Sob uma luz amarelada de uma antiga academia, Lou (Kristen Stewart) e Jackie (Katy M. O’Brian) trocam olhares e se encontram mental e emocionalmente. Completamente diferentes – uma franzina, a outra musculosa -, elas se encaixam em um tórrido e peculiar romance que poderia muito bem ser apenas uma tempestuosa e tumultuada história a dois. Mas o que Love Lies Bleeding – O Amor Sangra não nos revela logo de início é exatamente o que a torna uma das experiências mais originais e inusitadas do cinema recente. O que poderia se tratar apenas de um amor bandido, se transforma em uma caçada vingativa e sangrenta com ares de contos pulp, marcada por um plot twist absolutamente inesperado. E nem nas nossas maiores expectativas em relação à versatilidade da produtora A24 esperaríamos algo tão…divertidamente exagerado.
Se revelando como um thriller romântico surrealista, o longa de Rose Glass reitera o enorme talento e criatividade da cineasta, que sabe nos conduzir a uma espiral alucinante de efeitos dominó onde nada do que se espera genuinamente é o como parece. E nos convencendo facilmente de que estamos diante de um mero romance com um pequeno “twist”, ela se aproveita de nossa inocência perante a trama para nos tragar para dentro de um impensável e inusitado mistério, onde aquela mesma história de amor se torna apenas o elo de uma catarse familiar regada por traumas, relacionamentos quebrados e consequências caóticas.
E em apenas 1h44 de filme, Stewart lidera seu elenco com astúcia e brilhantismo, revelando uma face mais masculinizada e antissocial. Provando sua capacidade camaleônica enquanto artista, ela brinca em tela com sua personagem, se apropria de uma linguagem corporal mais rude e esconde sua beleza em um corte de cabelo mal feito e roupas surradas e desgastadas. Já O’Brian é a personificação da ostentação física e do culto ao corpo. Seus músculos sobressalentes causam inveja em qualquer maromba e rato de academia e seu sonho no fisiculturismo é o pilar de sustentação dessa rede anárquica de eventos que se desmorona como um castelo de cartas.
Juntas em uma excelente dinâmica relacional, elas fazem de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra um suspense criminal/romântico com um toque de Thelma & Louise, onde o crime rege a jornada desse casal rejeitado pela sociedade, mas disposto a transcender a frivolidade daqueles que querem separá-las e destruí-las. E nesse rolo de lã infindável, outros arcos paralelos ajudam a encorpar a trama principal, como a disfuncional e abusiva dinâmica do casal J.J. e Beth, muito bem encarnado por Dave Franco e Jena Malone, e a vida de mafioso de Lou Sr., pai de Beth e Lou, vivido de maneira poderosa por um Ed Harris pavoroso e breguíssimo (e com um mullet invejável!).
E assim, o novo thriller da A24 vai se desenvolvendo como uma poderosa pulp fiction, transformando um conto inicialmente simples em uma gigantesca história onde o elemento fantástico se une à ação e ao mistério. Adentrando ainda no folclore urbano e POP, Love Lies Bleeding consegue romper todas as nossas expectativas, superando uma a uma conforme avançamos para o seu 3º e surreal (literalmente) ato. Flertando com o caricato e até mesmo com o universo dos quadrinhos da Mulher Hulk, a produção nos faz arregalar os olhos com seu plot twist e nos leva ao riso inesperado com as ousadas escolhas narrativas de Glass e sua co-roteirista Weronika Tofilska.
Desafiando nossa percepção enquanto audiência e nos convidando a experimentar algo genuinamente autêntico, Glass e Tofilska aproveitam as telas do Festival de Sundance para nos inundar com sua sanguinolência, juras de amor exageradas e mortes aleatórias, na certeza de que o primeiro público de seu filme está à espera desse tipo de cinema. Não se levando a sério demais e cumprindo a promessa de entregar um entretenimento da mais alta qualidade e insanidade, elas fazem de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra uma aventura contagiante, chocante, divertida e cheia de surpresas. Feito para os exaustos de remakes, releituras e repetições de estereótipos, esse é aquele original A24 que comprova mais uma vez o quanto essa produtora veio para revolucionar a indústria cinematográfica.