domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Gaslighter’ é uma volta triunfal para as The Chicks – e uma grande obra de empoderamento

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Previamente conhecida como The Dixie Chicks, o grupo formado pela estonteante vocalista Natalie Maines e pelas talentosíssimas irmãs Emily Erwin e Martie Erwin carrega consigo um legado infindável e representa uma grande mudança no enário mainstream para as cantoras femininas. Surgido em 1991, o trio, que agora abraçou o simples título de The Chicks, já levou para casa nada menos que 13 estatuetas do Grammy (incluindo uma de Álbum do Ano em 2007) e, até hoje, permanecem como uma das bandas de maior sucesso comercial e crítico de todos os tempos. Entretanto, esse caminho de puro sucesso não foi trilhado com pacifismo – muito pelo contrário: depois do tremendo sucesso, as integrantes do trio resolveram se posicionar contra o governo de George W. Bush e de suas ofensas contra o Iraque em 2003, dizendo que “sentiam vergonha de que o presidente fosse de nossa mesma terra natal”.

Como Taylor Swift sabiamente falou em seu documentário Miss Americana, lançado neste ano, as pessoas não querem que ídolos musicais se manifestem em âmbitos políticos, principalmente se você for uma mulher. E, assim como Madonna, Cher e tantas outras divas da indústria fonográfica, Natalie, Emily e Martie arriscaram sua carreira em prol de algo muito maior – e receberam um injusto boicote que durou quase uma década e meia. Felizmente, grande parte do público percebeu que elas estavam certas, no final das contas, pavimentando um retorno glorioso àquilo que outrora as havia colocado no topo do mundo. Depois de longos catorze anos, as Chicks retornaram com força descomunal através do lançamento do irretocável Gaslighter.



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Logo de cara, percebe-se que o grupo não deixou de lado sua necessária militância – que, nos dias de hoje, vem ganhando uma dimensão maior e mais globalizada. O próprio título do álbum, que estende-se para a faixa de abertura, é uma menção ao abuso psicológico sofrido por diversas mulheres, que são tachadas de loucas e de histéricas pelo modo como os homens as tratam, tentando fazê-las duvidar da própria sanidade mental e da própria memória. Um tanto quanto digno para um comeback, visto que foi isso que as Chicks experimentaram durante tanto tempo ao falar coisas que as pessoas não estavam prontas para ouvir. O resultado final transforma essa obra em sua incursão mais coesa e mais exuberante, criando uma amálgama bastante fluida de country-pop que as eternizou logo no começo da carreira.

Assista também:
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Aqui, o grupo se reúne com o aclamado produtor Jack Antonoff para uma jornada ao mesmo tempo íntima e dançante que explora os grandes problemas da sociedade atual – por mais que se renda às fórmulas do mainstream. E, conhecendo os trabalhos de Antonoff, não esperaríamos nada além de envolventes inflexões saudosistas e originais, transmutando-se em um ensaio sociológico ao longo de doze faixas – e, mais do que isso, o produtor soa similar e, de alguma forma, diferente de tudo que já nos apresentou (como 1989, Norman Fucking Rockwell!’ e Melodrama). É possível ver em cada faixa um pedacinho daquilo que marcou sua identidade sonora, enquanto busca por elementos novos que o tornem mais versátil.

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Entretanto, é impossível tirar o crédito das aplaudíveis rendições das líderes dessa delineação fantástica. De um lado, temos as inclinações ácidas e pungentes às marchas de bandinhas escolares na track titular, enquanto “Sleep at Night” mostra-se afável ao resgate de instrumentos mais clássicos, como o violino; de outro lado, as dissonâncias propositais e “modernizadas”, por assim dizer, ganham voz na crescente “March March”. Há de tudo um pouco no álbum – e, em vez de apenas fazerem o que bem entenderem, elas têm plena ciência de que essa explosão catártica é exatamente o que seus fãs vinham lhe pedindo por tantos anos. “Eu sou o exército de uma só” é um dos inúmeros versos emblemáticos que resumem as mensagens de empoderamento e de autossuficiência declamadas do começo ao fim.

