“Quão longe é longe demais?”
Jessica Jones, definitivamente, já viu dias melhores. Enquanto a primeira temporada conta com um vilão enigmático, uma história de apresentação espetacularmente bem desenvolvida, a ponto de classificá-la como uma das melhores na faixa Marvel/Netflix, e um amadurecimento de personagem espetacular, a segunda perde um pouco do foco ao longo dos treze episódios apresentados.
Que a série é um slow burn, já sabemos, contudo, existe uma diferença entre levar um tempo para se desenvolver e colocar alguns capítulos jogados no meio da história somente para encher linguiça. Enquanto os sete primeiros episódios apresentam bem a intenção do que será trabalhado nesta nova temporada, contando com um roteiro que instiga o telespectador a querer descobrir mais sobre como tudo irá terminar, os episódios oito, nove e dez parecem ter sido apenas colocados ali para dar volta em torno de si mesmos. A partir do onze a série começa a dar uns passos novamente e retoma a vida no doze para uma finalização impactante no treze, mas não tanto quanto o da primeira temporada. É previsível que certas coisas vão acontecer e a forma como tais ações irão provocar algumas reações.
A segunda temporada da série criada por Melissa Rosenberg (Dexter) de fato não tem um vilão físico, um vilão que o público possa enxergar, odiar, desejar que seja pego e preso para todo o sempre, a situação aqui é mais psicológica, é a narrativa mostrando como a Jessica (Krysten Ritter) precisa combater os próprios demônios para sair deste beco sem saída, para voltar à vida.
Os diálogos e a interação de Jones com a personagem de Janet McTeer, que, por sinal, está excelente em conquistar o desprezo do público, é a dobradinha perfeita com Trish Walker (Rachael Taylor) para mostrar à investigadora particular duas partes diferentes do seu mundo, resgatar a si dos conflitos interiores e se perguntar quais serão as escolhas tomadas dali em diante. Desde a primeira temporada a série trabalha com questões associadas a psicologia, como o próprio trauma, e nesta nova etapa não poderia ser diferente, só que ainda mais intensa que anteriormente.
É preciso destacar o maior tempo de tela dado aos personagens secundários: o crescimento da própria Trish, que se torna quase uma co-protagonista, com os próprios demônios para enfrentar e uma busca incessante para ajudar a irmã adotiva. Diria que, na única comparação justa que poderia ser feita com Supergirl aqui, a relação mais importante de Jessica Jones é a entre as duas (Jessica e Trish). Ambas sempre fazendo escolhas uma pela outra sem antes consultar.
Malcolm Ducasse (Eka Darville), o único em condições mentais apropriadas, também cresce muito e mostra, finalmente, a que veio, é gratificante ver a importância que o mesmo ganha. Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), bom, é a Jeri Hogarth, não importa quão ruim a situação possa ficar para a mesma ou quão boa, a advogada parece não aprender nunca onde está a linha que significa que você passou dos limites. A participação de Kilgrave (David Tennant) também é essencial para a evolução de Jessica.
A direção, que é assinada somente por mulheres, mantém o nível da primeira temporada e também dos cinco primeiros episódios da segunda, como dito nas primeiras impressões. A arte também faz o trabalho de casa certinho e agrada ao inserir o telespectador naquele universo. Quando nem tudo é perfeito, o trabalho de cores feitos em Jessica Jones é o que salva.
A segunda temporada não está muito perto de ser a obra-prima que a primeira foi, contudo, permanece não hesitando em trabalhar temas importantes e tão debatidos quando o assunto são mulheres. E também é intrigante ver o quão longe Jessica Jones é capaz de ir, até mesmo quebrando protocolos que ela havia imposto a si mesma, por algo que pode ser a ruína dela.
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Para aqueles que já assistiram aos treze episódios gostaria de perguntar: será que vimos um prelúdio para a Hellcat? Para aqueles que não sabem ou não se recordam, Patsy Walker, apesar de já ter trabalhado com os Vingadores e os Defensores, só adquire habilidades após morrer e passar alguns anos no inferno. Portanto, é válido ressaltar que Trish Walker morreu por alguns segundos e aparentemente retornou com poderes, afinal, aquele reflexo para pegar o celular com o pé é coisa de gato (risos). Que venha, Hellcat! Nunca te pedi nada, Rosenberg.
Assim como este cliffhanger, outro deixado foi no que será que Malcolm irá se meter sendo sócio do detetive Pryce Cheng (Terry Chen) e indo trabalhar para Jeri em… “sabe o Cosmo qual furada ilegal“. E por quanto tempo Jessica e Trish ficarão separadas? Se a apresentadora, de fato, se tornar a Hellcat, os conflitos que podem surgir entre as duas nas noites de Nova York serão interessantes.
A propósito, entendo o que levou Trish Walker a matar a Alisa (Janet McTeer): assim como a grande razão da Jessica matar o Kilgrave foi o momento em que a melhor amiga se encontra em perigo, a ex-personalidade mirim também é levada a fazer o mesmo ao ver a pessoa mais importante de sua vida sob ameaça. É, inclusive, interessante ver a presença tão forte de Dorothy Walker (Rebecca De Mornay) na segunda temporada e o quão abusiva a mesma é com a filha, o mesmo vale para a mãe de Jones, que de maneira diferente, se comporta desta forma com a investigadora.
Mas enfim, agora nos resta esperar saber se a série retorna para uma terceira temporada e a resolução dos cliffhangers deixados.