O drama histórico ‘Vikings’ se tornou uma das séries mais populares e mais bem-sucedidas do History Channel, fornecendo uma visão quase fantástica dos icônicos personagens que habitaram as terras nórdicas do planeta na Idade Média. Com o término da produção na sexta temporada, os fãs se sentiram ansiosos por mais aventuras envolvendo esses valentes guerreiros – e não demorou muito até que a Netflix anunciasse uma série sequência intitulada ‘Vikings: Valhalla’.
Diferente das iterações predecessoras, a derivada é ambientada cem anos depois dos eventos originais e se inicia com os primórdios da derrocada e da ruína dos vikings, enfrentando o crescente domínio cristão que se espalhava pela Europa e que colocava em xeque as crenças politeístas de outrora. Como se não bastasse, a ascensão da Inglaterra como uma das grandes potências mundiais também representou uma enorme ameaça para que os reinos e as províncias vikings se mantivessem vivas por muito tempo, eventualmente tornando-se lendas que acompanhariam diversos estudos de historiadores e reimaginações constantes pelo imaginário popular. E, enquanto ‘Valhalla’ não alcança os mesmos méritos, nos encanta com visuais impecáveis e atuações memoráveis que nos convidam a uma jornada banhada a sangue, traições e reviravoltas.
Como o nome do spin-off premedita, a temporada é o capítulo inicial do último destino de cada viking: Valhalla, que, na mitologia nórdica, é descrito como um majestoso lugar localizado em Asgard, a morada dos deuses, e comandado pelo todo-poderoso Odin. Segundo lendas, metade dos soldados que morrem em combate viajam até lá para se sentarem à grande mesa com Odin, enquanto a outra metade é escolhida pela deusa Freya para passarem a eternidade nos campos de Fólkvangr. É essencialmente esse pensamento que é levado aos oito episódios da iteração, indicando, através de escolhas técnicas sagazes e uma fria melancolia que se apossa dos protagonistas e coadjuvantes, que a guerra irá levá-los para o tão sonhado “éden” uma hora ou outra.
A narrativa acompanha um grupo de vikings groenlandeses que chegam a Kattegat, comunidade localizada em um estreito entre a Dinamarca e a Suécia que funciona como um dos pontos políticos e econômicos de maior importância no mundo nórdico. Leif Erikson (Sam Corlett) e a irmã, Freydis Eiríksdóttir (Frida Gustavsson), desembarcam no porto buscando vingança contra um viking cristão que estuprou Freydis e eternizou o trauma ao cravar uma cruz em suas costas. Entretanto, as coisas tomam um rumo inesperado quando eles são arrastados para o meio de uma batalha entre os povos guerreiros e a opressora monarquia britânica que organizou um massacre contra eles, como forma de “limpar a terra”. Mas isso não é tudo: há também uma crescente disputa ideológica entre os próprios vikings, que se dividem entre os defensores ferrenhos do cristianismo e do único deus, e os pagãos, que encontram calma na multiplicidade de divindades que habita Asgard.
A princípio, a quantidade excessiva de tramas pode posar como uma faca de dois gumes ao time criativo, abrindo espaço para que os personagens possam ser explorados ad nauseam, mas exigindo um comprometimento em demasia que, por vezes, culmina em um frenético passo para resolver todos os arcos. Felizmente, o showrunner Jeb Stuart sabe como navegar por essas águas traiçoeiras e não deixa que nenhum elemento-chave se perca no caminho, ainda que se valha de algumas repetições (principalmente nas sequências de luta). O resultado é bastante aprazível e segue o padrão clássico de qualquer produção mainstream, tomando o tempo necessário para introduzir os heróis e antagonistas e sabendo o momento certo de nos chocar com alterações bruscas no andamento da obra.
Corlett e Gustavsson fazem um trabalho memorável na temporada, mas não são os únicos a roubar os holofotes: além deles, temos a presença de Leo Suter como o charmoso Harald Sigurdsson, príncipe da Noruega, que se alia aos pagãos e questiona sua fé em prol de salvar aqueles que sempre estiveram ao seu lado; Jóhannes Haukur Jóhannesson como Olaf Haraldsson, meio-irmão de Harald e um ambicioso viking que deseja espalhar suas crenças não se importando com quantos tenha de exterminar para unificar os reinos; Caroline Henderson como uma nova versão de Jarl Haakon, governante de Kattegat; Laura Berlin como a Rainha Emma da Inglaterra e da Normandia, mergulhando em uma performance comedida e impiedosa; e David Oakes como Godwin, astuto braço-direito de quem acreditar que tenha mais poder, mudando de lado a seu bel-prazer para sempre ser protegido pelos vitoriosos.
É claro que as inconsistências históricas existem, mas o objetivo de ‘Valhalla’ não é nos educar com explanações acadêmicas sobre a época dos vikings, e sim expandir uma mitologia que caiu no gosto do público e que, de alguma maneira, dramatiza figuras reais que merecem ser revisitadas. Certos artifícios tangenciam uma substancialidade redundante, como a profunda e retumbante trilha sonora ou a sóbria fotografia, que se vale da paleta de cores azulada dos cenários retratados – entretanto, nenhuma dessas obviedades é forte o suficiente para desviar nossa atenção dos pontos positivos.
O novo capítulo da saga ‘Vikings’ é aprazível em sua completude e já se consagra como uma das melhores do gênero em 2022. Apesar dos deslizes, os capítulos são alicerçados em um elenco estelar que faz o público acreditar em seus problemas e seus valores, comovendo-nos com rendições espetaculares e com uma altiva promessa para um provável futuro.