As baladas não ficam de fora – e, em vez de buscarem inspiração nas progressões épicas de tantas canções similares e conterrâneas (até mesmo dentro de sua própria discografia), as Chicks mergulham na sutileza minimalista dos sintetizadores, enquanto tanto os lead vocals quanto o fundo performativo opta pelo sensorialismo, pela sinestesia fonográfica que ganhou impulso em meados da década passada – como é o caso da controversa “Everybody Loves You” e da exultante “My Best Friend’s Wedding” (uma das melhores criações da carreira, sem sombra de dúvida). Já em “Tights On My Boat”, Natalie encarna uma vingança pessoal na altivez crua de alguém que a machucou sem escrúpulos no passado – e para quem o universo vai se encarregar de punir, uma hora ou outra; e o mais incrível, sem dúvida, seja o fato de que cada assinatura lírica reflete as disparidades de gênero que existem até hoje e que foram vividas através de slutshaming e mansplaining quando as integrantes eram mais jovens.

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O álbum recua mais uma vez em seu terceiro ato, possivelmente abandonando quaisquer reminiscências de um pano de fundo “superficial”, atingindo-nos com a poderosa e melódica “Julianna Calm Down”, um hino de sororidade que as Chicks precisavam colocara para fora, deixando claro que estão ali para quem precisar. Em “Young Man”, temos a presença muito bem-vinda de um saudosista e narcótico country, infundido com as calmas arquiteturas do violão e do violino. E, em etérea conclusão, “Set Me Free” é exatamente o que a banda procurava desde seu início no cenário musical: liberdade.

Gaslighter não é uma produção revisionista – muito pelo contrário: as The Chicks não têm mais medo do que um passo em falso pode ocasionar; afinal, elas já viveram em um pesadelo interminável após falarem o que pensavam. Aqui, passado e presente se entrelaçam em um único e lancinante fio que prova que as coisas não mudaram tanto dos anos 2000 para cá, cabendo a elas mostrar que renascer pode ser muito mais belo do que as pessoas imaginam.

Nota por faixa:

  • Gaslighter – 5/5
  • Sleep at Night – 5/5
  • Texas Man – 4/5
  • Everybody Loves You – 5/5
  • For Her – 4,5/5
  • March March – 5/5
  • My Best Friend’s Weddings – 5/5
  • Tights On My Boat – 5/5
  • Julianna Calm Down – 5/5
  • Young Man – 4,5/5
  • Hope It’s Something Good – 4/5
  • Set Me Free – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Crítica | ‘Gaslighter’ é uma volta triunfal para as The Chicks – e uma grande obra de empoderamento

Previamente conhecida como The Dixie Chicks, o grupo formado pela estonteante vocalista Natalie Maines e pelas talentosíssimas irmãs Emily Erwin e Martie Erwin carrega consigo um legado infindável e representa uma grande mudança no enário mainstream para as cantoras femininas. Surgido em 1991, o trio, que agora abraçou o simples título de The Chicks, já levou para casa nada menos que 13 estatuetas do Grammy (incluindo uma de Álbum do Ano em 2007) e, até hoje, permanecem como uma das bandas de maior sucesso comercial e crítico de todos os tempos. Entretanto, esse caminho de puro sucesso não foi trilhado com pacifismo – muito pelo contrário: depois do tremendo sucesso, as integrantes do trio resolveram se posicionar contra o governo de George W. Bush e de suas ofensas contra o Iraque em 2003, dizendo que “sentiam vergonha de que o presidente fosse de nossa mesma terra natal”.

Como Taylor Swift sabiamente falou em seu documentário Miss Americana, lançado neste ano, as pessoas não querem que ídolos musicais se manifestem em âmbitos políticos, principalmente se você for uma mulher. E, assim como Madonna, Cher e tantas outras divas da indústria fonográfica, Natalie, Emily e Martie arriscaram sua carreira em prol de algo muito maior – e receberam um injusto boicote que durou quase uma década e meia. Felizmente, grande parte do público percebeu que elas estavam certas, no final das contas, pavimentando um retorno glorioso àquilo que outrora as havia colocado no topo do mundo. Depois de longos catorze anos, as Chicks retornaram com força descomunal através do lançamento do irretocável Gaslighter.

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Logo de cara, percebe-se que o grupo não deixou de lado sua necessária militância – que, nos dias de hoje, vem ganhando uma dimensão maior e mais globalizada. O próprio título do álbum, que estende-se para a faixa de abertura, é uma menção ao abuso psicológico sofrido por diversas mulheres, que são tachadas de loucas e de histéricas pelo modo como os homens as tratam, tentando fazê-las duvidar da própria sanidade mental e da própria memória. Um tanto quanto digno para um comeback, visto que foi isso que as Chicks experimentaram durante tanto tempo ao falar coisas que as pessoas não estavam prontas para ouvir. O resultado final transforma essa obra em sua incursão mais coesa e mais exuberante, criando uma amálgama bastante fluida de country-pop que as eternizou logo no começo da carreira.

