme. Também chama a atenção a desenvoltura da atriz Fadile Waked, que apresenta uma personagem brasileira (Erica) que consegue falar perfeitamente o português brasileiro e também o japonês, além de já incorporar os trejeitos do país onde nasce o sol.
Para aqueles que amaram o ‘Dias Perfeitos’ de Wim Wenders, que fez todo mundo se apaixonar por aquele sujeito simples que encontrava amor no cotidiano mesmo limpando banheiros públicos no Japão, o filme ‘Família’, estrelado pelo mesmo Kôji Yakusho, traz um personagem bem parecido, que tenta encarar os desafios da vida de maneira resiliente na rotina de cerâmica, que exige paciência e dedicação.
‘Família’ traz as múltiplas formas de se relacionar no mundo contemporâneo, em relações nem sempre consanguíneas, nem sempre perfeitas, nem sempre planejadas. Um filme que emociona e faz refletir, encabeçado pelo sempre ótimo Kôji Yakusho.