terça-feira , 5 novembro , 2024

Crítica | Kristen Bell é a verdadeira estrela da irregular sátira de suspense ‘A Vizinha da Mulher na Janela’

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Uma mulher com passado traumático vive sozinha em uma casa e vira testemunha de um assassinato que todos tentam convencê-la de que foi apenas fruto de sua imaginação. Entretanto, à medida que vence os problemas pelos quais passa, ela se envolve em uma trama perigosa que a lança em um ciclo de autossabotagem mortal. Lutando contra inúmeras adversidades, ela quer encontrar a verdade e provar que não é louca – e que algo muito estranho está acontecendo do outro lado da rua.

Se a premissa parece familiar, é porque rege grande parte dos thrillers psicológicos que saíram nos últimos anos – incluindo o recente ‘A Mulher na Janela’, da Netflix. Mas não se enganem: a breve sinopse do parágrafo acima é, na verdade, a premissa de A Vizinha da Mulher na Janela (ou, como ficou conhecida no original, ‘The Woman in the House Across the Street from the Girl in the Window’, uma resposta ao fracasso crítico e comercial do suspense estrelado por Amy Adams). A verdade é que, talvez como nenhuma outra plataforma de streaming, a Netflix aprendeu a rir com os erros que cometeu e com os vazios projetos a que deu sinal verdade, utilizando a resposta pungente e imediata dos espectadores para brincar com o que lhe foi disposto. Dessa maneira, a série, estrelada por Kristen Bell, usa e abusa propositalmente dos clichês do gênero para transformar um mistério formulaico em uma crítica sátira – ou ao menos tentar fazer isso.

Woman in the Window

A história é centrada em Anna (Kristen Bell), uma ex-pintora que passou por um recente divórcio de um psicólogo forense do FBI (Michael Ealy) e perdeu a filha em um brutal assassinato. Passando seus dias com garrafas e mais garrafas de vinho e tentando manter a calma com calmantes, Anna começa a desenvolver uma paixão pelo recém-chegado vizinho Neil (Tom Riley) e, talvez, recomeçar o que outrora perdeu. Entretanto, as coisas viram de cabeça para baixo quando ela descobre que Neil tem uma namorada chamada Lisa (Shelley Hennig) e que, em uma fatídica noite, ela sofre um ataque e leva a protagonista a bancar a detetive para descobrir o que realmente aconteceu.

Como é costumeiro dos thrillers em que a temporada se baseia, Anna percebe que as pessoas à sua volta começam a desconfiar do que ela fala – o que é apenas outro jeito de dizer que ninguém acredita nela. A detetive Lane (Christina Anthony) diz a ela que Lisa está viva e que havia partido para trabalhar na noite anterior, enquanto Neil confirma que a namorada está bem. Mas isso não é o bastante para que Anna deixe de lado suas suspeitas, adotando o costumeiro ar taciturno dos clássicos personagens com síndrome de “salvador” para pôr um fim nas dúvidas que a assolam – e que a impedem de dormir à noite.

The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window. Kristen Bell as Anna in episode 101 of The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window. Cr. Colleen E. Hayes/Netflix © 2021

O episódio de abertura da série já denota o tom da narrativa, arquitetada com as intenções certas pelos criadores Rachel Ramras, Hugh Davidson e Larry Dorf. Em um momento em que as tramas do gênero em questão parecem não conseguir mais se desvencilhar do óbvio, o único caminho a adotar é a sátira – e, desde os vícios e os fantasmas do passado que se recusam a abandoná-la até a pluviofobia que desenvolveu após a morte da filha, os elementos são utilizados ad nauseam a fim de sustentar uma cômica tradução do que conhecemos. Anna posa como uma mulher prestes a entrar em colapso nervoso, bebendo taças e mais taças de vinho e se deixando levar pela imaginação de suspenses literários e de pensamentos reflexivos que não fazem o menor sentido, mas, sem sombra de dúvida, são divertidos.

O grande problema reside quando as constantes piadas, que ganham uma nova roupagem com a elegante condução de câmera, com a sóbria fotografia e com uma tétrica trilha sonora, começam a ficar repetitivas demais – em um exagero frenético que grita mais alto que seu propósito inicial. Bell faz um trabalho incrível com o que lhe é dado (algo que não nos choca muito, considerando sua performance impecável e aclamada na comédia ‘The Good Place’), e não pensa duas vezes antes de prestar homenagem a tantas outras protagonistas mulheres que explodiram nas telonas e nas telinhas antes dela. A própria personalidade de Anna é uma despretensiosa construção movida a metáforas vencidas, bordões insistentes e um arco que sai de lugar nenhum e chega a nenhum lugar – tudo talhado com intencionalidade memorável.

Todavia, chegando ao terceiro episódio, nota-se que a singularidade das piadas e a acidez do humor se vê defronte a um beco sem saída, sem saber em que direção seguir e obrigado dar círculos em si mesmo para relembrar, numa constância exaustiva, como cada personagem se comporta. Anna sempre está do lado de uma taça de vinho transbordando e rodeada de garrafas vazias e movimentos reincidentes; Lane é fria e usa da psicologia reversa para alcançar seus objetivos; Carol (Brenda Koo) aparece com uma expressão de julgamento em todas as cenas em que aparece, mostrando-se como a vizinha inconveniente que não tem nada a acrescentar ou a ajudar. E assim o enredo se segue, caminhando para um finale tão forçado que nem dentro desse universo jocoso funciona.

