A Identidade Langdon
A terceira vez é o charme. Só que não. Certos autores possuem estilo e estrutura narrativa tão recorrentes, e de fácil identificação, que se tornam quase paródias de si mesmos. Temos na lista, por exemplo, Stephen King, o mestre do terror, cuja maioria dos livros utilizam temas bem similares. O mesmo pode ser dito do romancista açucarado Nicholas Sparks. No hall também temos Dan Brown, escritor que causou impacto com O Código Da Vinci e desde então vem emplacando com novas aventuras de seu personagem Robert Langdon.
No cinema, Langdon fez o caminho inverso e começou justamente por seu maior sucesso. O Código Da Vinci (2006) era uma das produções mais esperadas de seu respectivo ano, se tornando igualmente uma das maiores bilheterias. Refletindo o material fonte, Anjos & Demônios (2009) não causou o mesmo impacto, mas não matou as chances de uma sequência, que chega finalmente agora, sete anos depois da última aparição de Langdon no cinema e dez anos após sua estreia. O Símbolo Perdido, o romance que prosseguiu as desventuras do Professor simbologista mais famoso da literatura, foi deixado de lado em prol do mais recente Inferno, que acaba de ganhar às telonas mundiais.
O astro Tom Hanks incorpora Langdon pela terceira vez – embora o autor tenha pensado originalmente e descrito o personagem nas formas de Harrison Ford (talvez com muita idade para tanta correria) – aposentando de vez o mullet tão criticado no filme original. Hanks sempre aparenta ligado no automático nos filmes desta franquia, como se estivesse apenas à espera de um polpudo cheque, e aqui não é diferente. Como prova disso, o ator desempenha uma das cenas de desmaio mais canastronas do cinema recente – talvez tire um pouco do foco a morte de Marion Cotillard em O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). Quem retorna também é o cineasta Ron Howard, que comandou os filmes anteriores, em mais uma direção sistemática e sem assinatura. O que parece é que Howard fez de sua marca para a franquia deixar tais filmes sem qualquer alma e extremamente burocráticos. No cinema, Langdon é um Indiana Jones aborrecido, verborrágico e didático.
Na trama, desta vez pegando um pouquinho de Jason Bourne, Langdon acorda em um hospital sem recordações de como foi parar ali. Aos poucos, o protagonista vai recobrando exatamente as informações uma a uma a fim de fazer a trama girar. Ele lembra de um objeto, então este agora será a chave, e de pista em pista, como nos outros filmes, todo o mistério irá se desvendar. De Florença para Veneza, o protagonista vai da Itália para a Turquia, em Istambul, em mais uma jornada a fim de impedir um cataclismo mundial. Se serve de consolo, Inferno se parece mais com O Código Da Vinci do que com Anjos & Demônios. No entanto, a novidade presente no primeiro filme da franquia já se esvaiu, e assim como nos livros de Dan Brown as produções para o cinema duplicam a mesma estrutura esperada, alterando somente pequenos elementos, como personagens e cenários.
A trama de Brown se mantém minimamente interessante ao apresentar algumas reviravoltas, tornando este um suspense de raiz, embora básico e esperado. Aliados não são quem parecem e vice versa. A direção segura de Howard não cria bons momentos e deixa a intensidade em um nível mínimo. A melhor cena é uma perseguição em um museu da Itália, envolvendo a vilã Vayentha (Ana Ularu) e seu desfecho, que disfarçada de policial cria uma boa antagonista e faz as vezes de Paul Bettany e Nikolaj Lie Kaas, dos filmes anteriores.
No time de adições, Felicity Jones e Omar Sy interpretam respectivamente a Dra. Sienna Brooks e o agente Christoph Bruder. Ela, uma aliada que será a companhia feminina obrigatória para os acasos “adrenalinescos” de Langdon, e ele, o motivo pelo qual fogem. Uma, ou algumas, guinadas interessantes são desenhadas para seus personagens, jogando a audiência de um lado para o outro sem saber no que acreditar. Irrfan Kahn (As Aventuras de Pi), astro indiano, e a dinamarquesa Sidse Babett Knudsen (da série Westworld), também ganham destaque com personagens importantes para a trama. Quem surpreende, no entanto, é Ben Foster, com uma aparição quase toda em flashback, no papel do ricaço ideológico Zobrist. Cheio de nuances e com mais desenvolvimento do que a maioria que participa de fato da ação, é Foster quem dá o pontapé inicial e motiva a trama.
Inferno é uma produção feita sob encomenda. É divertimento rápido e rasteiro, que até chega a levantar boas questões, mas falha abertamente em desenvolve-las além de um consumo instantâneo. Seus personagens igualmente são apenas rascunhados e ganham contornos básicos para se tornarem críveis dentro de tal universo artificial. Não comprometem o andamento e alguns atores se saem bem, parecendo ter se divertido, em especial Sy e Jones. Inferno chega inclusive a pegar emprestado de Vidas em Jogo, de David Fincher, e isto é tudo o que irei dizer sem spoilers. O didatismo de tal trilogia pode não funcionar perfeitamente no cinema, mas entretém minimamente seu público durante a projeção, mesmo que esta aula online disperse mais vezes do que prenda a atenção.