segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Crítica | I Know This Much is True encontra uma realidade anestesiada

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‘I Know This Much is True’ é um olhar investigativo para os relacionamentos mais complexos de um homem emocionalmente fraturado. É endurecida, difícil de engolir e, às vezes, dolorosa até demais. A quantidade de traumas e desafios enfrentados pelos personagens, dois dos quais interpretados com maestria por Mark Ruffalo, pode ser esmagadora, mas é condizente levando em consideração que é aquilo que a série prometeu desde os seus primeiros momentos. No entanto, a indagação aqui é outra: será que o mundo de 2020 é o lugar ideal para esta história?

Criada pelo escritor Wally Lamb e adaptada para a TV pelas mãos hábeis de Derek Cianfrance, ‘I Know…’ retrata um contexto bastante familiar e querido para o diretor, dado a histórias trágicas e sensíveis por notar uma falta delas abraçadas com seu mesmo fervor no cinema e na televisão. Por um lado, são notáveis o esforço e o desempenho da equipe para criar a atmosfera ideal para a trama. Por outro, esta quantidade de dor cria o resultado oposto ao esperado. A fotografia em película de 35mm de Jody Lee Lipes dá textura às cores e imprime o aspecto frio e distante que se reflete em todas as relações familiares de Dominick, mas sobretudo na dinâmica contraditória que tem com o seu gêmeo, Thomas. Ele quer protegê-lo, mas ao mesmo tempo preferia se manter distante, um misto de afeto e repulsa que o enche de culpa quando se vê cada vez mais impossibilitado de ajudar o irmão, enquanto sua própria vida desmorona.



Desta forma, os episódios carregam um ar existencialista e catastrófico, e buscam fazer uma reflexão sobre o impacto que lares fraturados têm sobre a forma como cada um se enxerga enquanto indivíduo. Enquanto passeia por décadas de sofrimento da família Birdsey,  mostra remorsos se acumulando, pequenos gestos reverberando e a inquietude da pergunta  que Dominick quer responder sobre a sua origem transformando ainda mais a realidade e a forma como ele lida com namorada, ex-esposa, padrasto, psicólogas. E isso, até certo ponto, é coerente. Enxergamos a infância dos gêmeos por uma ótica traumatizada que só se lembra dos piores momentos, e o tema da história é exatamente a transformação por fogo que vem do ato de aceitar o passado e perdoar. A calma que vem a seguir cai como uma merecida recompensa, uma sensação de paz que conforta uma pessoa que já está exausta depois de se sentir amaldiçoada pela história da família. O problema é que, bem, isso demora demais para acontecer.

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Partindo do princípio que nada existe em um vácuo, é difícil desassociar a minissérie, de seis episódios, da realidade que nos assola em um mundo tomado por uma pandemia sem precedentes. Assistir a uma série tão emocionalmente desgastante quando estamos rodeados por um mundo igualmente devastado soa masoquista e quase sádico, uma competição de sofrimento que resulta em apatia. Quando você está em uma sessão de tatuagem com a mesma porção de pele recebendo agulhadas por duas horas, por exemplo, bastam 30 minutos para que a dor se anestesie e você não sinta mais que um leve formigamento. Aqui, a dinâmica é parecida. Mas, se depois de 2 horas, ver o desenho pronto na pele é satisfatório, após cinco episódios e meio em que tudo é dor com um mínimo de compensação emocional, tudo o que dá para sentir é exaustão. Os breves minutos de paz não são o suficiente.

À parte, é importante salientar que o trabalho de Mark Ruffalo é espetacular tanto quanto Dominick ou Thomas, e que o elenco é parte essencial para manter a história no lugar. A excelente Kathryn Hahn imprime algumas cores na dinâmica, e a presença breve de Juliette Lewis é eficaz ao trazer uma certa velocidade aos diálogos, mas sua participação é tão curta que não tem um real efeito a longo prazo. No fim das contas, o grande problema de ‘I Know This Much is True’ é não saber balancear as doses entre desolação e esperança. Se não estivéssemos em uma pandemia, talvez o impacto disso não tivesse sido tão problemático.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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‘I Know This Much is True’ é um olhar investigativo para os relacionamentos mais complexos de um homem emocionalmente fraturado. É endurecida, difícil de engolir e, às vezes, dolorosa até demais. A quantidade de traumas e desafios enfrentados pelos personagens, dois dos quais interpretados com maestria por Mark Ruffalo, pode ser esmagadora, mas é condizente levando em consideração que é aquilo que a série prometeu desde os seus primeiros momentos. No entanto, a indagação aqui é outra: será que o mundo de 2020 é o lugar ideal para esta história?

