O que fica para trás quando nós mudamos, quando nós nos mudamos? Como decidir o que fica e o que vai para nossa nova etapa, casa, fase, para o nosso novo eu? Pode ser que caiba tudo, pode ser que falte espaço. Pode ser, ainda, que o que faz sentido hoje não faça mais sentido no futuro, e tudo do hoje não precise ir para esse futuro. Parar para pensar esse questionamento é fundamental para não acumularmos coisas na vida – sejam essas coisas objetos, pessoas, memórias, lugares. Ainda mais nessa virada de ano – que, para a numerologia, implica no fim de um ciclo de 9 anos e o início de um novo a partir de janeiro –, uma das melhores dicas é o longa ‘Livros Restantes’, em cartaz nos cinemas.

Faltam poucos dias para Ana Catarina (Denise Fraga, de ‘O Auto da Compadecida’, totalmente distante da comédia, relembrando o público de seu potencial dramático) viajar de vez para Portugal. Ela já se desfez de quase tudo que possuía, restando apenas cinco livros, de autores distintos, dados por pessoas especiais ao longo de sua vida. Uma vez que sua viagem se aproxima, Ana Catarina decide marcar encontro com todas essas cinco pessoas, no intuito de lhes devolver o livro ganhado anos atrás, pois contêm dedicatórias emocionantes que a moldaram ao longo dos anos. Nesse processo de devolução, Ana Catarina vai encontrando formas distintas de fechar antigas portas de seu passado.
Entre outras características, ‘Livros Restantes’ é um filme-poema fora da curva. No seu tempo, no tempo da palavra ensaiada, o espectador vai acompanhando a protagonista em sua despedida à sua rotina, ao seu território e, acima de tudo, à sua vida anterior, enquanto, sem medo, espera a chegada de sua aguardada viagem onde, em novo local, espera viver diferente, mesmo que ela permaneça a mesma.
Escrito e dirigido por Marcia Paraiso, os eventos da vida são intercalados pela missão da entrega dos livros – cada um, à sua maneira, abordando questões e temáticas diferentes. Enquanto a personagem encontra antigos amores do passado e amigas ainda presente, é a literatura que conduz o desenvolvimento tanto da protagonista quanto de suas ações, o que torna até mesmo os momentos difíceis enfrentados por ela em algo mais poderoso, empoderado, e, portanto, humano. Assim, o filme constrói uma relação intimista com o espectador, passando-nos a sensação de não estarmos vendo uma ficção, mas sim de que estamos vendo cenas da vida real de alguém.

Toda essa atmosfera é favorecida pela excelente escolha de locação, uma ilha tão paradisíaca quanto bucólica. Uma vez que a protagonista vive nesse lugar com ares de férias, nosso imaginário nos conduz a outros filmes com proposta similar e de grande sucesso, como ‘Sob o Sol da Toscana’ e ‘Comer, Rezar, Amar’, com uma diferença crucial: ‘Livros Restantes’ é a jornada de reencontro de uma mulher consigo mesma – mas uma mulher brasileira, em território brasileiro, enfrentando questões e realidades comuns à gente.
Sensível, poético, nostálgico, melancólico, ‘Livros Restantes‘, inspirado pela leitura e pela literatura, propõe um movimento de desapego aos acúmulos da vida – sejam eles quais forem. Ou seja, uma boa proposta para um início de ano nos cinemas.



