A saga de Michael Myers e Laurie Strode, finalmente, encontrou o seu encerramento. Para aqueles que esperam um filme no modelo tradicional e na linha dos antecessores, Halloween Ends pode ser uma gigantesca decepção. Eu mesmo, como fã da franquia e crítico de cinema, me encontrei com dificuldades para aceitar determinadas escolhas estabelecidas no fim desta jornada.
No final das contas, depois de pensar muito, devo dizer que o filme não é aquilo que eu queria que fosse, ou esperava, conforme o trailer e a sinopse, mas ao passo que a narrativa chegou ao final, confesso que a coragem dos realizadores em apostar numa abordagem tão insana, mas viável, deu ao material o devido valor para uma franquia que renasceu dignamente diante desta nova trilogia, dirigida por David Gordon Green e produzida pela Blumhouse.
Aqui, temos Michael Myers, Laurie Strode, cenas de assassinato, mas uma perspectiva filosófica para refletir sobre o mal em nossa sociedade, dispositivo que pode ser desintegrado quando encarnado num determinado ser, mas impossível de ser aniquilado para sempre, podendo ganhar outras formas e se transformando, aproximando esta nova empreitada com uma espécie de reciclagem, salvaguardadas as devidas proporções, de Sexta-Feira 13 Parte 5: Um Novo Começo, afinal, será apenas o antagonista mascarado o responsável pelos males em Haddonfield? O espectador perceberá, estupefato, novas formas de se encarar o mal.
Sendo uma franquia que atravessou tantos momentos desgastantes, confesso que achei bastante complicado acreditar que a saga de Michael Myers e Laurie Strode poderia se tornar, mais uma vez, uma trama de relevância. Com exceção do primeiro filme e do retorno de Jamie Lee Curtis em Halloween H20: Vinte Anos Depois, sequência que esperava, fosse a inspiração para os momentos de embate físico entre o antagonista e a protagonista, o embate entre os personagens em outras incursões ficou bastante abaixo da média. Assim, a Blumhouse comprovou, portanto, que os dois perfis dramáticos tinham chances de retornar, caso o cineasta, os roteiristas e os demais caminhos de produção fossem devidamente estruturados. Foi o pontapé para o nascimento de uma nova trilogia dentro de uma extensa franquia que atualmente está em seu 13º filme.
Na trama de 2018, tivemos o #metoo e as relações conflituosas numa contemporaneidade minada pela misoginia, situação que se desdobrou em Halloween Kills, produção anárquica que reflete o impacto do efeito manada em Haddonfield, alegoria para qualquer lugar do mundo hoje. Agora, quatro anos após o misterioso sumiço de Michael Myers, a histeria está de volta na cidade. Laurie Strode vive momentos mais amenos, fez terapia, se reintegrou, apesar de transmitir insegurança diante da onipresença da Forma e dos seus traumas, desaguados ao escrever um livro de memórias, tendo ainda que atravessar o luto pela perda da filha.
Ela mora com a sua neta Alysson (Andi Matichack), todas tentando retomar as suas vidas depois de tantas tragédias. A sensação de paz nesta cidade amedrontada pela violência excessiva de um passado recente agora encontrou o seu novo bicho-papão: Corey Cunningham (Rohan Campbell), jovem acusado de ser o assassino de uma criança que tomava conta, acontecimento que sacode a cidade e reforça que a aparente tranquilidade era só momentânea. Na ausência do monstro mascarado, o jovem Corey agora é o psicopata da cidade, alguém que precisa lidar com os dedos apontados e com a falta de sensibilidade das pessoas que não compreendem ter sido um infeliz acidente a tal morte da criança que marcou para sempre a sua vida.
Ele é o personagem que mais passa por transformações no filme, sempre observado por Laurie Strode, figura ficcional que guarda para si a sensação do possível retorno de seu nêmesis, sensação que demonstra não ser apenas instantes de loucura, mas a comprovação de sua sensibilidade ao longo dos 111 minutos de Halloween Ends, slasher que nos apresenta o impiedoso Michael Myers de volta, sem a força total que esperamos, pois agora a violência não parte apenas do bicho-papão, mas do mal que parece ter se tornado contagioso nesta cidade demarcada por tragédias.
Sob a direção de David Gordon Green e roteiro escrito por Danny McBride, Paul Brad Logan e Chris Bernier, com a colaboração do diretor, o texto dramático dosa os diálogos mais reflexivos com momentos de muita tensão, erroneamente deixados para a segunda parte, algo que compromete o ritmo do filme em algumas passagens. Ademais, estão de volta: Lindsey Wallace (Kyle Richards) e o xerife Barker (Omar Dorsey), em pequenas participações, o detetive Frank Hawks (Will Patton), mais significativo em cena, dentre outros.
Esteticamente, Halloween Ends não fica devendo nada aos antecessores: Richard A. Wright nos entrega um design de produção eficiente, com cenários e direção de arte que estão repletos de referências aos momentos mais icônicos da franquia, registrados pela direção de fotografia de Michael Simmonds, também muito eficiente ao emular planos e enquadramentos não apenas do universo criado por David Gordon Green, mas também do clássico de 1978.
Além da força em cena de Jamie Lee Curtis, temos também o empenho de sua dublê, Ashley Rae Trisler, assertiva nas passagens de embate físico com a assustadora figura de Michael Myers, interpretado devidamente em seu tom silencioso por James Jude Courtney, monstro que representa a encarnação do mal, alegoria do bicho-papão para nos fazer refletir que determinados horrores de nossa sociedade ainda se mantém firmes em nosso cotidiano, numa sina que nos deixa constantemente em alerta.
No final, como apontado por Laurie Strode, o mal pode até se desintegrar quando encarnado em algo, mas nunca acaba e apenas muda de forma, como os leitores poderão contemplar neste filme que é um dos momentos mais curiosos da franquia, estruturado para uma recepção que será ame ou odeie.