Jean-Pierre e Luc Dardenne, ganhadores da Palma de Ouro com Rosetta (1999) e A Criança (2005), retornaram pela 11ª vez à Croisette com Jovens Mães (Jeunes Mères), um drama duro e preciso sobre adolescentes em conflito com a precoce maternidade, em um cenário marcado por abandono, violência, dependência química e instabilidade familiar. Ambientado em um lar de acolhimento em Liège, na Bélgica, o filme acompanha cinco meninas — embora o foco se concentre em quatro delas — em um percurso emocional e prático sobre como cuidar de um bebê e, principalmente, como estabelecer um vínculo com esse novo ser em meio ao caos.
Jessica (Babette Verbeek), Julie (Elsa Houben), Ariane (Janaina Halloy) e Perla (Lucie Laruelle) têm entre 14 e 16 anos e engravidaram por “acidente”. Com roteiro premiado em Cannes, os Dardenne exploram gradualmente as cicatrizes de cada uma dessas jovens, revelando que os nove meses de gestação não bastam para que estejam prontas para o que está por vir — o verdadeiro obstáculo é a negação. Jovens Mães se debruça sobre essa barreira emocional, oferecendo elementos que, sob um olhar psicanalítico, associam a gravidez a uma tentativa inconsciente de constituir uma família e preencher lacunas afetivas. O “gozo”, como elaborado na teoria lacaniana, não encontra sustentação na realidade — especialmente quando o apoio paterno é ausente ou apenas simbólico..
Na cena de abertura, Jessica tenta reencontrar a mãe biológica, que a deixou em um lar adotivo. O desejo não se concretiza, intensificando feridas antigas. Ela então precisa aceitar sua própria humanidade e reconhecer que pode repetir o mesmo “erro” que tanto condenava. Perla, por sua vez, rejeita a realidade: a maternidade só faz sentido para ela se estiver acompanhada de Robin (Günter Duret), o namorado ausente que sequer reconhece a paternidade. O abandono paterno, portanto, pode acontecer a qualquer momento — basta o silêncio. Algo impensável para a mãe, mas permissível ao pai.
Ariane convive com uma mãe (Christelle Cornil) presente, mas emocionalmente destrutiva. Em vez da ausência, ela enfrenta uma presença sufocante, marcada por vícios e chantagens emocionais. Ao longo do filme, percebemos que Ariane foi, talvez, um projeto frustrado da mãe alcoólatra, e sua tentativa de adotar a racionalidade na tomada de decisões é uma tentativa de romper esse ciclo. Já Julie parece a mais estável entre as quatro, com um namorado (Jef Jacobs) presente e afetuoso, e um esforço concreto para reconstruir a vida, inclusive por meio de um estágio como cabeleireira. Sua fragilidade, no entanto, se revela na autossabotagem através do uso de entorpecentes, tornando sua trajetória simultaneamente esperançosa e inquietante.
Embora o foco esteja no cotidiano da maternidade precoce, o tema da interrupção da gravidez é abordado com sensibilidade. Cada menina tem seus próprios motivos para não ter optado pelo aborto — seja por falta de tempo, ignorância, desejo ou negação. A força do filme está justamente nesse ponto de vista: não há moralismo, apenas a exposição crua de dilemas sem resoluções fáceis. Com maestria, Jovens Mães nos imerge na complexidade dessas jovens — que por vezes irritam, como é natural para sua idade, afinal ainda são crianças com a responsabilidade de cuidar de outras — e nos faz questionar como agiríamos em seus lugares.
Assim como em Dois Dias, Uma Noite (2014) e O Garoto da Bicicleta (2011), os Dardenne mergulham na vida de pessoas à margem, abordando com desconforto o entrelaçamento entre classe trabalhadora, exclusão social e escolhas impossíveis. O lar de acolhimento funciona como microcosmo de uma sociedade que oferece apoio prático, mas que não consegue curar feridas emocionais. Mesmo quando há uma tentativa de estabelecer novas formas de cuidado — como a entrega voluntária do bebê para adoção — a dúvida sobre o que é amor, sacrifício ou desistência persiste.
Os irmãos belgas não levaram a terceira Palma de Ouro por Jovens Mães, mas o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes parece reconhecer justamente isso: a criação de personagens que, mesmo difíceis de entender ou aceitar, são absolutamente reais. O desconforto que provocam é reflexo de um cinema que se recusa a oferecer respostas prontas — preferindo nos colocar frente a frente com a complexidade humana, como um espelho que não nos poupa.