Donas de Casa, Máfia e E.T.s
The Ballad of Buster Scruggs, o novo longa dos irmãos Coen, é o primeiro filme que os diretores comandam para a TV – a ser lançado pela Netflix em meados de novembro. Anteriormente, pensado como uma série de antologia, o faroeste acabou se tornando um longa de um pouco mais de duas horas, mas manteve seu formato episódico, retratando micro histórias interligadas pelo mesmo personagem. Esta, no entanto, não é a primeira investida dos Coen em um seriado. E aqui daremos continuidade à nossa análise de Fargo: A Série, focando agora na segunda temporada.
Todas as três temporadas do programa de antologia produzido pela MGM e o canal FX estão disponíveis na Netflix. A quarta temporada já recebeu sinal verde, com estreia programada para 2020 e Chris Rock contratado como protagonista. Abaixo você pode relembrar nossa análise da Primeira Temporada.
Fargo: A Série – Análise da Primeira Temporada
Quando escrevi sobre o primeiro ano do programa – que foi ao ar originalmente em 2014 – citei suas semelhanças com o filme homônimo dos Coen e uma possível maior liberdade em relação a se contar uma história completamente nova. Bem, talvez isso só ocorra verdadeiramente com a terceira temporada, porque nesta segunda ainda existem fortes laços com a original – elos estes que só irei mencionar ao final do texto por motivos de spoilers.
Para todos os efeitos, aqui temos apresentada uma nova trama, passada em março de 1979 – o que faz deste segundo ano uma pré-sequência se formos levar em conta a ordem cronológica. Como sabido também, Fargo é uma série de antologia, um formato que tem ganhado cada vez mais força e preferência dos fãs (como este que vos fala). A antologia geralmente dura apenas uma temporada, ou no caso de programas como Black Mirror, um episódio. Assim, não temos chance de ver estragadas ótimas séries.
Aqui, a protagonista e estrela é Kirsten Dunst, em seu primeiro trabalho em uma série de TV. A atriz interpreta Peggy Blumquist, cabeleireira num salão de uma pequena cidadezinha gelada do meio oeste norte-americano. Como na anterior, a segunda temporada conta com 10 episódios e chegou logo no ano seguinte de sua antecessora. Novamente, o clima gélido faz parte da trama, assim como os sotaques e costumes interioranos. A Peggy de Dunst é uma mulher comum, casada e com sonhos maiores do que passar o resto de sua vida em seu emprego. Para isso, ela coleciona revistas de moda e constantemente pensa em fazer cursos que a elevem profissionalmente.
O companheiro da protagonista é o boa-praça Ed, o açougueiro local. O personagem é interpretado por Jesse Plemons, que na vida real se tornou companheiro de Dunst igualmente. Além deste núcleo, temos melhor definidas as atividades criminosas, providas pela família Gerhardt. Outra vez, a temporada usa como base acontecimentos reais, modificando os nomes dos evolvidos. Essa família de mafiosos toda poderosa está no auge, mas assim que começamos a temporada esta estrutura começa a ruir aos poucos. O primeiro passo rumo ao declínio é a invalidez do patriarca Otto Gerhardt (Michael Hogan), que sofre um derrame e deixa o topo da cadeia alimentar. O tempestuoso Dodd (Jeffrey Donovan), seu filho – funcionando aqui como o Sonny Corleone da família -, está louco para assumir, mas quem senta no trono é sua mãe, a matrona Floyd (Jean Smart).
Os dois núcleos começam a se aproximar quando Peggy acidentalmente atropela alguém ligado à família. Esta pessoa de importância faz falta para os Gerhardt, que começam a seguir pistas de seu desaparecimento. Por outro lado, Peggy e Ed resolvem dar sumiço ao acidentado, encobrindo o crime e, igualmente, a cada novo passo se metendo até o pescoço em problemas maiores do que podem compreender. Esta mudança na dinâmica é muito interessante, ao invés de termos um crime premeditado – como na temporada anterior e no filme -, temos um pobre casal desesperado para se desvincular o mais rápido possível de um acidente fatal. Existe muito subtexto aqui e diversas interpretações de como as insatisfações de Peggy, em estar presa a um casamento sem viver sua própria vida, a fazem constantemente meter Ed em encrencas cada vez maiores – as quais por amor ele resolve das piores formas possíveis.
