domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Hilary Swank alcança as estrelas na nova série sci-fi da Netflix, ‘Away’

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Espaço: a fronteira final.

O universo sempre foi matéria de exploração do homem – fosse na ciência, fosse na ficção. Desde que o mundo é mundo, pensadores e artistas voltavam sua atenção para o céu e para os astros que cintilavam ao longe, imaginando que seres habitavam os confins do vácuo. Desde H.G. Wells com seu revolucionário ‘Guerra dos Mundos’ até Christopher Nolan com seu tour-de-force Interestelar, diversas narrativas apresentaram panoramas únicos do que os outros planetas escondiam em suas atmosferas e cenários inabitáveis, por vezes nos fazendo confrontar o desconhecido, por vezes colocando em perspectiva a pequenez egocêntrica do ser humano. E, agora, chegou a vez da Netflix nos apresentar a sua própria dramatização de uma perigosa viagem tripulada para Marte.



Intitulada Away, a série de ficção científica flerta com dramas cotidianos que ganham uma dimensão extremamente gratificante e frustrante para qualquer um que se aventure ao longo de seus dez episódios. Distendendo-se em minutos e mais minutos de uma coesa e clássica investida estética, a obra criada por Andrew Hinderaker carrega consigo uma solidez mimética que foge das atribulações circinais de construções do gênero, deixando claro qual será seu foco – e quais são as cautelas necessárias para que as tramas não se repitam entre si. Eventualmente, a produção esbarra em certos obstáculos técnicos que não conseguem dosar com exatidão as fabulosidades sci-fi com os íntimos arcos de cada protagonistas, mas isso não importa: o público permanece envolvido do começo ao fim, torcendo angustiado para que tudo dê certo no final.

AWAY (L to R) RAY PANTHAKI as RAM ARYA and HILARY SWANK as EMMA GREEN, in episode 109 of AWAY. Cr. DIYAH PERA/NETFLIX © 2020

Hilary Swank lidera um time estelar de astronautas como a Comandante Emma Green, que finalmente realizou seu sonho de ir para o planeta vermelho – apesar dos sacrifícios que teve que fazer. Ela deixa para trás seu marido e colega de profissão, Matt (Josh Charles), que não conseguiu ir na viagem em virtude de uma condição genética degenerativa, e sua filha adolescente, Alexis (Talitha Bateman), que lida com o fato de que a mãe os deixará para trás, quase incomunicável, por três longos anos. Logo de cara, percebe-se que o dilema principal da série é conciliar a vida pessoal e a profissional sem perder a sanidade no confinamento da nave Atlas e sem deixar que a pressão de seus companheiros afete o trabalho a que foi confiada.

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Enquanto Swank brilha em uma das melhores atuações de sua carreira, o roteiro supervisionado por Hinderaker garante que cada membro da equipe espacial tenha seu momento de glória. A ideia aqui é afastar-se dos convencionalismos de tantos longas-metragens ambientados no extraterrestre, que fornecem mínimos esclarecimentos acerca da personalidade dos personagens em prol de colocá-los à mercê de forças cósmicas que não podem ser premeditadas e controladas. De fato, é de se esperar que certas escolhas rendam-se aos thrillers de sobrevivência – e os realizadores sabem disso e usam as fórmulas a seu favor.

Em outras palavras, não temos o básico conflito entre alienígenas demoníacos e mortais e a impotência humana: Emma, junto aos outros tripulantes, percebe e nos faz perceber, querendo ou não, que prevenções não significam muito quando estamos resistindo à vastidão do vácuo. Por mais que testes preparatórios tenham sido feitos, eles são colocados à prova quando se deparam com erros vitais para o prosseguimento da viagem, como uma pane no sistema de fornecimento de água, o racionamento de suprimentos, defeitos nos painéis de energia e, no topo de tudo isso, o prospecto agourento da morte. Afinal, ninguém nunca havia viajado tão longe – e não saber o que os aguarda é o que move a curiosidade dos espectadores e das próprias personas.

