Kathryn Bigelow é uma das cineastas mais prestigiadas da atualidade e ganhou atenção mundial após se tornar a primeira vencedora do Oscar de Melhor Direção por seu trabalho em ‘Guerra ao Terror’. Desde então, ela mergulhou em outras produções criminais ou políticas, incluindo ‘A Hora Mais Escura’ e ‘Detroit’, continuando a explorar escopos grandiosos através de narrativas frenéticas e bastante envolventes. Agora, Bigelow está de volta com uma ambiciosa parceria com a Netflix que ficou intitulada ‘Casa de Dinamite’ – um poderoso thriller conspiratório que analisa o barril de pólvora em que o mundo se encontra.
Ao longo de quase duas horas, a diretora nos convida ao suspense mais enervante do ano e não poupa esforços em escalar um time de atores e atrizes estelar que se divide em três núcleos diferentes – fornecendo-nos uma perspectiva tríptica que, apesar de se concentrar em mesmo período, em momento algum torna-se repetitiva ou cansativa. E, apostando em uma estética documental, Bigelow nos arremessa em uma corrida contra o tempo que traz à tona comentários sobre a cultura armamentista e nuclear que se instaurou entre as principais potências do planeta no período pós-Guerra Fria, reacendendo explorações sobre a necessidade da conquista e a consecutiva destruição da civilização moderna.

Acompanhando tantos outros títulos similares dos últimos anos, o longa-metragem encontra sucesso ao se sagrar uma experiência sinestésica: na trama, o governo dos Estados Unidos mobiliza forças ao descobrir que um míssil não-identificado foi lançado em direção a uma das principais metrópoles do país, Chicago, compelindo os funcionários dos órgãos de segurança e de defesa a esquadrinhar um plano para impedir que uma catástrofe aconteça. Navegando entre a iminência de uma destruição completa, os oficiais tentam entender quem deu autorização para o lançamento do míssil e como responder a esse ataque terrorista – colocando em xeque o futuro da raça humana e o último capítulo da conquista bélica.
Como já mencionado, a estrutura do projeto divide-se em três e converge para um ponto em comum que se estende por 18 minutos – convidando os espectadores a acompanhar os esforços incansáveis para impedir que uma III Guerra Mundial se inicie. E, diferente do que poderíamos imaginar, o escopo épico é deixado de lado para a construção de estudos de personagens e a condição do ser humano frente a uma força incontrolável e ao inescapável prospecto da morte: cada parte dessa “trilogia” mergulha em um labiríntico cenário do qual não há salvação, mesmo que a reafirmação do controle seja constante e a frustração seja um resultado inexorável, garantindo uma claustrofobia angustiante que nos impede de desviar o olhar.
Acompanhada do roteiro de Noah Oppenheim, Bigelow se permite criticar cada setor da sociedade e dos órgãos políticos que regem o planeta, fugindo dos complexos de “salvador branco” que normalmente são designados a personagens norte-americanos e questionando a hegemonia do país através de um ataque organizado e inesperado. E, em vez de procurar um culpado ou um bode expiatório, a diretora se vê diante de um desprendimento de arquétipos cinemáticos para se apropriar de uma bem-vinda humanização, em que cada personagem é arrastado para um vórtice estoico de aceitação e melancolia, incapazes de impedirem o que foram programados para defender desde sempre.
Ao contrário do que imaginamos, não há qualquer romantização sobre a constante disputa bélica que se estende como uma erva daninha entre os países – e sim um alerta que, dia a dia, torna-se mais palpável. Bigelow e Oppenheim esquadrinham o início do fim, a gota d’água que não apenas premedita a retaliação estadunidense, como uma obrigatoriedade incisiva e categórica da defesa da pátria, por mais que isso custe vidas humanas. Essa frieza calculista é reiterada pela sóbria e complacente fotografia de Barry Ackroyd, que faz questão de isolar os personagens em uma compulsória despedida que já nos é anunciada há muito tempo; e pela dissonante trilha sonora assinada por Volker Bertelmann, que se apoia em cordas estridentes e em uma tensão orquestral para denotar uma escolha impossível.
A construção atmosférica não seria possível sem o irretocável comprometimento do elenco, com alguns destaques que tornam essa jornada ainda mais instigante e perturbadora. Rebecca Ferguson domina a primeira parte do filme como Olivia Walker, oficial sênior da Sala de Situação da Casa Branca, emergindo como uma mediadora entre seus superiores enquanto espera uma decisão clara à medida que tenta salvar a família; Idris Elba em uma poderosa e sufocante atuação como o Presidente dos Estados Unidos; Jared Harris como o Secretário de Defesa Reid Baker, representando a inevitabilidade da morte e a consequência da egolatria humana; e Gabriel Basso como o Conselheiro de Segurança Nacional Jake Bearington, cuja diplomacia deixa a entender que, mesmo em momentos difíceis, é possível encontrar uma centelha de esperança.
‘Casa de Dinamite’ poderia ter se rendido aos convencionalismos do gênero ao apenas emular tantas histórias similares, mas encontra sucesso ao abraçar certas fórmulas para garantir o máximo aproveitamento dos espectadores. Refletindo o momento crucial e irruptivo em que vivemos, Kathryn Bigelow acrescenta mais uma ótima obra à sua filmografia ao mostrar um cenário que, pouco a pouco, se torna mais crível e mais amedrontador.