sexta-feira , 15 novembro , 2024

Crítica | Lovecraft Country – 01×04: A History of Violence

Há algo de deliciosamente bizarro em Lovecraft Country que parece ter conquistado o coração do público, ávido por histórias bem construídas e recheadas de mistério. Desde sua estreia há um mês, a nova produção original da HBO mostrou-se decidida a investir em um cosmogônico universo perfileirado por criaturas terríveis, ordens secretas e uma inclinação interessante para o terror dramático baseando-se nos clássicos escritos do controverso H.P. Lovecraft. E é claro que, levando em conta o romance assinado por Matt Ruff, que modernizou essas incursões míticas com reflexões sobre supremacia e segregação racial, discursos de gênero e sempre o respaldo aventuresco, as coisas se tornariam mais relacionáveis com os telespectadores.

Depois de três semanas concisas entre si – com exceção de certos deslizes gritantes no episódio anterior -, o quarto capítulo dessa espécie de antologia contínua, “A History of Violence”, finalmente traça um fio condutor que une os diversos personagens e tramas já apresentados. Entre poltergeists maléficos, fantasmas vingativos e ilusões traumáticas, Atticus (Jonathan Majors) e Letitia (Jurnee Smollett) passaram por muitas coisas, tangenciando a morte várias vezes e entendendo que, por mais que tentem, o status quo se mostra como imutável e opressor – ainda mais para a comunidade negra em um país que ainda é movido pelo caótico legado de Jim Crow. Lutando para reclamar sua posição igualitária em um território dominado pelo arianismo americano pós-II Guerra, eles também devem lidar com segredos perniciosos que podem premeditar o fim do mundo como o conhecem e a ascensão de um taciturno grupo cujo principal objetivo é instaurar um apocalipse moral.



Enquanto Tic, Leti e as outras personas pareciam isolados em seus próprios arcos, a showrunner e criadora Misha Green resolveu que estava na hora de uni-los para um bem comum, ainda que não pudesse explorar tudo o que gostaria em uma mesma iteração – e, na verdade, é isso o que transforma o episódio em uma sólida adição a uma temporada acima da média. Green recua seu frenético ritmo e opta por não destinar a cautela artística para algumas sequências; tudo move-se no tempo que merece e, infundida com referências que vão desde o explícito ‘Viagem ao Centro da Terra’ até a mimética irreverente de ‘Indiana Jones’, a narrativa transforma-se em um thriller de ação de tirar o fôlego – e com uma reviravolta final surpreendente e aplaudível.

Tic, desde o princípio – e desde que se envolveu com uma herança genética inexplicavelmente bíblica -, se revelou proativo até demais para resolver os problemas de todo mundo, esquecendo-se, por vezes, de que é um mero ser humano e que não pode cuidar de tudo. Não é surpresa que ele se manteve afastado de Leti, cujos laços românticos se assemelham à turbulenta trajetória de uma montanha-russa desgovernada, e do próprio pai, Montrose (Michael K. Williams), cujas mentiras acabaram por afrouxar o relacionamento. Ele, portando-se como um herói militar que não pode demonstrar vulnerabilidade, quer chegar ao fundo de seu parentesco com o condenável Titus, fundador dos Filhos de Adão e “guru” de uma série de pessoas que querem continuar seu trabalho e encontrar o Jardim do Éden.

Felizmente, Tic resolve “deixar” que Leti e Montrose se aproximem – como se os dois realmente precisassem disso. Smollett, mais uma vez, rouba cada uma das cenas da qual participa com sua forte e resiliente personalidade que mescla-se com quebras de expectativa divertidíssimas e que entram em conflito com o pesado teor atmosférico construído não só por Green, mas pelas habilidosas mãos da diretora Victoria Mahoney. Mahoney cuida para que as sequências emuladas de outras produções imediatamente reconhecíveis sejam permeadas por inteligentes diálogos e foreshadowings que alimentam essa gigantesca engrenagem televisiva. Conforme o trio protagonista escava por entre os túneis do espólio de Titus, eles percebem que nem tudo é o que parece ser.

Green, do mesmo modo que reconsidera o dinamismo de sua obra, também contribui para aumentar a metafórica mitologia: os três personagens supracitados, em busca do Livro de Nomes escondido por seu algoz centenário, descobrem uma escotilha escondida, lar de uma criatura milenar fadada a permanecer trancafiada em uma prisão subterrânea: Yahima Maraokoti (Monique Candelaria). Yahima é a personificação dos dois-espíritos da humanidade, encarnando tanto o homem quanto a mulher (Adão e Eva, se pensarmos no espectro católico da série) em um corpo. Baseada nas lendas da tribo caribenha Arawak, a personagem é uma entidade indígena e a única capaz de traduzir os escritos do pergaminho de nomes para as línguas atuais – e, apesar de ter sido resgatada, ela foi brutalmente assassinada nos minutos como forma de proteger alguma coisa não muito clara.