Como se não bastasse, o pano de fundo se desenrola no âmbito externo e interno em uma complexa e catártica coreografia. Na Terra, Matt defronta desilusões de sua incapacidade motora, que coloca em xeque até mesmo sua a carreira na NASA, enquanto Alexis é obrigada a amadurecer agora que sua mãe e melhor amiga está há milhões de quilômetros de distância e não pode servir como confidente. No espaço, Emma enfrenta as múltiplas divergências de sua equipe, como a teimosia protetora de Misha (Mark Ivanir) e o obsessivo autocontrole da inteligentíssima Yu (Vivian Wu), ambos tendo testemunhado uma prova de fogo (literalmente) que os faz duvidar da capacidade de liderança da comandante. Temos também o otimismo desenfreado do traumatizado Ram (Ray Panthaki) e a polidez ferrenha de Kwesi (Ato Essandoh).

A cereja do bolo vem, sem sombra de dúvida, com a categórica performance dos atores e atrizes que permeiam os capítulos. Cada lágrima colocada em cena é uma representação anafórica daquilo que foi deixado de lado para que a sociedade progredisse em sua incansável carestia pela dominação e pelo controle – como um amor perdido, um pai que se foi precocemente ou uma nação que conta com o sucesso e não aceita o fracasso. São essas minúcias reflexivas que aumentam a carga dramática da série e, por vezes, falam muito mais alto do que qualquer outra coisa. Porém, como vemos à medida que nos aproximamos do season finale, a cronologia expande-se em oito extensos meses que transformam uma aventura de tirar o fôlego em um rotineiro ciclo claustrofóbico.

Aliado a eventos pungentes que analisam a frágil psique humana – e que são refletidas em reviravoltas interessantes, ainda que limitadas às fronteiras que criam -, temos a preocupação visual do show, que tem em mente a sobreposição da urgência corriqueira e da melancolia isolatória. Por isso mesmo, vê-se a preferência pela acidez da paleta alaranjada, acompanhada pela sóbria prostração do verde, nutrindo referências de produções como Ad Astra. Em contraposição, é fantástico como os enquadramentos e as inclinações procuram ousar, transformando a nave (que é cultivada como protagonista ao lado de seus passageiros) em um labirinto sem fim e em uma prisão sem grades.

Away é uma das melhores iterações do ano e, mesmo com seus breves defeitos, não deixa de nos convida para uma viagem inesquecível e emocionante que não enxerga fronteiras e cujo limite é o infinito.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Intitulada Away, a série de ficção científica flerta com dramas cotidianos que ganham uma dimensão extremamente gratificante e frustrante para qualquer um que se aventure ao longo de seus dez episódios. Distendendo-se em minutos e mais minutos de uma coesa e clássica investida estética, a obra criada por Andrew Hinderaker carrega consigo uma solidez mimética que foge das atribulações circinais de construções do gênero, deixando claro qual será seu foco – e quais são as cautelas necessárias para que as tramas não se repitam entre si. Eventualmente, a produção esbarra em certos obstáculos técnicos que não conseguem dosar com exatidão as fabulosidades sci-fi com os íntimos arcos de cada protagonistas, mas isso não importa: o público permanece envolvido do começo ao fim, torcendo angustiado para que tudo dê certo no final.

AWAY (L to R) RAY PANTHAKI as RAM ARYA and HILARY SWANK as EMMA GREEN, in episode 109 of AWAY. Cr. DIYAH PERA/NETFLIX © 2020

Hilary Swank lidera um time estelar de astronautas como a Comandante Emma Green, que finalmente realizou seu sonho de ir para o planeta vermelho – apesar dos sacrifícios que teve que fazer. Ela deixa para trás seu marido e colega de profissão, Matt (Josh Charles), que não conseguiu ir na viagem em virtude de uma condição genética degenerativa, e sua filha adolescente, Alexis (Talitha Bateman), que lida com o fato de que a mãe os deixará para trás, quase incomunicável, por três longos anos. Logo de cara, percebe-se que o dilema principal da série é conciliar a vida pessoal e a profissional sem perder a sanidade no confinamento da nave Atlas e sem deixar que a pressão de seus companheiros afete o trabalho a que foi confiada.

