A era digital ajudou a tornar tênue aquela linha que separa os famosos e poderosos do restante da população. Em um tempo onde todos parecem mais descuidados – frequentemente expondo seus estilos de vida, seus hábitos e gostos na internet -, desmascarar pessoas públicas se tornou uma espécie de fascínio social.
Entre exposés de youtubers e influencers que pregavam o #FicaemCasa e furavam a pandemia e outras polêmicas e bombásticas revelações envolvendo grandes artistas, o que antes era tão especulado a respeito das vidas secretas das celebridades no auge da Era de Ouro de Hollywood, hoje se tornou uma curiosidade facilmente descoberta em uma rápida busca no Google. Com mais acesso à informação e a possibilidade de todos terem uma voz, histórias pavorosas como a de Armie Hammer passaram de insanas fake news para “isso pode realmente ter acontecido”.
E House of Hammer: Segredos de Família chega ao streaming Discovery+ como fruto de uma fagulha que se acendeu em uma misteriosa conta do Instagram chamada House of Effie. Inicialmente anônimo, o perfil reunia acusações impressionantes de estupro, canibalismo e abuso emocional envolvendo um dos homens mais belos, desejados e talentosos de Hollywood.
Surgindo pouco depois da confirmação de que as alegações de abuso sexual contra Justin Bieber eram falsas, o cenário cultural não estava tão convencido de que Hammer seria capaz de tais atrocidades. Mas o surgimento de novos depoimentos tornou inevitável o levantar de sobrancelhas da opinião pública. E diante de tanto escrutínio, uma pergunta ecoava dentro e fora do universo virtual: Seria Armie Hammer um abusador canibal?
Embora existam muitas acusações e diversas mensagens de texto bem gráficas envolvendo seu nome, é necessário afirmar que tudo ainda segue sendo visto como especulações e alegações. Com investigações ainda em andamento e sem qualquer indiciamento de Armie Hammer, não é possível atestar sua real criminalidade. Ainda assim, é impossível dar às costas às dolorosas inúmeras revelações feitas por Courtney Vucekovich, Paige Lorenze e Effie.
E House of Hammer tenta compreender quem o artista se tornou, olhando para sua ancestralidade e o ostensivo histórico dos patriarcas de sua casa. Elli Hakami e Julian P. Hobbs fazem de sua minissérie documental uma análise clínica sobre a raiz do mal, buscando informações e pequenos grandes segredos que envolvem o magnata do petróleo Armand Hammer e toda a sua prole.
E mesmo sem qualquer condenação – exceto a garantia comprovada de que Armand se envolveu no escândalo do Watergate e que manipulava todos à sua volta com ostensiva vigilância e subornos -, o documentário é uma experiência importante, pois nos leva aos átrios de uma excêntrica família aparentemente forjada na agressão doméstica, corrupção, abuso de drogas e violência sexual, física e emocional. Mostrando que ninguém nasce mau, mas torna-se perverso a partir de sua criação, gradativamente conseguimos entender as origens de tanta misoginia estampada em mensagens explícitas enviadas por Hammer. Com informações valiosas que sinalizam um alerta vermelho em qualquer um, a produção tenta montar um quebra-cabeça de todas as pequenas peças rastreáveis deixadas por Armie Hammer ao longo dos anos.
Além de trazer à tona sua conta privada do Instagram, onde ele compartilhava sem qualquer pudor o seu abuso de drogas, práticas sexuais perigosas e comportamento perturbador, a minissérie busca dar voz às supostas sobreviventes, que entre lágrimas e insegurança expõe algumas de suas experiências vividas ao lado do belo ator.
Seus depoimentos são validados por Casey Hammer, neta de Armand Hammer, sobrevivente de estupro por parte de seu pai Julian Hammer e tia de Armie Hammer. Relatando sua própria experiência como a ovelha negra da família – que decidiu expor os homens de sua casa em uma antiga biografia até então desconhecida -, ela não se surpreende com as acusações e entende de qual fonte Armie bebeu.
Testemunha ocular de uma sucessão de comportamentos perniciosos, ela é a única consciente dentro de um lar que parece uma caricatura da família Roy da série Succession. E ao longo de três episódios de uma hora de duração, a minissérie da Discovery+ mais sacia nossa curiosidade do que realmente responde nossas perguntas. Incompleto por ser unicamente calcado em alegações, este não é o documentário definitivo sobre o ator mais controverso da atualidade.
Surgindo dentro do hype de toda a confusão envolvendo o seu nome, ele é uma oportunidade genuína das supostas vítimas terem o respaldo e a segurança que precisam para compartilhar seus traumas. Angustiante e com sérios indicativos de que as acusações são verdadeiras, House of Hammer: Segredos de Família é ainda um alerta de que hoje nenhum segredo hollywoodiano nojento permanecerá escondido por muito tempo. Que isso sirva de lição para aqueles que ainda praticam suas maldades nas sombras da impunidade.