No meio disso tudo temos os cidadãos locais e, é claro, a força policial – o que seria de Fargo sem a polícia? Aqui, no entanto, nada de policiais atrapalhados ou considerados ineficientes. Patrick Wilson, da franquia Invocação do Mal, é o principal agente da lei na pele de Lou. Trabalhando lado a lado com ele, seu sogro, papel do veterano Ted Danson. Cabe aos agentes investigarem esta estranha conexão e tentarem remediá-la da melhor forma possível.
A segunda temporada de Fargo capricha mais na ação – já que aqui temos criminosos profissionais como grande parte dos personagens e da trama. São cenas plenamente confeccionadas, tiroteios e momentos puramente cinematográficos. Muitos destes trechos mais sangrentos são personificados por Hanzee Dent (papel de Zahn McClarnon), silencioso e letal nativo-americano acolhido pela família mafiosa, que guarda traços fortemente semelhantes a Anton Chigurh, personagem aterrorizante de Javier Bardem em Onde os Fracos Não Tem Vez (2007). As semelhanças são tantas que aqui é recriada uma cena exata, quando o assassino é encurralado e precisa saltar para trás de um carro estacionado no meio da chuva de balas.
No terreno das atuações mais uma vez existe grande coesão do elenco. O destaque é de Dunst, que se empenha e sobressai em seu retrato da mulher ingênua, perspicaz, sortuda e à beira da loucura. Uma grata surpresa é a revelação da belíssima e sensual Rachel Keller, que vive Simone Gerhardt, a filha rebelde de Dodd. Existe grande dualidade na personagem e seus ideais erráticos.
A segunda temporada de Fargo é quase tão boa quanto a primeira, embora supere sua predecessora em determinados quesitos. No entanto, o maior pecado do segundo ano é o excesso, seja da violência, da ação ou de momentos surreais. Mais uma vez repetindo, nada que estrague a experiência desta que é definitivamente uma das melhores séries da atualidade, vencedora de 3 prêmios no Globo de Ouro e que consta como número 24 na lista dos melhores programas televisivos de todos os tempos na opinião do grande público.
SPOILERS ABAIXO – LEIA POR SUA CONTA E RISCO
Como dito, existe uma forte ligação entre a primeira e a segunda temporada. Este elemento surge de forma surpresa e muito criativa, apenas adicionando ainda mais sabor à experiência deste grande marco da TV. Nos fazendo completamente de trouxa – ou pelo menos aos mais distraídos – os realizadores narram diante de nossos olhos, a infância de Molly Solverson, a policial vivida por Allison Tolman na primeira temporada. Aqui, ainda uma criança, acompanhamos o tempo em que seu pai, Patrick Wilson (sim, isso mesmo!), interpretado por Keith Carradine na primeira temporada – depois de ter se aposentado – agia como policial. Ao invés de retratar uma história do passado já muito sabida, como algumas prequels costumam fazer (vide Star Wars e o recente Mamma Mia 2), aqui temos desvendada uma trama da qual não fazíamos ideia.
Outro aspecto pra lá de curioso são os contatos imediatos do terceiro grau. Isso mesmo, você leu certo. Ao longo da temporada, ganhamos pequenas pistas de um local constantemente visitado por alienígenas. Placas nas paredes, panfletos e até mesmo luzes estranhas no céu, com alguns personagens vislumbrando rapidamente situações estranhas. Porém, nada nos prepararia para o fantástico desfecho da temporada. Durante um tiroteio, quando os mafiosos atacam o motel de beira de estrada e começam uma verdadeira guerra com a polícia, um grande disco voador (também conhecido como nave espacial) surge, tirando todos do sério, salvando alguns, causando a morte de outros, simplesmente por sua presença imponente e repleta de luzes ofuscantes. Esta decisão, embora curiosa e inovadora, aproxima o programa mais de algo como Arquivo X ou até mesmo Twin Peaks – terminando por deixar Fargo, como conhecemos, levemente descaracterizado.
Nos conte abaixo o que achou desta temporada e aguarde, em breve nossa análise da terceira temporada.