Os anos 1980, 1970, 1960 (e até mesmo um pouco antes disso) foram décadas marcadas por uma grande abertura capitalista a nível global. Produtos estadunidenses, chineses, japoneses, russos passaram a ser disponibilizados em diversos países do mundo, incluindo o Brasil, tornando-se de fácil acesso (de certo modo) à população, especialmente à classe média. Não só produtos, mas também tecnologias – eletro e eletrônicos manufaturados no exterior que começaram a ser importados e trazidos ao Brasil, como os rolos de filmes fotográficos, aparelhos de vídeo cassete e DVD, o cinema hollywoodiano, etc. Porém, com a virada do milênio e a globalização ferrenha, muitos desses produtos e tecnologias ficaram obsoletas. Com uma pegada bem-humorada sobre esse embate, chega aos cinemas brasileiros a comédia nacional ‘Galeria Futuro’, a partir de 18 de novembro em cartaz nas salas.
Valentim (Marcelo Serrado), Kodak (Otávio Müller) e Eddie (Ailton Graça) são três adultos, amigos desde a infância, passada na Galeria Futuro, uma galeria no coração de Copacabana que costumava ser muito frequentada e ter dezenas de lojas diferentes. Hoje o local está às moscas, com dívidas estratosféricas e prestes a ser vendido para uma igreja evangélica. Quando Paula (Luciana Paes), uma nova inquilina, aluga uma loja no espaço e percebe a furada em que se meteu, os quatro vão unir forçar para tentar arrecadar o dinheiro necessário para salvar a Galeria Futuro, e, junto com isso, tentar salvar o que lhes resta de dignidade.
Em pouco mais de uma hora e vinte de duração, ‘Galeria Futuro’ convida o espectador adulto a uma nostálgica viagem no tempo, de volta à uma época em que o mistério era relevante – o mistério de revelar fotografias sem saber se ficaram boas ou não, de alugar um filme sem saber se está escolhendo bem, de truques de mágica cuja execução é desconhecida pelo público. Nada disso é mais relevante nos tempos de hoje, com as câmeras nos celulares, os filmes on demand e críticas antecipadas, e diversos vídeos e tutoriais que desmascaram os ingênuos truques dos grandes mágicos. Outros tempos.
Esse é o ponto forte do roteiro de Matheus de Souza, Pablo Padilla, Cristiano Gualda, Bia Crespo e Fernando Sanches, que consegue realmente transportar o espectador para a saudosa época de coisas analógicas e cringes. Entretanto, a partir da segunda metade do longa o enredo fica desgovernado, trazendo um inesperado non sense que resulta numa resolução agridoce, porém real, prestando homenagens a clássicos do cinema internacional.
Fernando Sanches e Afonso Poyart fazem de seu filme um retrato que demonstra que tanto os protagonistas quanto a tal ‘Galeria Futuro’ e o bairro de Copacabana são personagens que resistem à modernidade dos tempos, igualmente na ficção quanto na vida real. Um filme que toca num ponto delicado de vivermos em tempos tão descartáveis, nos quais pessoas e locais analógicos não encontram mais espaço para viver. Talvez até mesmo por isso, ‘Galeria Futuro’ faça uso da comédia para contar sua história – um grande acerto, aliás, com piadas, comentários e comportamentos naturais condizentes com a índole desses indivíduos que, a seus modos, buscam resistir ao descaso da memória patrimonial e arquitetônica com bom humor.