segunda-feira, dezembro 22, 2025
InícioCríticasCritica | Infiltrado na Klan – Spike Lee retorna ao auge da...

Critica | Infiltrado na Klan – Spike Lee retorna ao auge da forma, rumo ao Oscar

Passado e Presente

Para entender a significância de Infiltrado na Klan, é necessário entender o quão importante e subversivo foi o cinema de seu diretor, Spike Lee. Um dos grandes ícones da contracultura ainda no final da década de 1980, o cineasta se tornou o mais emblemático representante do cinema social e racial dos EUA – ao ponto de ver sua fama ecoando ao mainstream. O cinema saído dos guetos ganhava status de superprodução, bancado por um grande estúdio como a Universal – parceira mais usual do artista.

Faça a Coisa Certa (1989), seu filme mais lembrado, permanece como marco reflexivo sobre temas ainda relevantes e atuais. No entanto, nos últimos anos, Lee foi muito acusado de perder sua voz e não ter mais tanto o que dizer – já que suas questões primordiais já haviam sido todas adereçadas, nos mais variados ângulos – e sua vida pessoal envolta em certas polêmicas ao tentar se reajustar aos novos tempos. Como consequência, os últimos trabalhos do cineasta foram relegados a lançamentos restritos ou direto em vídeo (como foi o caso no Brasil). Verão em Red Hook (2012), Da Sweet Blood of Jesus (2014) e Chi-Raq (2015) são produções que poucos ouviram falar.

Tudo isso muda de figura quando se trata de Infiltrado na Klan, o mais recente longa de Spike Lee – que já causava comoção antes do lançamento. Baseado no livro do próprio Ron Stallworth, o filme viveu para se tornar um sucesso de público e crítica nos EUA, despertando instantaneamente comentários de prêmios (os quais mantém e deve de fato concretizar).

A trama quase inacreditável – caso não soubéssemos se tratar de uma história real – apresenta o detetive Stallworth, vivido por John David Washington (filho do ator Denzel Washington na vida real), dividido entre suas obrigações profissionais junto a uma instituição – que assim como grande parte da mentalidade da época na década de 1970 – ainda muito racista. Remando contra a maré, assim como um Jackie Robinson com distintivo (paralelo enfatizado pelo roteiro), o protagonista supera todas as adversidades, agindo da forma certa, a fim de provar seu valor.

Na contracorrente, estão missões como se infiltrar na organização dos Panteras Negras – considerados ameaça ao governo americano pela incitação de violência, seguindo a linha da autodefesa mais extremista de Malcolm X. Na investigação, o protagonista conhece e desenvolve um relacionamento que vai além do trabalho com a presidente de uma organização de militância estudantil (papel de Laura Harrier – de Homem-Aranha: De Volta ao Lar – na atuação divisora de águas em sua carreira).

O assunto principal, no entanto, é o caso do policial numa das células da horrenda Ku Klux Klan, organização racista de extrema direita, que ainda possui seus adeptos atualmente. É neste desenvolvimento, que existe como cerne da obra, que Lee atinge e recobra sua maestria como contador de histórias. Sua narrativa se entrelaça facilmente com o cinema entretenimento, passeando de forma exímia (da forma que somente os grandes dominam) por gêneros como o suspense, o drama e a comédia. Sim, Lee sabe extrair o humor do desconforto como poucos, ao mesmo tempo em que enfia mais o dedo na ferida.

Assim como o próprio protagonista, Infiltrado na Klan existe em dois mundos. Ron, o personagem principal, jura lealdade à força policial do Colorado, mesmo que para isso aceite tarefas que vão contra o que acredita de forma pessoal, mas que estão dentro da lei. Ao mesmo tempo, segue promovendo o empoderamento negro de uma maneira justa, fazendo mais pela causa do que os que se julgam detentores únicos de tais direitos.

O elenco conta ainda com desempenhos inspirados de Adam Driver (o “avatar” de Ron), Topher Grace (o líder da Klan) e, em especial Jasper Paakkonen (o fanatismo ambulante Felix) e Ryan Eggold (o representante da célula). Além de uma participação de arrepiar a espinha do lendário Harry Belafonte – numa cena chave.

Clamando o melhor do cinema autoral-comercial de Hollywood (muito em baixa na era da reciclagem de ideias atual), Spike Lee demonstra tudo o que sabe em Infiltrado na Klan, entregando um conteúdo questionador em cenas para lá de provocativas, desconfortáveis e até mesmo perturbadoras. O novo trabalho do diretor te fará refletir de uma forma intensiva – assim como Faça a Coisa Certa fez há 30 anos. É incrível que tais temas tão distantes ainda precisem ser reforçados (agora mais do que nunca), questões que deveriam ter ficado para trás ao ponto da extinção.

Passado e presente se conectam de forma desconcertante, mas precisa. Não por menos, Infiltrado na Klan é um relato histórico que termina com uma mensagem para o hoje, para uma era na qual aterradores estereótipos se concretizam como realidade desavergonhada. O novo “bagulho” de Spike Lee é uma viagem necessária, que surge em nossa frente como espelho triste da atualidade.

author avatar
Pablo R. Bazarello
Crítico, cinéfilo dos anos 80, membro da ACCRJ, natural do Rio de Janeiro. Apaixonado por cinema e tudo relacionado aos anos 80 e 90. Cinema é a maior diversão. A arte é o que faz a vida valer a pena. 15 anos na estrada do CinePOP e contando...
MATÉRIAS
CRÍTICAS

NOTÍCIAS