Lovecraft Country entrega seu melhor episódio até o momento e, mesmo tendo se livrado de uma persona que poderia ter sido explorada ao extremo com profundidade e coesão, eleva o nível a uma quase perfeição estrutural e artística que nos deixa bastante ansiosos para as semanas futuras.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Depois de três semanas concisas entre si – com exceção de certos deslizes gritantes no episódio anterior -, o quarto capítulo dessa espécie de antologia contínua, “A History of Violence”, finalmente traça um fio condutor que une os diversos personagens e tramas já apresentados. Entre poltergeists maléficos, fantasmas vingativos e ilusões traumáticas, Atticus (Jonathan Majors) e Letitia (Jurnee Smollett) passaram por muitas coisas, tangenciando a morte várias vezes e entendendo que, por mais que tentem, o status quo se mostra como imutável e opressor – ainda mais para a comunidade negra em um país que ainda é movido pelo caótico legado de Jim Crow. Lutando para reclamar sua posição igualitária em um território dominado pelo arianismo americano pós-II Guerra, eles também devem lidar com segredos perniciosos que podem premeditar o fim do mundo como o conhecem e a ascensão de um taciturno grupo cujo principal objetivo é instaurar um apocalipse moral.

Enquanto Tic, Leti e as outras personas pareciam isolados em seus próprios arcos, a showrunner e criadora Misha Green resolveu que estava na hora de uni-los para um bem comum, ainda que não pudesse explorar tudo o que gostaria em uma mesma iteração – e, na verdade, é isso o que transforma o episódio em uma sólida adição a uma temporada acima da média. Green recua seu frenético ritmo e opta por não destinar a cautela artística para algumas sequências; tudo move-se no tempo que merece e, infundida com referências que vão desde o explícito ‘Viagem ao Centro da Terra’ até a mimética irreverente de ‘Indiana Jones’, a narrativa transforma-se em um thriller de ação de tirar o fôlego – e com uma reviravolta final surpreendente e aplaudível.

Tic, desde o princípio – e desde que se envolveu com uma herança genética inexplicavelmente bíblica -, se revelou proativo até demais para resolver os problemas de todo mundo, esquecendo-se, por vezes, de que é um mero ser humano e que não pode cuidar de tudo. Não é surpresa que ele se manteve afastado de Leti, cujos laços românticos se assemelham à turbulenta trajetória de uma montanha-russa desgovernada, e do próprio pai, Montrose (Michael K. Williams), cujas mentiras acabaram por afrouxar o relacionamento. Ele, portando-se como um herói militar que não pode demonstrar vulnerabilidade, quer chegar ao fundo de seu parentesco com o condenável Titus, fundador dos Filhos de Adão e “guru” de uma série de pessoas que querem continuar seu trabalho e encontrar o Jardim do Éden.

Felizmente, Tic resolve “deixar” que Leti e Montrose se aproximem – como se os dois realmente precisassem disso. Smollett, mais uma vez, rouba cada uma das cenas da qual participa com sua forte e resiliente personalidade que mescla-se com quebras de expectativa divertidíssimas e que entram em conflito com o pesado teor atmosférico construído não só por Green, mas pelas habilidosas mãos da diretora Victoria Mahoney. Mahoney cuida para que as sequências emuladas de outras produções imediatamente reconhecíveis sejam permeadas por inteligentes diálogos e foreshadowings que alimentam essa gigantesca engrenagem televisiva. Conforme o trio protagonista escava por entre os túneis do espólio de Titus, eles percebem que nem tudo é o que parece ser.

Green, do mesmo modo que reconsidera o dinamismo de sua obra, também contribui para aumentar a metafórica mitologia: os três personagens supracitados, em busca do Livro de Nomes escondido por seu algoz centenário, descobrem uma escotilha escondida, lar de uma criatura milenar fadada a permanecer trancafiada em uma prisão subterrânea: Yahima Maraokoti (Monique Candelaria). Yahima é a personificação dos dois-espíritos da humanidade, encarnando tanto o homem quanto a mulher (Adão e Eva, se pensarmos no espectro católico da série) em um corpo. Baseada nas lendas da tribo caribenha Arawak, a personagem é uma entidade indígena e a única capaz de traduzir os escritos do pergaminho de nomes para as línguas atuais – e, apesar de ter sido resgatada, ela foi brutalmente assassinada nos minutos como forma de proteger alguma coisa não muito clara.

Lovecraft Country entrega seu melhor episódio até o momento e, mesmo tendo se livrado de uma persona que poderia ter sido explorada ao extremo com profundidade e coesão, eleva o nível a uma quase perfeição estrutural e artística que nos deixa bastante ansiosos para as semanas futuras.

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