A Vizinha da Mulher na Janela tem o coração no lugar certo, mas isso não significa que o resultado é bom. Aprazível, talvez, em alguns de seus aspectos mais desinibidos – mas, em meio a tantos tropeços e acontecimentos, se engolfa na matéria que critica e é salvo somente por uma carismática e divertida interpretação de Kristen Bell.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Uma mulher com passado traumático vive sozinha em uma casa e vira testemunha de um assassinato que todos tentam convencê-la de que foi apenas fruto de sua imaginação. Entretanto, à medida que vence os problemas pelos quais passa, ela se envolve em uma trama perigosa que a lança em um ciclo de autossabotagem mortal. Lutando contra inúmeras adversidades, ela quer encontrar a verdade e provar que não é louca – e que algo muito estranho está acontecendo do outro lado da rua.

Se a premissa parece familiar, é porque rege grande parte dos thrillers psicológicos que saíram nos últimos anos – incluindo o recente ‘A Mulher na Janela’, da Netflix. Mas não se enganem: a breve sinopse do parágrafo acima é, na verdade, a premissa de A Vizinha da Mulher na Janela (ou, como ficou conhecida no original, ‘The Woman in the House Across the Street from the Girl in the Window’, uma resposta ao fracasso crítico e comercial do suspense estrelado por Amy Adams). A verdade é que, talvez como nenhuma outra plataforma de streaming, a Netflix aprendeu a rir com os erros que cometeu e com os vazios projetos a que deu sinal verdade, utilizando a resposta pungente e imediata dos espectadores para brincar com o que lhe foi disposto. Dessa maneira, a série, estrelada por Kristen Bell, usa e abusa propositalmente dos clichês do gênero para transformar um mistério formulaico em uma crítica sátira – ou ao menos tentar fazer isso.

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A história é centrada em Anna (Kristen Bell), uma ex-pintora que passou por um recente divórcio de um psicólogo forense do FBI (Michael Ealy) e perdeu a filha em um brutal assassinato. Passando seus dias com garrafas e mais garrafas de vinho e tentando manter a calma com calmantes, Anna começa a desenvolver uma paixão pelo recém-chegado vizinho Neil (Tom Riley) e, talvez, recomeçar o que outrora perdeu. Entretanto, as coisas viram de cabeça para baixo quando ela descobre que Neil tem uma namorada chamada Lisa (Shelley Hennig) e que, em uma fatídica noite, ela sofre um ataque e leva a protagonista a bancar a detetive para descobrir o que realmente aconteceu.

Como é costumeiro dos thrillers em que a temporada se baseia, Anna percebe que as pessoas à sua volta começam a desconfiar do que ela fala – o que é apenas outro jeito de dizer que ninguém acredita nela. A detetive Lane (Christina Anthony) diz a ela que Lisa está viva e que havia partido para trabalhar na noite anterior, enquanto Neil confirma que a namorada está bem. Mas isso não é o bastante para que Anna deixe de lado suas suspeitas, adotando o costumeiro ar taciturno dos clássicos personagens com síndrome de “salvador” para pôr um fim nas dúvidas que a assolam – e que a impedem de dormir à noite.

The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window. Kristen Bell as Anna in episode 101 of The Woman in the House Across the Street From the Girl in the Window. Cr. Colleen E. Hayes/Netflix © 2021

O episódio de abertura da série já denota o tom da narrativa, arquitetada com as intenções certas pelos criadores Rachel Ramras, Hugh Davidson e Larry Dorf. Em um momento em que as tramas do gênero em questão parecem não conseguir mais se desvencilhar do óbvio, o único caminho a adotar é a sátira – e, desde os vícios e os fantasmas do passado que se recusam a abandoná-la até a pluviofobia que desenvolveu após a morte da filha, os elementos são utilizados ad nauseam a fim de sustentar uma cômica tradução do que conhecemos. Anna posa como uma mulher prestes a entrar em colapso nervoso, bebendo taças e mais taças de vinho e se deixando levar pela imaginação de suspenses literários e de pensamentos reflexivos que não fazem o menor sentido, mas, sem sombra de dúvida, são divertidos.

O grande problema reside quando as constantes piadas, que ganham uma nova roupagem com a elegante condução de câmera, com a sóbria fotografia e com uma tétrica trilha sonora, começam a ficar repetitivas demais – em um exagero frenético que grita mais alto que seu propósito inicial. Bell faz um trabalho incrível com o que lhe é dado (algo que não nos choca muito, considerando sua performance impecável e aclamada na comédia ‘The Good Place’), e não pensa duas vezes antes de prestar homenagem a tantas outras protagonistas mulheres que explodiram nas telonas e nas telinhas antes dela. A própria personalidade de Anna é uma despretensiosa construção movida a metáforas vencidas, bordões insistentes e um arco que sai de lugar nenhum e chega a nenhum lugar – tudo talhado com intencionalidade memorável.

Todavia, chegando ao terceiro episódio, nota-se que a singularidade das piadas e a acidez do humor se vê defronte a um beco sem saída, sem saber em que direção seguir e obrigado dar círculos em si mesmo para relembrar, numa constância exaustiva, como cada personagem se comporta. Anna sempre está do lado de uma taça de vinho transbordando e rodeada de garrafas vazias e movimentos reincidentes; Lane é fria e usa da psicologia reversa para alcançar seus objetivos; Carol (Brenda Koo) aparece com uma expressão de julgamento em todas as cenas em que aparece, mostrando-se como a vizinha inconveniente que não tem nada a acrescentar ou a ajudar. E assim o enredo se segue, caminhando para um finale tão forçado que nem dentro desse universo jocoso funciona.

A Vizinha da Mulher na Janela tem o coração no lugar certo, mas isso não significa que o resultado é bom. Aprazível, talvez, em alguns de seus aspectos mais desinibidos – mas, em meio a tantos tropeços e acontecimentos, se engolfa na matéria que critica e é salvo somente por uma carismática e divertida interpretação de Kristen Bell.

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