‘Com Amor, Simon’ se tornou uma das comédias românticas mais divertidas dos últimos anos, principalmente por tratar com tanto carinho e sem quaisquer estereótipos um dos momentos mais complicados da comunidade LGBTQIA+: se assumir para a família e para os amigos.
Pouco tempo depois, o Hulu havia anunciado uma série derivada do universo criado por Becky Albertalli na forma da série ‘Love, Victor’, que conseguiu expandir a narrativa de modo mais profundo e trazendo elementos diferentes para a familiaridade estética. Na primeira temporada, Victor (Michael Cimino) se mudou do Texas para Los Angeles, lidando com todas as tribulações da adolescência enquanto lutava para entender a própria sexualidade. Apesar de ter se envolvido com a garota mais popular da escola, Mia (Rachel Hilson), Victor tinha olhos apenas para o charmoso Benji (George Sear), escondendo como se sentia para se encaixar tanto no núcleo escolar quanto no familiar – ainda mais considerando que os pais vinham de uma criação bastante conservadora e que não abria muito espaço para algo além do “normal”.
Agora, retornando para novos episódios, a obra arquitetada por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger começa quando o protagonista titular conta aos pais que é gay e, esperando uma resposta turbulenta, é recebido com certo choque que rege a atmosfera de cada um dos capítulos. A ideia aqui é desconstruir até mesmo o que esperaríamos de personagens movidos por crenças tradicionalistas – motivo pelo qual o pai, Armando (James Martinez), é muito mais acolhedor por entender que o filho é daquele jeito e que está feliz. Os problemas despontam no relacionamento entre Victor e a mãe, Isabel (Ana Ortiz), cujos valores são colocados em xeque e transformam laços outrora sólidos em frágeis linhas. Centrado nessa trama em específico, ambos ganham dimensões além do esperado e navegam por mudanças profundas que levam Isabel a questionar inclusive a congregação da qual pertence e Victor a perceber que precisa se impor e deixar claro que nada daquilo é uma fase.
É notável a evolução estética e técnica da segunda temporada em comparação com a anterior. Apesar da insistência alaranjada da fotografia, que por vezes denuncia uma repetição formulaica e que já é vista em diversas produções similares, a coesão do roteiro é o que rouba nossa atenção, fazendo questão de dar enfoque em cada uma das personas. Victor rege boa parte dos eventos que se sucedem, mas entrelaçando-se àqueles que o cercam, não fazendo-os depender dele; Mia passou dez semanas como monitora de um acampamento de férias para colocar a cabeça no lugar, entendendo que não poderia ficar brava com Victor por ser quem ele é, mesmo se sentindo traída; Felix (Anthony Turpel) e Lake (Bebe Wood) se unem em um casal perfeito que, como é de esperar, também passa por inúmeras problemas até culminar em uma realização chocante.
Até mesmo Pilar (Isabella Ferreira) se afasta da pose rebelde que mostrou anteriormente para entender que as coisas são muito mais complexas do que aparentam e que ela sente orgulho do próprio irmão pela coragem de se assumir – sendo a única a sequer julgar quem Victor é. Nesse âmbito, o trabalho de condenar as atitudes de Isabel, que também enfrenta uma separação e um desejo de reconciliar o casamento com Armando, é muito difícil, visto que ela é obrigada a desconstruir o que lhe foi passado e entender que, não importa o que aconteça, ela ama o filho e só quer que ele seja feliz.
Há certas repetições que se alastram pelos episódios, como as constantes desavenças entre Victor e Benji. Após se assumirem para os colegas e perceberem que tudo irá mudar, a mentalidade de ambos entra em conflito pelo fato de não terem a mesma experiência, seja em relação a sexo, seja em relação a mostrar-se para os outros. Cimino não abandona os trejeitos mais tímidos e reservados do protagonista, mas os utiliza para mudar aspectos da própria personalidade, permitindo que ele comece a falar sobre preconceitos e aceitação. Mais do que isso, ele também percebe que existem pessoas que passam por situações piores, como é o caso de Rahim (Anthony Keyvan), amigo muçulmano de Pilar que morre de medo em se assumir para os pais e sofre dentro da própria comunidade por ser afeminado e por não seguir padrões de gênero.
Enquanto o ritmo e a condução das iterações podem ser frenéticos demais, os breves trinta minutos dão conta de manter a estrutura idealizada pela maior parte do tempo – e, por se valer de uma rom-com coming-of-age, é natural que clichês existam nos diálogos e na correlação de um personagem a outro. Afinal, estamos lidando com jovens e com um entendimento de mundo que cresce dia após dia, em esferas mais interiores e exteriores ao mesmo tempo. Victor chega a servir de guia para Rahim em relação a um espectro que continua sendo difícil e passível de repulsão por quem não compreende a beleza multifacetada da vida – mesmo esbarrando na superficialidade pontual das críticas raciais.
‘Love, Victor’ retorna com uma surpreendente evolução e uma carga emocional que não se vale do melodrama, e sim de um retrato singelo do que é enfrentar a adolescência nos dias de hoje. Recheado de sutilezas e de um gancho espetacular para o próximo ciclo, os episódios nutrem do valor escapista sem perder a mão de nos levar a refletir sobre a liberdade de sermos quem somos.