Aqui, o grupo se reúne com o aclamado produtor Jack Antonoff para uma jornada ao mesmo tempo íntima e dançante que explora os grandes problemas da sociedade atual – por mais que se renda às fórmulas do mainstream. E, conhecendo os trabalhos de Antonoff, não esperaríamos nada além de envolventes inflexões saudosistas e originais, transmutando-se em um ensaio sociológico ao longo de doze faixas – e, mais do que isso, o produtor soa similar e, de alguma forma, diferente de tudo que já nos apresentou (como 1989, Norman Fucking Rockwell!’ e Melodrama). É possível ver em cada faixa um pedacinho daquilo que marcou sua identidade sonora, enquanto busca por elementos novos que o tornem mais versátil.

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Entretanto, é impossível tirar o crédito das aplaudíveis rendições das líderes dessa delineação fantástica. De um lado, temos as inclinações ácidas e pungentes às marchas de bandinhas escolares na track titular, enquanto “Sleep at Night” mostra-se afável ao resgate de instrumentos mais clássicos, como o violino; de outro lado, as dissonâncias propositais e “modernizadas”, por assim dizer, ganham voz na crescente “March March”. Há de tudo um pouco no álbum – e, em vez de apenas fazerem o que bem entenderem, elas têm plena ciência de que essa explosão catártica é exatamente o que seus fãs vinham lhe pedindo por tantos anos. “Eu sou o exército de uma só” é um dos inúmeros versos emblemáticos que resumem as mensagens de empoderamento e de autossuficiência declamadas do começo ao fim.

As baladas não ficam de fora – e, em vez de buscarem inspiração nas progressões épicas de tantas canções similares e conterrâneas (até mesmo dentro de sua própria discografia), as Chicks mergulham na sutileza minimalista dos sintetizadores, enquanto tanto os lead vocals quanto o fundo performativo opta pelo sensorialismo, pela sinestesia fonográfica que ganhou impulso em meados da década passada – como é o caso da controversa “Everybody Loves You” e da exultante “My Best Friend’s Wedding” (uma das melhores criações da carreira, sem sombra de dúvida). Já em “Tights On My Boat”, Natalie encarna uma vingança pessoal na altivez crua de alguém que a machucou sem escrúpulos no passado – e para quem o universo vai se encarregar de punir, uma hora ou outra; e o mais incrível, sem dúvida, seja o fato de que cada assinatura lírica reflete as disparidades de gênero que existem até hoje e que foram vividas através de slutshaming e mansplaining quando as integrantes eram mais jovens.

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O álbum recua mais uma vez em seu terceiro ato, possivelmente abandonando quaisquer reminiscências de um pano de fundo “superficial”, atingindo-nos com a poderosa e melódica “Julianna Calm Down”, um hino de sororidade que as Chicks precisavam colocara para fora, deixando claro que estão ali para quem precisar. Em “Young Man”, temos a presença muito bem-vinda de um saudosista e narcótico country, infundido com as calmas arquiteturas do violão e do violino. E, em etérea conclusão, “Set Me Free” é exatamente o que a banda procurava desde seu início no cenário musical: liberdade.

Gaslighter não é uma produção revisionista – muito pelo contrário: as The Chicks não têm mais medo do que um passo em falso pode ocasionar; afinal, elas já viveram em um pesadelo interminável após falarem o que pensavam. Aqui, passado e presente se entrelaçam em um único e lancinante fio que prova que as coisas não mudaram tanto dos anos 2000 para cá, cabendo a elas mostrar que renascer pode ser muito mais belo do que as pessoas imaginam.

Nota por faixa:

  • Gaslighter – 5/5
  • Sleep at Night – 5/5
  • Texas Man – 4/5
  • Everybody Loves You – 5/5
  • For Her – 4,5/5
  • March March – 5/5
  • My Best Friend’s Weddings – 5/5
  • Tights On My Boat – 5/5
  • Julianna Calm Down – 5/5
  • Young Man – 4,5/5
  • Hope It’s Something Good – 4/5
  • Set Me Free – 5/5
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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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