Enquanto Swank brilha em uma das melhores atuações de sua carreira, o roteiro supervisionado por Hinderaker garante que cada membro da equipe espacial tenha seu momento de glória. A ideia aqui é afastar-se dos convencionalismos de tantos longas-metragens ambientados no extraterrestre, que fornecem mínimos esclarecimentos acerca da personalidade dos personagens em prol de colocá-los à mercê de forças cósmicas que não podem ser premeditadas e controladas. De fato, é de se esperar que certas escolhas rendam-se aos thrillers de sobrevivência – e os realizadores sabem disso e usam as fórmulas a seu favor.

Em outras palavras, não temos o básico conflito entre alienígenas demoníacos e mortais e a impotência humana: Emma, junto aos outros tripulantes, percebe e nos faz perceber, querendo ou não, que prevenções não significam muito quando estamos resistindo à vastidão do vácuo. Por mais que testes preparatórios tenham sido feitos, eles são colocados à prova quando se deparam com erros vitais para o prosseguimento da viagem, como uma pane no sistema de fornecimento de água, o racionamento de suprimentos, defeitos nos painéis de energia e, no topo de tudo isso, o prospecto agourento da morte. Afinal, ninguém nunca havia viajado tão longe – e não saber o que os aguarda é o que move a curiosidade dos espectadores e das próprias personas.

Como se não bastasse, o pano de fundo se desenrola no âmbito externo e interno em uma complexa e catártica coreografia. Na Terra, Matt defronta desilusões de sua incapacidade motora, que coloca em xeque até mesmo sua a carreira na NASA, enquanto Alexis é obrigada a amadurecer agora que sua mãe e melhor amiga está há milhões de quilômetros de distância e não pode servir como confidente. No espaço, Emma enfrenta as múltiplas divergências de sua equipe, como a teimosia protetora de Misha (Mark Ivanir) e o obsessivo autocontrole da inteligentíssima Yu (Vivian Wu), ambos tendo testemunhado uma prova de fogo (literalmente) que os faz duvidar da capacidade de liderança da comandante. Temos também o otimismo desenfreado do traumatizado Ram (Ray Panthaki) e a polidez ferrenha de Kwesi (Ato Essandoh).

A cereja do bolo vem, sem sombra de dúvida, com a categórica performance dos atores e atrizes que permeiam os capítulos. Cada lágrima colocada em cena é uma representação anafórica daquilo que foi deixado de lado para que a sociedade progredisse em sua incansável carestia pela dominação e pelo controle – como um amor perdido, um pai que se foi precocemente ou uma nação que conta com o sucesso e não aceita o fracasso. São essas minúcias reflexivas que aumentam a carga dramática da série e, por vezes, falam muito mais alto do que qualquer outra coisa. Porém, como vemos à medida que nos aproximamos do season finale, a cronologia expande-se em oito extensos meses que transformam uma aventura de tirar o fôlego em um rotineiro ciclo claustrofóbico.

Aliado a eventos pungentes que analisam a frágil psique humana – e que são refletidas em reviravoltas interessantes, ainda que limitadas às fronteiras que criam -, temos a preocupação visual do show, que tem em mente a sobreposição da urgência corriqueira e da melancolia isolatória. Por isso mesmo, vê-se a preferência pela acidez da paleta alaranjada, acompanhada pela sóbria prostração do verde, nutrindo referências de produções como Ad Astra. Em contraposição, é fantástico como os enquadramentos e as inclinações procuram ousar, transformando a nave (que é cultivada como protagonista ao lado de seus passageiros) em um labirinto sem fim e em uma prisão sem grades.

Away é uma das melhores iterações do ano e, mesmo com seus breves defeitos, não deixa de nos convida para uma viagem inesquecível e emocionante que não enxerga fronteiras e cujo limite é o infinito.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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