segunda-feira , 4 novembro , 2024

Crítica | Feitiço – O filme de TERROR que a gente precisava desde ‘Corra!’

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Desde que o grande público assistiu a obra-prima de Jordan Peele, ‘Corra!’, nós ficamos no aguardo de uma outra produção que aprofundasse a essência da cultura negra estadunidense com todo o esplendor que tanto assustava o povo nórdico daquele país. Bom, finalmente esse filme chegou, e se chama ‘Feitiço’, uma produção da Paramount que pode ser assistida por aluguel sob demanda no Youtube.

Marquis T. Woods (Omari Hardwick) é um advogado bem-sucedido que vive na cidade grande rodeado de luxo e conforto. Um dia um telefonema abala sua rotina: seu pai acaba de falecer, só que Marquis tem um passado traumático com seu progenitor, pois o pai costumava bater nele e forçá-lo a seguir a religião vudu. Assustado, Marquis saiu de casa aos quatorze anos e nunca mais voltou, porém, diante da morte do pai, sua esposa, Veora (Lorraine Burroughs), sugere que eles viagem até sua cidade natal junto com os filhos, Samsara (Hannah Gonera) e Tydon (Kalifa Burton), para prestar as últimas homenagens ao homem. Porém, a viagem gradativamente se torna um grande pesadelo quando forças ocultas começam a atuar no destino dessa família.

Se por um lado em ‘Corra!’ o embate principal era o racismo estrutural, que fazia com que os personagens brancos se achassem no direito de se apossar dos corpos das pessoas pretas, em ‘Feitiço’ o elenco é todo preto – e só essa mudança já faz toda a diferença na estética do longa. Além disso, o filme aborda exatamente o que faltou na produção estrelada por Daniel Kaluuya: o ocultismo aterrorizante dos rituais de vudu. Através das personagens Eloise (Loretta Devine, muitíssimo bem no papel, roubando a cena todas as vezes) e Earl (John Beasley) – um casal de senhores simpáticos – o espectador é intimado a mergulhar nesse mundo que está para além do controle e da percepção humana. Nesse aspecto, ‘Feitiço’ se apropria muito bem do medo da outridade para gerar o terror psicológico inerente nas pessoas que não conhecem essa religião.

Por outro lado, esse mesmo ponto positivo também pode ser mal interpretado: em tempos de intolerância religiosa, construir um filme de terror cujo objeto do medo é justamente a religião pode acabar reforçando a ideia de que as religiões de matriz africana são todas demoníacas. Esse é um tema muito delicado, que precisa ser abordado com cautela.

O roteiro de Kurt Wimmer é bem elaborado, porém deixa algumas pontas soltas e cenas mal explicadas, que geram confusão na interpretação do espectador. Ao tentar ser muito subjetivo na abordagem do Boogity – a técnica de construção de bonecos nos quais projetamos tudo de bom e de ruim para que o mesmo aconteça com a pessoa a quem ele representa –, dos feitiços e do vudu, o grande público, desconhecedor dessa cultura, pode acabar boiando em pontos chave da trama, especialmente em cenas que propositalmente os personagens voltam atrás só para dar solução ao enredo.

Dirigido por Mark Tonderai (de ‘Locke & Key’ e ‘The Five’, séries da Netflix), ‘Feitiço’ é um ótimo filme de terror: assusta, traz um frescor para o gênero e ainda deixa ponta a possíveis continuações. Oba!

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Marquis T. Woods (Omari Hardwick) é um advogado bem-sucedido que vive na cidade grande rodeado de luxo e conforto. Um dia um telefonema abala sua rotina: seu pai acaba de falecer, só que Marquis tem um passado traumático com seu progenitor, pois o pai costumava bater nele e forçá-lo a seguir a religião vudu. Assustado, Marquis saiu de casa aos quatorze anos e nunca mais voltou, porém, diante da morte do pai, sua esposa, Veora (Lorraine Burroughs), sugere que eles viagem até sua cidade natal junto com os filhos, Samsara (Hannah Gonera) e Tydon (Kalifa Burton), para prestar as últimas homenagens ao homem. Porém, a viagem gradativamente se torna um grande pesadelo quando forças ocultas começam a atuar no destino dessa família.

Se por um lado em ‘Corra!’ o embate principal era o racismo estrutural, que fazia com que os personagens brancos se achassem no direito de se apossar dos corpos das pessoas pretas, em ‘Feitiço’ o elenco é todo preto – e só essa mudança já faz toda a diferença na estética do longa. Além disso, o filme aborda exatamente o que faltou na produção estrelada por Daniel Kaluuya: o ocultismo aterrorizante dos rituais de vudu. Através das personagens Eloise (Loretta Devine, muitíssimo bem no papel, roubando a cena todas as vezes) e Earl (John Beasley) – um casal de senhores simpáticos – o espectador é intimado a mergulhar nesse mundo que está para além do controle e da percepção humana. Nesse aspecto, ‘Feitiço’ se apropria muito bem do medo da outridade para gerar o terror psicológico inerente nas pessoas que não conhecem essa religião.

Por outro lado, esse mesmo ponto positivo também pode ser mal interpretado: em tempos de intolerância religiosa, construir um filme de terror cujo objeto do medo é justamente a religião pode acabar reforçando a ideia de que as religiões de matriz africana são todas demoníacas. Esse é um tema muito delicado, que precisa ser abordado com cautela.

O roteiro de Kurt Wimmer é bem elaborado, porém deixa algumas pontas soltas e cenas mal explicadas, que geram confusão na interpretação do espectador. Ao tentar ser muito subjetivo na abordagem do Boogity – a técnica de construção de bonecos nos quais projetamos tudo de bom e de ruim para que o mesmo aconteça com a pessoa a quem ele representa –, dos feitiços e do vudu, o grande público, desconhecedor dessa cultura, pode acabar boiando em pontos chave da trama, especialmente em cenas que propositalmente os personagens voltam atrás só para dar solução ao enredo.

Dirigido por Mark Tonderai (de ‘Locke & Key’ e ‘The Five’, séries da Netflix), ‘Feitiço’ é um ótimo filme de terror: assusta, traz um frescor para o gênero e ainda deixa ponta a possíveis continuações. Oba!

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