O autor Stephen King tem um poder inacreditável em mexer com nosso imaginário e psicológico, e suas tramas são sempre envoltas de um tom sombrio e complexo que conquistou leitores do mundo inteiro e tem uma legião cada vez maior de seguidores.
Devido à complexidade de seus livros, suas obras são dificilmente adaptadas com decência, sempre gerando um conteúdo muito aquém do material original.
Quando a adaptação funciona, temos obras cinematográficas icônicas como ‘Um Sonho de Liberdade’, ‘Carrie – A Estranha’, ‘O Iluminado’, ‘Conta Comigo’… e é claro, ‘It – A Coisa‘ (2017).
O livro ‘It‘ já havia sido adaptado em 1990 em forma de uma telessérie norte-americana, que foi lançada no Brasil como um telefilme em duas fitas VHS com o título ‘It – Uma Obra-Prima do Medo‘, que aterrorizou toda uma geração com o Pennywise vivido pelo ótimo Tim Curry.
Com muito mais dinheiro em caixa e o aval da Warner Bros., o diretor Andy Muschietti e a produtora Barbara Muschietti decidiram readaptar o livro de 1104 páginas em dois filmes. O Capítulo 1 foi extremamente bem sucedido e se tornou o filme de terror de maior bilheteria da história do cinema, arrecadando US$ 700,4 milhões mundialmente.
Dois anos depois, ‘It – Capítulo 2‘ chega aos cinemas repleto de expectativas. Mas o filme é bom?
Levando à risca a regra de Hollywood que a sequência tem que ser maior, o segundo Capítulo aumenta todas as apostas e entrega uma superprodução que custou US$ 70 milhões, o dobro do orçamento do primeiro filme (US$ 35 milhões).
O alto orçamento pode ser visto na telona: é um filme megalomaníaco, uma jornada épica na mente deturpada do Pennywise. Sim, o filme entrega tudo o que os fãs esperam… mas falha em seu ritmo.
Enquanto o Capítulo 1 tinha um roteiro redondinho, mostrando os pavores de um grupo de crianças enquanto são atacados por uma entidade maligna, a sequência se perde em meio a diversas histórias paralelas que deixam o filme cansativo em diversos momentos. As 2 horas e 49 minutos de projeção trazem um ritmo arrastado, por horas sonolento, apesar da fotografia impecável e da direção estilosa de Muschietti.
O roteiro de Gary Dauberman (‘A Freira‘) tenta adaptar o máximo de passagens do livro (apesar de muitas terem ficado de fora), e grande parte delas simplesmente não funciona bem nas telonas. A trama traz diversas pontas soltas que não são explicadas, deixando em aberto trechos importantes da mitologia do Pennywise.
A abertura do filme é majestosa, com uma sequência em um parque de diversões aonde um crime de ódio choca a audiência, e então descobrimos que Pennywise voltou. Nesse momento, já percebemos que o filme terá toques épicos. Em uma sequência brilhante, descobrimos onde está cada um dos protagonistas do primeiro filme após 27 anos.
O melhor está em seu elenco. Bill Hader rouba todas as cenas como o Richie adulto, em uma atuação digna de Oscar. Ele consegue trazer todo o drama que o personagem pede e ainda adicionar humor, se tornando o grande alívio cômico do filme. James McAvoy mais uma vez demonstra ser um dos atores mais esnobados de Hollywood e brilha como o protagonista Bill. Jay Ryan está ótimo como o Ben, assim como James Ransone, Isaiah Mustafa e Andy Bean.
Bill Skarsgård está tão icônico no papel do Pennywise quanto Tim Curry, e o ator visivelmente entrou na mentalidade deturpada do monstro para criar um personagem deveras assustador cuja risada vai te dar pesadelo.
Minha única decepção, talvez pela expectativa, foi com Jessica Chastain. Apesar de ser extremamente parecida com a jovem Sophia Lillis, sua Beverly parece apática e perdida, sem todo o carisma que a personagem trouxe no Capítulo 1. Uma atuação contida, que não faz jus à atriz. Talvez o roteiro tenha dado pouco espaço para a atriz trabalhar , visto que toda a construção dos personagens vem através de flashbacks…
O primeiro ato é ágil, cheio de humor e alguns bons sustos, e segue o mesmo ritmo do Capítulo 1. Quando os protagonistas se reúnem em uma cena maravilhosa no restaurante Chinês, o diretor consegue transpor de maneira brilhante o que acontece no livro para as telas, em uma das melhores e mais bem desenvolvidas cenas do filme.
Porém, a trama se perde em seu segundo ato. Quando os protagonistas são separados e partem para missões sozinhos, o excesso de flashbacks e a edição tornam o meio do filme arrastado e cansativo. Por sorte, o diretor consegue retomar o ritmo da trama em seu terceiro ato, uma explosão de eventos e ação no assustador embate entre o Clube dos Perdedores com o Pennywise, conseguindo criar um final decente para a história (já que no livro o desfecho era uma grande viagem…).
Apesar das “barrigas” no meio do filme que tornam a história um pouco estafante, ‘It – Capítulo 2‘ deve agradar aos fãs que estão esperando o desfecho da história. Tudo no filme é épico, incluindo a jornada, que por vezes me lembrou os filmes da franquia ‘O Senhor dos Anéis‘. Não, não é viagem. A escala da produção é muito similar.
O excesso de CGI talvez possa incomodar aqueles que gostariam de ver cenas de terror: todas as cenas que tentam assustar o cinéfilo são repletas de Computação Gráfica e Efeitos Especiais, tirando todo o realismo em torno delas. Assim como fez em ‘Mama‘, Muschietti abusa do uso desse artifício, deixando as cenas assustadoras extremamente “plásticas” e surreais.
Usando mais drama do que terror, e agora adicionando toques de humor, o Capítulo 2 entrega uma aventura cheia de suspenses, mas esquece de trazer também um pouco do terror e dos sustos. Ainda que tenha toda uma grandiosidade em torno do projeto, o filme é bastante inferior ao Capítulo 1. Diverte e entretém, mas dificilmente ficará no hall das melhores adaptações de Stephen King.
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