Criada pelo escritor Wally Lamb e adaptada para a TV pelas mãos hábeis de Derek Cianfrance, ‘I Know…’ retrata um contexto bastante familiar e querido para o diretor, dado a histórias trágicas e sensíveis por notar uma falta delas abraçadas com seu mesmo fervor no cinema e na televisão. Por um lado, são notáveis o esforço e o desempenho da equipe para criar a atmosfera ideal para a trama. Por outro, esta quantidade de dor cria o resultado oposto ao esperado. A fotografia em película de 35mm de Jody Lee Lipes dá textura às cores e imprime o aspecto frio e distante que se reflete em todas as relações familiares de Dominick, mas sobretudo na dinâmica contraditória que tem com o seu gêmeo, Thomas. Ele quer protegê-lo, mas ao mesmo tempo preferia se manter distante, um misto de afeto e repulsa que o enche de culpa quando se vê cada vez mais impossibilitado de ajudar o irmão, enquanto sua própria vida desmorona.

Desta forma, os episódios carregam um ar existencialista e catastrófico, e buscam fazer uma reflexão sobre o impacto que lares fraturados têm sobre a forma como cada um se enxerga enquanto indivíduo. Enquanto passeia por décadas de sofrimento da família Birdsey,  mostra remorsos se acumulando, pequenos gestos reverberando e a inquietude da pergunta  que Dominick quer responder sobre a sua origem transformando ainda mais a realidade e a forma como ele lida com namorada, ex-esposa, padrasto, psicólogas. E isso, até certo ponto, é coerente. Enxergamos a infância dos gêmeos por uma ótica traumatizada que só se lembra dos piores momentos, e o tema da história é exatamente a transformação por fogo que vem do ato de aceitar o passado e perdoar. A calma que vem a seguir cai como uma merecida recompensa, uma sensação de paz que conforta uma pessoa que já está exausta depois de se sentir amaldiçoada pela história da família. O problema é que, bem, isso demora demais para acontecer.

Partindo do princípio que nada existe em um vácuo, é difícil desassociar a minissérie, de seis episódios, da realidade que nos assola em um mundo tomado por uma pandemia sem precedentes. Assistir a uma série tão emocionalmente desgastante quando estamos rodeados por um mundo igualmente devastado soa masoquista e quase sádico, uma competição de sofrimento que resulta em apatia. Quando você está em uma sessão de tatuagem com a mesma porção de pele recebendo agulhadas por duas horas, por exemplo, bastam 30 minutos para que a dor se anestesie e você não sinta mais que um leve formigamento. Aqui, a dinâmica é parecida. Mas, se depois de 2 horas, ver o desenho pronto na pele é satisfatório, após cinco episódios e meio em que tudo é dor com um mínimo de compensação emocional, tudo o que dá para sentir é exaustão. Os breves minutos de paz não são o suficiente.

À parte, é importante salientar que o trabalho de Mark Ruffalo é espetacular tanto quanto Dominick ou Thomas, e que o elenco é parte essencial para manter a história no lugar. A excelente Kathryn Hahn imprime algumas cores na dinâmica, e a presença breve de Juliette Lewis é eficaz ao trazer uma certa velocidade aos diálogos, mas sua participação é tão curta que não tem um real efeito a longo prazo. No fim das contas, o grande problema de ‘I Know This Much is True’ é não saber balancear as doses entre desolação e esperança. Se não estivéssemos em uma pandemia, talvez o impacto disso não tivesse sido tão problemático.

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Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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